Tá difícil botar o bloco na rua

Lideranças do Carnaval de rua reclamam da organização e da falta de recursos

Por Rita Fernandes | ArtigoODS 12 • Publicada em 23 de fevereiro de 2017 - 08:58 • Atualizada em 27 de fevereiro de 2017 - 13:02

Bloco pré-carnavalesco, em Laranjeiras. Lideranças dizem que está cada vez mais difícil bancar a festa. Foto de Ellan Lustosa/Citizenside
Organizadores do Carnaval de rua dizem que está cada vez mais difícil bancar a festa. Foto de Ellan Lustosa/Citizenside
Organizadores do Carnaval de rua dizem que está cada vez mais difícil bancar a festa. Foto de Ellan Lustosa/Citizenside

O crescimento do carnaval de rua do Rio, que hoje reúne mais de 5 milhões de foliões em cerca de 600 desfiles, nos convida a um novo olhar sobre esse fenômeno. Chegou a hora de fazer uma revisão nas diferentes dimensões que cercam o evento. Uma delas, sem dúvida, é o modelo de financiamento, ou de não financiamento da festa. Nos últimos dez anos, vimos o número de participantes subir progressivamente. Com esse aumento – que gerou o gigantismo de muitos blocos – veio a necessidade de um investimento maior em infraestrutura para garantir a diversão e o conforto de cariocas e turistas.

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O acesso ao dinheiro não tem sido nada fácil para as agremiações. Não há financiamento público direto (como no caso das escolas de samba, que recebem da prefeitura repasse direto de R$ 24 milhões). Editais de fomento, como os que são criados para outras atividades culturais, também não existem. Possíveis patrocinadores privados reclamam da falta de visibilidade. Temem ser engolidos pelo mar azul da marca de cerveja.

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Carros de som maiores e com mais potência –  muitas vezes dois para blocos que passaram a contar com mais de 100 mil pessoas -, um número grande de ritmistas e músicos, e a contratação de profissionais de apoio e de segurança foram alguns dos itens que passaram a pesar nas contas de quem vem assumindo, espontaneamente, a tarefa de colocar o bloco na rua. Em sua maioria, simples cidadãos, representantes da sociedade civil que adoram o carnaval, mas que não fazem disso uma profissão.

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No Rio de Janeiro, dos quase 500 blocos que existem na cidade – entre autorizados e não-autorizados -, 99% são organizados por pessoas que fazem Carnaval por amor à causa, pela brincadeira e pelo prazer de brincar nas ruas. Só que a conta foi ficando salgada, a ponto de muitos blocos não terem mais como desfilar por falta de recursos. Outros tantos levaram seus organizadores a se endividarem pessoalmente, comprometendo recursos e bens pessoais.

De outro lado da mesa, a Prefeitura do Rio, já há alguns anos, vem anunciando um crescimento significativo na arrecadação proveniente do Carnaval. E a maior contribuição, certamente, vem da economia, formal e informal, que gira em torno dos blocos de rua.  Basta lembrar que a capacidade máxima de ocupação do Sambódromo é de 75 mil pessoas por dia, contra um total de 5 milhões de foliões, de todas as idades, brincando pela cidade. Para este ano, segundo a Riotur, a festa de Momo deve injetar R$ 3 bilhões nos cofres da cidade.

Só o patrocinador oficial do Carnaval já gastou mais de R$ 15 milhões na contratação de parte da infraestrutura, como banheiros químicos, grades e agentes de trânsito, gastos que deixaram de sair dos cofres públicos desde que o caderno de encargos criado para o financiamento dos serviços públicos foi criado. O patrocinador, obviamente, fica com uma fatia considerável do faturamento na festança, pois é nesse momento que a cidade consome mais o seu produto.

Os banheiros químicos são parte do investimento do patrocinador em infraestrutura. Foto de Luiz Souza/NurPhoto
Os banheiros químicos são parte do investimento do patrocinador em infraestrutura. (Foto de Luiz Souza/NurPhoto)

Se há um jogo de ganha a ganha entre prefeitura e patrocinador oficial, do outro lado os blocos estão absolutamente fragilizados. Agentes principais da festa, eles têm o protagonismo do carnaval de rua, mas pagam caro por uma conta mal resolvida e desequilibrada. Quem antes vivia de fazer festas, ensaios e da venda de camisetas para arrecadar fundos, além do famoso “livro de ouro” que se passava na vizinhança, sabe que hoje esse sistema deixou de funcionar. Primeiro porque aumentou muito o custo de um bloco, e, segundo, porque cresceu a oferta de eventos e de opções no período carnavalesco. Há blocos que não desfilam mais e há outros que buscam desesperadamente por patrocínios, o que não deveria ser um problema, já que o Carnaval de rua é um sucesso.

Mas, ao contrário, o acesso ao dinheiro não tem sido nada fácil para as agremiações. Não há financiamento público direto (como no caso das escolas de samba, que recebem da prefeitura repasse direto de R$ 24 milhões). Editais de fomento, como os que são criados para outras atividades culturais, também não existem. Possíveis patrocinadores privados reclamam da falta de visibilidade. Temem ser engolidos pelo mar azul da marca de cerveja.

Sem alternativa, só resta aos blocos procurar o patrocinador máster. A resposta é sempre a mesma: não há dinheiro para todo mundo, principalmente por conta da fatia considerável do bolo que fica com a prefeitura. Por esse motivo, e dentro da mesma argumentação, são oferecidos – e muitos aceitam – produtos para que sejam vendidos pelos organizadores, a fim de que “façam dinheiro” para os seus desfiles. Transformando “os cariocas animados que gostam de Carnaval” em vendedores de bebida. Uma lógica invertida e perversa de patrocínio. Um modelo estranho que favorece as pontas do sistema e não os atores principais.

Para os blocos, o resultado desse esquema é devastador. Tudo isso tem impedido que os organizadores consigam ter um plano de financiamento sustentável para colocar o bloco na rua e até para investir em ações criativas, como a inserção de novas linguagens (circenses, de dança, das artes visuais, por exemplo) no universo carnavalesco.

É hora de uma ampla mudança, que conte com a participação de todos os envolvidos, para que se chegue a um modelo mais equânime, mais justo. Uma revisão geral para que em 2018 o jogo seja mais equilibrado. Do contrário, muito em breve não haverá mais esse carnaval de rua, em toda a sua pluralidade. Os organizadores de blocos estão no seu limite de criatividade e endividamento. Foliões não terão blocos para brincar, não haverá venda de cerveja, não serão necessários os banheiros e as grades, e não haverá arrecadação. É um modelo que já se mostra esgotado. Perdem todos, mas acima de tudo perde a cidade do Rio de Janeiro.

Rita Fernandes

É jornalista e pesquisadora de carnaval, com mestrado em Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas. Foi colunista do jornal O Dia, titular da coluna Pelas Ruas, sobre a cultura de rua da cidade. É consultora de conteúdos sobre carnaval de rua para a Globo News. Uma das fundadoras do Bloco Imprensa Que Eu Gamo e presidente da Sebastiana - Associação de Blocos de Rua, desde 2004.

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