ODS 1
#RioéRua – A Moça Bonita de Bangu
Memórias de um trecho do bairro da Zona Oeste onde as coisas parecem ter melhorado
Tinha 11 anos na primeira vez que entrei em Moça Bonita. Foi uma aventura: matei aula, meu pai faltou ao trabalho, seu amigo Álvaro também. Os outros dois banguenses no carro – meu tio Fausto e Carlinhos – já estavam aposentados. Era uma quarta-feira ensolarada, tarde de clássico da Zona Oeste sob sol de trinta e tantos graus e o Bangu perdeu de 5×1 para o Campo Grande. Nos dois anos seguintes, embora minha mãe tenha proibido matar aula de novo, passei a fazer desse grupo, como se fosse parte de uma iniciação ao mundo adulto. Ouvia histórias dos tempos de Domingos da Guia e Zizinho com a camisa do Bangu, ria com piadas machistas dos adultos, aprendia a geografia carioca enquanto conhecia os estádios da Rua Bariri (Olaria), Teixeira de Castro (Bonsucesso), Conselheiro Galvão (Madureira), Ítalo Del Cima (Campo Grande), Figueira de Melo (São Cristóvão).
Mas fui, principalmente, à Moça Bonita, nome popular do Estádio Proletário Guilherme da Silveira , inaugurado em 1948, para sediar os jogos do Bangu Atlético Clube. Garantem os pesquisadores que a moça existiu mesmo, morava na vizinhança e atraía até ali os alunos da Escola de Cadetes de Realengo. Manoel Guilherme da Silveira, médico pediatra e clínico-geral, era também sócio da Fábrica Bangu – a Companhia Progresso Industrial do Brasil, inaugurada em 1889 – desde a década de 1920. Foi presidente da companhia, responsável pela ampliação e modernização, pela construção da vila de operários, pelo reconhecimento dos direitos sociais dos trabalhadores. Em 1933, o “time de operários do Bangu” – como os jornais chamavam com uma dose de certa verdade já que havia filho de empregados da fábrica e uma maioria de negros – goleou o “clube da aristocracia”, o Fluminense, e ganhou o primeiro título da era profissional do futebol carioca.
O velho Guilherme, que chegou a presidente do Banco do Brasil e ministro da Fazenda, dá nome ao estádio e à vizinha estação de trem, ambos inaugurados em 1948 – a um quilômetro do centro de Bangu, onde ficam a antiga fábrica, transformada em shopping center, e o famoso calçadão do bairro com seu frenético movimento. Mas, nas arquibancadas de Moça Bonita, eu só ouvia as histórias do Dr. Silveirinha, seu primogênito, presidente do clube de 1937 a 1949, quando se afastou para cuidar só da fábrica. Mas continuou financiando o time – foi o responsável em 1950 pela contratação de Zizinho, a maior dos 115 anos de história do Bangu – até a década de 1960, quando Eusébio Gonçalves de Andrade e Silva assumiu a presidência, com suas bênçãos. Seu Zizinho (nada a ver com o craque), pecuarista e advogado, levou para o clube, como vice-presidente de futebol, o filho Castor: os dois montaram o time que, conquistou, em 1966, o segundo – e, até agora, último – título estadual do Bangu.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosTudo isso eu aprendi nas arquibancadas ou nos bares próximos à Moça Bonita, vendo os adultos tomarem cerveja à espera do jogo. Na minha memória, aquela parte do bairro estava muito mais para residencial do que para comercial ou industrial. Fazia um calor danado e o pessoal se escondia sob a copa das árvores da enorme praça ao lado estádio que parecia sempre meio maltratada. Voltei àquela parte de Bangu para ver o time nos melhores tempos dos anos 80 – vice-campeão brasileiro em 1985, campeão da Taça Rio em 1987 – e nada tinha mudado muito, com o estádio ainda cercado de construções baixas, casas boas de dois andares, ruas fechadas por grades e também conjuntos habitacionais pobres de três ou quatro andares.
Quando retornei na semana passada, inspirado pela campanha do Bangu neste campeonato estadual, constatei que nem tudo piora nesta cidade com o tempo. O calor e as construções em torno de Moça Bonita continuam os mesmos. O estádio parece mais bem cuidado do que há 15 anos, quando estive lá pela última vez. Nas paredes, há pinturas dos times de 66, de 85, de 87 e de duas moças bonitas. A estação de trem certamente melhorou dos 80 anos para cá. A Praça Nova Jales – nome oficial do lugar que todo mundo chama de Praça Guilherme da Silveira por conta do busto do velho Manoel – passou por uma reforma em 2010 e está bem tratada. No começo de tarde de dia útil, há garotos soltando pipa, alunos de uma escola próxima aparentemente matando aula, um casal namorando, amigos tomando cerveja e conversando sobre a semifinal de domingo.
Com uma cerveja para matar a sede em frente ao estádio, só sinto mesmo falta do velho Cazé e dos outros banguenses ainda mais antigos que nos acompanhavam naquelas aventuras suburbanas. Claro que tudo isso pode ser otimismo de banguense animado com os bons resultados. O pessoal reclama da segurança e da prefeitura – como quase todo mundo neste Rio de Janeiro. Mas estão aprovados o trem, a praça e o estádio: ano que vem, visitarei mais vezes esta Moça Bonita. O Bangu vai jogar o Brasileiro da Série D e a Copa do Brasil, outros motivos para tirar as camisas alvirrubras do armário e remexer a gaveta das das boas lembranças.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade