Alerta aos solidários, ma non troppo

Foto: Leo Aversa – Crédito obrigatório.

Morrendo de medo da intimidade excessiva num mundo repleto de blablacars

Por Leo Aversa | ArtigoMobilidade UrbanaODS 16ODS 17 • Publicada em 13 de novembro de 2015 - 14:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:06

Foto: Leo Aversa – Crédito obrigatório.
Imaginem esta estrada com alguém tagarelando ao seu lado...
Imaginem esta estrada com alguém tagarelando ao seu lado…

Quando fui convidado a escrever no #colabora até estranhei, afinal o site fala de um mundo mais criativo, tolerante e generoso. Vamos dizer que essa história de ajudar nunca foi o meu forte. Minha mãe, coruja que é, sempre disse que eu nunca fui colaborativo, muito pelo contrário. A versão dela é confirmada com entusiasmo pela minha mulher, que também não perde a oportunidade de acrescentar que estou piorando com o tempo. Quando se fala sobre minha tolerância e generosidade as duas caem na gargalhada. Mas criativo sou, invento sempre novas formas de ser indiferente às críticas. Quem me convidou tinha alguma razão.

[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Não consigo pensar em sacrifício maior do que aturar uma viagem de carro com desconhecidos. Prefiro enfiar um lápis no olho e rodar

[/g1_quote]

Tenho visto muitas notícias assustadoras por aqui, ao menos para mim. Uma das mais terríveis é essa moda do BlaBlaCar, o aplicativo para caronas. Nos transportes públicos, ao menos, já existem códigos de comportamento estabelecidos: a conversa é limitada e se resume a platitudes e comentários sobre o tempo. Mas no carro particular presume-se que já exista, com perdão pela palavra, uma intimidade, então ( Horrror! Horror! Horror!) pode se falar sobre qualquer coisa. A classificação de bla para os calados, blabla para os normais e blablabla para os malas dos infernos também é muito falha. Se voce vai para Búzios, por exemplo, e resolve dar carona para uma pessoa calada, categoria “bla”, para não se chatear. Aí no inicio da jornada a pessoa já manda um “votei no Bolsonaro!”. Como é que fica? Você vai seguir o resto da viagem tranquilo? E se, por exemplo, a pessoa diz “O Fluminense ainda tem que pagar a terceira divisão”. Eu, tricolor, faço o quê? Mando o rubro negro pro porta-malas? Complicado, muito complicado. Fora outros problemas práticos da convivência forçada sem regras. Quem é que controla o rádio? E o ar condicionado? E as paradas para comer e esticar as pernas? E se o outro for um daqueles metidos a co-pilotos que dão pitacos sobre a velocidade e a hora certa de ultrapassar? Esse BlaBlaCar vai ser uma fábrica de serial-killers, podem anotar.

[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

E devo acrescentar que todos os cubanos entram com louvor na categoria BlaBlaBlaBlaBla, de quem fala até (não) dizer chega

[/g1_quote]

Para não dizerem que sou um pária imprestável, já fiz um bonito nessa área. Em Cuba aluguei um carro e percorri o interior por quinze dias. Lá é de bom tom dar carona, eles consideram que se você tem um carro normal e está dirigindo sozinho, não há nenhum motivo para não levar mais três pessoas. Coisa de comunista comedor de criancinhas e fã de ditadura gayzista e bolivariana. O fato é que como estava lá segui o código dos nativos. Dei carona para médicos, engenheiros, lavradores e até uma garota de programa. Com essa eu tive que fingir que era gay, já que ela não estava muito disposta a perder a viagem. A tática se revelou um tiro no pé, ela logo lembrou que tinha um sócio muito bem dotado, atuando no mesmo ramo, e estabelecido no nosso caminho. A mentira pode ter, além de pernas curtas, um pênis grande. Por sorte escapei, incólume, do paredón.

O fato é que com esse episódio dei por encerrada minha cota de caronas, pagas ou não. Então não me sinto culpado em fugir do BlaBlaCar, já que assim poupo o resto da humanidade de me ouvir reclamar de tudo por horas. Estou colaborando, viu mamãe?

 

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

2 comentários “Alerta aos solidários, ma non troppo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile