Retratos em branco e preto

2004

Ou, tentando fazer o que a diretora de arte pediu

Por Leo Aversa | Fotogaleria • Publicada em 22 de dezembro de 2015 - 08:57 • Atualizada em 22 de dezembro de 2015 - 22:02

2004

A diretora de arte pede candidamente uma imagem do Chico sorrindo. Simples? Não: sorrir para fotos é algo que ele não gosta. Na verdade o que detesta mesmo é ser fotografado. É um tempo que considera perdido, um tempo que ele podia usar compondo, escrevendo ou jogando futebol. Qualquer coisa, menos ficar na frente de uma câmera, no caso a minha. E eu nem sou um sujeito especialmente chato, quer dizer, sou até engraçado, ainda que de maneira involuntária. Por isso sempre tento não demorar, para não virar o Lex Luthor da mpb, o autor do click que tomou o tempo de mais um verso genial. Já tentei todo tipo de truque para descontrair, de conversar sobre o Fluminense ou afirmar veementemente que Maradona é melhor que Pelé. Tudo vai bem até apontar a lente. Mas a parte boa, por assim dizer,  é que ele é resignado, sempre aparece pontualmente nas sessões marcadas, ainda que estampando mesma cara que o meu filho faz em dia de vacina.

Mas o que me falta em tempo sempre sobra em pretensão: conseguir um grande retrato do Chico Buarque. Quem sabe com um olhar que represente as mulheres na obra dele? Ou um gesto que traduza suas musicas de protesto? Ou tudo isso ao mesmo tempo, mais a solidão do artista criativo? Sempre começo a fotografar com a utopia de que vou virar o Alberto Korda, aquele que fez a imagem definitiva do Che Guevara. O sonho vai minguando até terminar com a realidade de um 3×4 de lambe-lambe.

O pedido da diretora não é à toa. Nenhuma mulher é indiferente ao Chico. Tem as que admitem e lidam bem com isso, na medida da paciência do marido ou namorado. E tem as que negam, dizendo que ele tá velho e caído. Essas são as piores. Quando conseguem chegar perto perdem completamente a linha. Já vi um casal de mulheres brigar feio por conta dele. Ao que parece uma delas quando viu o Chico descobriu não era tão homossexual assim. Acontece a mesma coisa com o Caetano Veloso e os críticos musicais. Quando o jornalista está sozinho na redação, tem sempre uma teoria super fundamentada sobre a decadência do Caetano e sua atual irrelevância no cenário musical. Na frente dele, numa entrevista, logo fica com um sorriso abobalhado, concordando com qualquer coisa que diga.

Voltando à encomenda que me foi feita,  desta vez resolvi abrir o jogo com o meu modelo:

– Chico, pra essa foto preciso que você faça um olhar que represente a alma feminina e uma pose que sintetize a sua fase mais política. E não esquece da solidão do artista criativo.

Ao menos a diretora de arte conseguiu o que queria.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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