Pouco espaço para otimismo

IPCC aponta para multiplicação de eventos extremos e tragédias recentes mostram Brasil muito vulnerável às mudanças climáticas

Por Marina Grossi | ArtigoODS 13 • Publicada em 4 de abril de 2023 - 08:58 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 13:50

Cheia no Acre atinge milhares de famílias: conclusões do mais recente relatório do IPCC sobre mudanças climáticas deixam pouco espaço para otimismo (Foto: Agência de Notícias do Acre)

O primeiro trimestre de 2023 tem sido marcado pela frequência dos eventos climáticos extremos. Sequer houve tempo para superar a tragédia de São Sebastião, no litoral de São Paulo, que deixou a triste marca de 65 vítimas e milhares de desabrigados e desalojados, e já nos deparamos com o impacto das fortes chuvas na região Norte do Brasil. Em Rio Branco, 32 mil famílias foram afetadas pela cheia do rio Acre, que subiu 16 metros e atingiu 48 bairros. Chuvas intensas também se repetiram em Manaus e em cidades do Pará, Rondônia, Tocantins e Maranhão – não houve óbitos, porém ruas e estradas foram bloqueadas e os prejuízos materiais são sempre incalculáveis.

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Na mesma semana em que o caos se abateu sobre o Norte brasileiro, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) trouxe a público a última parte do 6º Relatório de Avaliação (AR6), que condensa a ciência climatológica produzida nos últimos anos. Como nas publicações anteriores, o recado é claro: a janela de oportunidades para a ação está se fechando, e a humanidade caminha para enfrentar um cenário de alta na temperatura da Terra entre 2,5ºC e 3ºC até o final do século, caso não haja uma mudança de rota. Isso significa que está em risco o cumprimento do Acordo de Paris, tratado internacional de combate às mudanças climáticas assinado por quase 200 países em 2015 (incluindo o Brasil), que tem como objetivo limitar o aquecimento global entre 1,5ºC e 2ºC até 2100.

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As conclusões do relatório deixam pouco espaço para otimismo. Até o momento, a temperatura global já subiu 1,2ºC em comparação com os níveis pré-Revolução Industrial, e um dos efeitos imediatos dessa alteração no clima global são os eventos climáticos extremos. Com o aumento das temperaturas, cada região do planeta deve experimentar esses eventos com mais frequência – se antes eles ocorriam uma vez a cada século, agora a projeção é que se repitam pelo menos anualmente em mais de metade das regiões até 2100, alerta o relatório.

Isso é fruto das altíssimas concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera: em 2019, a concentração de CO2 alcançou 410 partes por milhão, a maior em pelo menos 2 milhões de anos; as de metano e as de óxido nitroso são as mais elevadas em 800 mil anos. Os setores de energia, indústria e transportes respondem por 79% das emissões globais de GEE; já as mudanças no uso da terra, que incluem a agricultura, pastagens e silvicultura, por 21%. Em relação às emissões, a posição do Brasil é peculiar, porque as mudanças no uso da terra respondem por 49% das nossas emissões, fruto principalmente do desmatamento e da conversão das florestas em pastagens.

Somos um país muito vulnerável às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, temos condições de sair na frente na corrida para a economia de baixo carbono, com uma matriz energética com mais de 40% de fontes renováveis e a maior biodiversidade do planeta, atributos muito valorizados quando se pensa em construir modos de vida mais resilientes à crise climática. Além de alertas, o relatório-síntese do IPCC reforça que o período até 2030 é crucial para mudar a trajetória de emissões, que devem ser cortadas em pelo menos 48% para que haja alguma chance de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.

E esboça também um conjunto de soluções que, se empregadas até o final desta década, podem ser fundamentais para reverter os piores cenários. Entre elas, o essencial freio na produção de combustíveis fósseis e a eliminação dos subsídios a essa indústria; o aumento do investimento nas fontes solar, eólica e em sistemas de armazenamento dessas energias; a construção de infraestrutura verde, a redução do desperdício de alimentos e a aplicação de tecnologias de baixo carbono na agricultura – são estratégias que o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) defende e incentiva, com suas empresas. Mas não temos tempo: é preciso ganhar escala e potencializar as soluções.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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