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Mapa da Fome: cinco avisos para o Brasil

Dados da ONU sobre segurança alimentar alertam para ações urgentes a serem desenvolvidas em nosso país

ODS 2 • Publicada em 7 de agosto de 2023 - 07:36 • Atualizada em 8 de agosto de 2023 - 18:30

(Francisco Menezes*) – Ninguém pode ter sido surpreendido com a manutenção do Brasil no Mapa da Fome da ONU. Em 2021, já tínhamos voltado para a lista dos países que viviam essa tragédia. Todos os sinais de alerta estavam ligados, mostrando que o acelerado empobrecimento de parte de nossa população e o desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional, marcas do governo passado, não podiam dar em outra coisa. Mas nada foi feito que pudesse alterar esta situação. Assim, o relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, recém-divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apenas confirmou aquilo que já se previa.

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A FAO faz esta avaliação considerando sempre os resultados dos últimos três anos, sendo que agora cobriu o período entre 2020 e 2022, quando apontou que no Brasil 21,1 milhões de pessoas se encontravam na condição de insegurança alimentar grave e 49,2 milhões em insegurança alimentar moderada. Assim, confirmou, mesmo usando metodologias diferentes, as tendências mostradas pelos inquéritos da Rede Penssan comentados nesta coluna em edições anteriores. Deste quadro, podemos extrair ao menos cinco principais avisos para o país, em especial considerando o enorme contingente de pessoas cujo direito a uma alimentação suficiente e saudável não é contemplado.

O primeiro deles é de que não há tempo a perder. O Brasil vive a emergência da fome e enfrentá-la e superá-la trata-se de algo absolutamente prioritário. Já foram adotadas medidas que produzem resultados imediatos. Uma delas foi a retomada de uma política de transferência de renda consistente, no caso o novo Bolsa Família. Corrigiu-se erros grosseiros do programa de transferência de renda do governo anterior, bem como acrescentou-se repasses adicionais para famílias com crianças e adolescentes e, também, para mulheres grávidas. Outra medida de impacto foi a atualização do valor per capita repassado pelo governo federal para a alimentação escolar, o que não era efetuado há cinco anos, comprometendo uma política que não só deve zelar pela condição nutricional dos alunos, mas que também pode gerar efeitos positivos na alimentação de toda uma família, sobretudo se está em condições de vulnerabilidade social.

O segundo aviso é de que não adianta sair do Mapa da Fome para depois voltar, como aconteceu com o Brasil nos últimos dez anos. Para que não repitamos esta trajetória errática é preciso intervir sobre os fatores estruturais geradores de pobreza, insegurança alimentar e fome. A volta de uma política sistemática de recuperação do valor do salário-mínimo é chave. Além disso, enfrentar a inflação de alimentos, que momentaneamente está controlada, mas que exige a construção e implementação de uma política nacional de abastecimento, que devolva ao Estado a capacidade de regulação dos preços dos alimentos básicos. Outra iniciativa essencial é aprofundar a luta contra as notórias desigualdades étnico-raciais, de gênero, etárias e regionais que se comprovam também no tema da alimentação e que aí exige medidas que considerem as especificidades desses grupos sociais.

Preparação para distribuição de cestas básicas no Maranhão: cinco avisos para ajudar o Brasil sair do Mapa da Fome (Foto: CRT-MA/ActionAid)
Preparação para distribuição de cestas básicas no Maranhão: cinco avisos para ajudar o Brasil sair do Mapa da Fome (Foto: CMRT-MA/ActionAid)

O relatório também mostrou um outro lado não menos preocupante da insegurança alimentar e nutricional e que no Brasil adquire proporções consideráveis que é o sobrepeso e obesidade, afetando inclusive nossa população mais jovem. Trata-se de um desafio de proporções gigantes, pois envolve a predominância de práticas alimentares bastante nocivas para a saúde de nossa população, no caldo de uma deficiente educação alimentar, na oferta crescente de alimentos ultraprocessados a preços significativamente menores do que os de uma alimentação mais saudável e a quase absoluta falta de regulação sobre produtos de densos conteúdos calóricos e pobres em outros nutrientes.

Um quarto aviso é de que a participação social no monitoramento e proposição de políticas de segurança alimentar é ponto essencial para o êxito delas. O Brasil já foi referência nessa matéria. Seguindo o modelo do Consea nacional, criaram-se conselhos semelhantes na América Latina e na África. Mas, no primeiro ato do governo passado, o Consea foi extinto e “desconvocou-se” a Conferência Nacional que se realizaria naquele mesmo ano. Perdeu-se, dessa maneira, um espaço fundamental, de natureza intersetorial e de composição mista de governo e sociedade para a condução da política nacional de segurança alimentar. Renova-se a esperança com a recriação do Consea pelo atual governo e a forte mobilização da sociedade neste processo.

Por fim, um último aviso que se deve extrair dos resultados que o Brasil colheu nos últimos anos, incluído aí nossa presença no Mapa da Fome: governos de perfis autoritários, que não convivem bem com a preservação de direitos e a observância de regras da democracia, levam frequentemente a situações de deterioração social, como ocorreu no país nos últimos anos, resultando em situações mais extremas como a fome. Esse aprendizado precisa estar na memória para que evitemos futuras aventuras nefastas.

*Francisco Menezes, consultor de Políticas da ActionAid, é economista e presidiu o Consea de 2004 a 2007

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