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Consea: quando a sociedade civil volta a fazer parte da ‘mesa’

Recriação de conselho é chave para o enfrentamento da fome e o avanço da segurança alimentar no país

ODS 2 • Publicada em 10 de abril de 2023 - 09:40 • Atualizada em 10 de abril de 2023 - 09:48

(Francisco Menezes*) – O Brasil vive um tempo de urgências. No tema da soberania e segurança alimentar não é diferente. São escombros a serem removidos, resgates de milhões de pessoas passando fome e a necessidade de que sejam reerguidas esperanças de retorno à situação de um país que há pouco tempo foi referência para o mundo nessa área.

As respostas precisarão ser rápidas. Nesse contexto, fica a pergunta: como se encaixa a participação social que, como sabemos, tem um tempo próprio dos processos democráticos para o amadurecimento de questões com múltiplas e diferenciadas abordagens até que se chegue a posicionamentos e encaminhamentos que contemplem um denominador comum para essa diversidade.

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Órgãos, eventos e movimentações importantíssimas a partir da mobilização de grupos da sociedade estão voltando à tona nessa conjuntura. Exemplo primordial é a retomada do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, restaurado no primeiro ato do novo governo, revertendo a extinção decretada pelo governo anterior, também ocorrida em seu primeiro ato. Imediatamente após sua volta, o Consea deu início a medidas imprescindíveis, como a convocação da VIª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional já para dezembro desse ano.

Para além de celebrar seu retorno, é necessário destacar algumas particularidades que potencializam a capacidade de incidência do Conselho. Uma delas é a natureza intersetorial em sua composição: é um órgão composto simultaneamente por diferentes atores, sejam movimentos e organizações sociais de distintas áreas da sociedade, ao lado de representações dos diversos ministérios. Daí resulta atuar junto às políticas públicas não focando sobre um único segmento, mas com uma perspectiva ampla e integradora, que obriga relacionar as questões do campo com a saúde, o desenvolvimento social com o meio ambiente e assim por diante. Não menos importante é sua localização na Presidência da República, o que por si só favorece essa visão abrangente, como também empodera o Conselho, por este se reportar diretamente ao presidente.

Um aspecto muito relevante é que o Consea também traz, a partir de sua composição de sociedade e governo, o que é vivido desde os territórios, considerando-se aí a forte interlocução que é travada entre o conselho nacional e conselhos estaduais e municipais. E no processo de conferências, que normalmente ocorrem a cada quatro anos, salvo a interrupção que se deu no período do governo anterior, são estabelecidos circuitos desde os municípios até o plano nacional, estabelecendo as diretrizes que devem reger a política nacional de segurança alimentar.
O CONSEA fez história nas políticas públicas. Estabeleceu em lei aprovada no Congresso Nacional a legislação que cria o sistema e a política de segurança alimentar e nutricional no país. E entre tantas outras conquistas, reformulou com grandes avanços a política de alimentação escolar e criou programas como o de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, o PAA.

Mas, como se chamou atenção no início desse texto, agora mais do que nunca o órgão se vê obrigado a contribuir com respostas que se colocam como urgentes. Nessa retomada, o centro dos esforços e de sua contribuição deve se dar no enfrentamento da fome. A tragédia que se produziu enquanto projeto contra o povo Yanomami foi tema da primeira reunião do Conselho que já se integrou no acompanhamento de medidas que vêm sendo tomadas para reverter os efeitos do crime cometido.

Mas há fome em todo o país, como estudos mais recentes demonstram. São muitas as fomes nesse Brasil continental. E o CONSEA vem a contribuir para reverter esse cenário trágico não só acompanhando as medidas emergenciais que vêm sendo tomadas, mas fazendo de seu espaço o laboratório para criar políticas estruturantes e com efetividade. É o caso, por exemplo, da necessidade de construção de uma Política Nacional de Abastecimento, com que o Brasil ainda não conta.

O Consea voltou e é preciso celebrar esse fato como um dos grandes passos de retomada da participação social no país. Não há dúvidas de que será uma das instâncias mais efetivas nesse sentido, e um dos atores-chave no enfrentamento da fome e do resgate à trajetória de avanço da segurança alimentar no país. Para a comida estar na mesa das pessoas com dignidade, a sociedade precisa também se sentar à mesa com os governantes de seu país.

*Francisco Menezes, consultor da ActionAid, é economista e presidiu o Consea de 2004 a 2007

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