Memória adiposa

O mais curioso no fast food não é a comida ou os funcionários. É o cliente. Foto Sigrid Gombert / Cultura Creative

Cuidado, a saudade pode fazer muito mal à saúde

Por Leo Aversa | ODS 3 • Publicada em 12 de janeiro de 2018 - 08:57 • Atualizada em 12 de janeiro de 2018 - 14:20

O mais curioso no fast food não é a comida ou os funcionários. É o cliente. Foto Sigrid Gombert / Cultura Creative
O mais curioso no fast food não é a comida ou os funcionários. É o cliente. Foto Sigrid Gombert / Cultura Creative
O mais curioso no fast food não é a comida ou os funcionários. É o cliente. Foto Sigrid Gombert / Cultura Creative

Na frente do caixa tem um funcionário cansado distribuindo cupons. Cupons de desconto normalmente são usados para atrair o cliente até a loja, certo? Logo, se o cliente já está lá, a distribuição parece não fazer sentido. O cansado já percebeu isso, o que só aumenta seu desânimo. A moça do caixa espanta o tédio enviando mensagens no whatsapp, enquanto os outros atendentes, que são muitos, conversam e brincam entre si. Estão todos muito acima do peso, o que é irônico, já que essa indústria tenta se livrar da acusação de ser a responsável por uma epidemia de obesidade.

Tenho na minha frente calorias suficientes para sustentar um urso polar durante todo o inverno. Como não sou um urso e não enfrentarei uma temperatura de -50º, vou engordar, meu colesterol e a minha glicose vão disparar e o meu médico vai achar que estou tentando o suicídio

Estou num fast food. Entrei para matar as saudades: fui na inauguração do primeiro MacDonald’s no Brasil, em 1979, ali na Hilário de Gouveia. Esse onde estou diz que é o rei dos Burguers mas é bem parecido com o palhaço Ronald. Em 1979 eu não me procupava com cupons, funcionários cansados ou obesidade. Vai ver que é disso que sinto saudade.

A moça da caixa larga o celular mas é incapaz de emitir algo além de grunhidos aleatórios, dos quais só consigo entender o “crédito ou débito”. Ela aponta com o queixo o lugar onde devo esperar o que eles, também com ironia, chamam de refeição. Custou cerca de trinta reais. Enquanto espero, os muitos funcionários continuam brincando uns com os outros, parece que estão numa mistura de frente de trabalho com playground. O sanduíche que é entregue não guarda nenhuma semelhança com o dos anúncios, o que não parece incomodar os outros consumidores, muito menos os atendentes. As batatas fritas tem sabor de plástico e o refrigerante tem refil grátis, caso você ache que só um copo de puro açúcar não faz estrago suficiente no seu organismo.

Tenho na minha frente calorias suficientes para sustentar um urso polar durante todo o inverno. Como não sou um urso e não enfrentarei uma temperatura de -50º, vou engordar, meu colesterol e a minha glicose vão disparar e o meu médico vai achar que estou tentando o suicídio.

Hoje em dia, pelo mesmo preço ou menos posso ir a um restaurante a quilo, desses que existem aos milhares e comer comida de verdade, aquela que meus avós chamavam de alimento. É o mais lógico e razoável a fazer. Nunca vi ninguém, tendo à disposição arroz, feijão, massas, carnes e peixes escolher rodelas de carne moída, pão branco e um molho “especial”. Mas como tenho comprovado desde 1979, tem maluco pra tudo.

O mais curioso no fast food não é a comida ou os funcionários. É o cliente. Se existem opções mais rápidas, baratas e saudáveis, quem é o consumidor de fast food em pleno século XXI? Tirando as crianças ingênuas com pais relapsos e os sequelados, resta aquela gente estranha, que tendo uma realidade óbvia à sua frente prefere se refugiar em alguma memória longínqua da infância.

Como eu, naquele exato momento

A viagem ao passado dura pouco, o peso das milhares de calorias ingeridas me fizeram cair na real: paguei caro por uma comida ruim que me caiu mal. Em 1979 estaria recuperado em meia hora, agora estou preocupado em não enfartar com tanta gordura.

Saudade mata.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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