ODS 1
A cara da fome em tempos de pandemia
Ação da Cidadania promove pesquisa em 12 comunidades do Rio e lança livro com 300 fotos. Trabalho será estendido a outras regiões do país
(Com fotos de João Roberto Ripper, Sara Gehren e Breno Lima) Que rosto tem a fome? Como vivem, sobrevivem e sonham homens, mulheres e crianças que passam fome no Brasil? Como é acordar de manhã sem saber se terá algo com que se alimentar ao longo do dia? Essas são algumas reflexões que motivaram a Ação da Cidadania, uma das organizações sociais mais respeitadas do país, a produzir um livro documentário sobre a fome nesses tempos de pandemia.
Inicialmente centrado em 12 comunidades pobres do Rio de Janeiro e Região Metropolitana, entre favelas, bairros de periferia e assentamentos, o trabalho, em uma segunda etapa, será estendido às demais regiões do Brasil. A documentação foi realizada nos primeiros meses deste ano e envolveu três fotógrafos e dois pesquisadores. O livro foca apenas no registro feito no Grande Rio, com previsão de ser lançado ainda neste semestre. O lançamento será acompanhado de uma exposição virtual, seguida de uma mostra no próprio armazém da Ação da Cidadania, na zona portuária do Rio.
“Quando se fala em fome, ressaltamos sempre números, percentuais. Mas é preciso mostrar os rostos, as histórias e as trajetórias das pessoas que sofrem com a fome”, afirma Daniel Souza, da coordenação nacional da ONG. Filho do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, Daniel deu continuidade ao trabalho do pai, idealizador e fundador da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. A campanha foi criada em 1993 e inspirou iniciativas governamentais bem-sucedidas e reconhecidas em todo o mundo, como o Bolsa Família e o Fome Zero, projetos responsáveis por tirar o Brasil do Mapa da Fome, indicador criado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Com o lançamento do livro, o que se pretende, além de traçar o perfil da fome no Rio de Janeiro, é chamar a atenção para o flagelo que voltou com força ao país, nos últimos anos.
Os autores – três fotógrafos documentaristas contratados pela Ação da Cidadania, João Roberto Ripper, Sara Gehren e Breno Lima – registraram mais de mil imagens, das quais 300 foram selecionadas. “É um trabalho super-rico, em termos de texto e imagens, sobre a fome no Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, tambor do Brasil”, salienta Daniel.
O registro fotográfico foi acompanhado pelos pesquisadores Thaís Assumpção e João Gabriel Malaguti. Thaís é doutoranda da Escola Nacional de Ciência Estatística do IBGE, bióloga, com mestrado em Filosofia da Ciência. Seu trabalho foca a questão ambiental atrelada à questão alimentar. Graduado em Estatística pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mestrando da Escola Nacional de Ciência Estatística do IBGE, Malaguti auxiliou a pesquisa com a produção de um roteiro de perguntas que serviram de base para o trabalho dos demais profissionais e para a consolidação das respostas em um relatório final.
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Veja o que já enviamosCoube a Breno Lima, também designer de livro, a tarefa de finalizar a obra. A fotógrafa Sara Gehren é também socióloga e João Roberto Ripper é jornalista, com longa trajetória como repórter fotográfico e documentarista dos movimentos sociais.
O Brasil de volta ao Mapa da Fome
Em 2014, após uma série de ações e iniciativas do governo e da sociedade civil, o Brasil comemorou a sua saída do Mapa da Fome. Em 2018, porém, voltou a fazer parte desse triste indicador. Segundo Thaís, sua pesquisa traça uma espécie de linha do tempo da fome no Brasil nos últimos 20 anos e busca responder à seguinte pergunta: “por que o País levou tanto tempo para sair do Mapa da Fome e voltou para ele em tão pouco tempo?”
Ela explica que, teoricamente, o Brasil ainda está fora do Mapa da Fome. Mas esclarece que, na prática, não é o que ocorre. Isso porque os dados da ONU se baseiam em censos, e, no Brasil, o último censo data de 2010, pois, devido à pandemia, o de 2020 não foi realizado.
Além disso, acrescenta, os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizadas mais recentemente pelo IBGE, comprovam que o Brasil voltou a integrar o Mapa da Fome, ao revelar um aumento substantivo desse flagelo no País.
O trabalho dos cinco profissionais foi realizado nas comunidades da Providência e na ocupação “Ocupa Elma”, na Gamboa, Centro do Rio; também foram visitadas comunidades no Complexo da Maré, na Cidade de Deus, na Baixada Fluminense, e em um assentamento rural de Nova Iguaçu.
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Ligia Coelho
É jornalista há mais de 40 anos. Entre outros veículos, passou pelo jornal Última Hora, TV Manchete e assessorias de imprensa. Trabalhou como jornalista concursada da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de onde se aposentou após dez anos. Em 2002, venceu o Concurso de Monografias Giovanni Falcone, na categoria jornalista, promovido pela Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), sobre o tema “Direito à privacidade e liberdade de expressão”.