China e Índia: potências econômicas do passado e do futuro

Aeronaves da Go First, companhia aérea indiana, no pátio do aeroporto internacional de Mumbai. Dados do FMI mostram que o país deverá representar quase 9% do PIB mundial até 2028. Foto Punit Paranjpe/AFP

Avanço em educação, ciência e tecnologia deixarão os dois países com uma força de trabalho mais qualificada e mais produtiva

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 12 • Publicada em 22 de maio de 2023 - 09:06 • Atualizada em 1 de junho de 2023 - 10:44

Aeronaves da Go First, companhia aérea indiana, no pátio do aeroporto internacional de Mumbai. Dados do FMI mostram que o país deverá representar quase 9% do PIB mundial até 2028. Foto Punit Paranjpe/AFP

A China e a Índia eram as grandes potências econômicas do passado. No ano 1 da Era Cristã, a economia da Chíndia (China + Índia) representava 57,5% do Produto Interno Bruto (PIB) global, segundo cálculos do renomado economista Angus Maddison. O PIB da Índia representava 32% e o da China 25,4%. O PIB do Japão era de apenas 1,1%. Portanto, somente estes 3 países da Ásia contavam com quase três quintos da economia global, conforme mostra o gráfico abaixo.

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Do lado Ocidental, no ano 1, a maior economia era a da Itália que representava 6,1% do PIB global, seguida da França com 2,2%, Alemanha com 1,2% e Reino Unido (UK) com 0,3%. As populações que viviam nos Estados Unidos (EUA) e no Canadá possuíam uma economia de subsistência e pouco influíam na economia mundial da época. A soma do PIB dos 9 países (China, Índia e os outros 7 países) representava mais de dois terços da economia mundial (68,8%).

No ano 1000, o quadro não havia se alterado substantivamente, mas outras regiões do mundo cresceram e a soma do PIB dos 9 países caiu para 59,6% do PIB global. Em 1500, a China aparece como a maior economia do mundo, seguida da Índia, da França, da Alemanha e do Japão. Entre 1500 e 1700 não houve muitas modificações. Mas, em 1820, a China sobe para um terço (33%) da economia mundial, a Índia caiu para 16,1%, o Reino Unido subiu para 5,2% e os EUA aparecem com 1,8%.

Contudo, a grande mudança de eixo do Oriente para o Ocidente aconteceu nos séculos XIX e XX. Em 1900, as economias da China e da Índia tinham caído para 11,1% e 8,6%, respectivamente. O Japão caiu para 2,6%. Os EUA surgiram como a economia mais poderosa, com 15,8% do PIB global. Cresceram também Reino Unido com 9,4%, Alemanha com 8,2%, França com 5,9% e Itália com 3%. O Canadá ainda representava somente 0,8%.

A hegemonia ocidental se consolidou no século XX. Em 1950, a China e a Índia representavam, juntas, apenas 8,8% do PIB global. O Japão destruído pela guerra representava 3%. Os EUA deram um salto para 27,3%, o Reino Unido com 6,5%, Alemanha 5%, França 4,1%, Itália 3,1% e o Canadá chegou a 1,9%. A economia internacional, nos chamados “30 anos gloriosos”, manteve o novo equilíbrio de forças entre Ocidente e Oriente, com clara hegemonia dos primeiros sobre os segundos.

O país que mais se destacou entre 1950 e 1980 foi o Japão que se tornou a segunda economia do mundo com um peso de 7,8% na economia mundial. A Alemanha com 5,5% se consolidou no terceiro lugar. A economia dos 9 países em questão caiu para 56,3% do PIB global, pois outras partes do mundo cresceram mais rapidamente na segunda metade do século XX. A Chíndia se manteve com 8,4%. A década de 1970 marcou o fundo do posso da economia da China e da Índia.

Após 1980, a grande novidade é que a China e a Índia voltaram a crescer aceleradamente e se avolumaram na economia internacional, enquanto os EUA e os demais países do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, UK, França, Itália e Canadá) passaram a ter um peso cada vez menor na economia global. No ano 2000, o PIB da China passou para 11,8%, da Índia passou para 5,2%, enquanto o PIB dos EUA caiu, em termos relativos, para 21,9% da economia global. Em 2008, últimos dados do referido estudo de Angus Maddison, a Chíndia já estava em 24,2% e o G-7 em 37,2%.

A última coluna do gráfico acima, referente ao ano de 2028, apresenta dados do FMI, divulgado no relatório World Economic Outlook, de abril de 2023. Nota-se que a China sobe para 19,7% do PIB global e a Índia sobe para 8,7%. Os EUA caem para 14,5% e todos os demais países do gráfico também diminuem de tamanho relativo.

O gráfico abaixo sintetiza a participação da Chíndia (China + Índia) e os países do G-7 entre o ano 1 e 2028. Observa-se que até o início do século XIX a Chíndia estava na frente do G-7. Nos 200 anos seguintes o G-7 passou a liderar a economia global. E a partir de 2028 a Chíndia volta a estar na frente do G-7.

Em termos demográficos, a tabela abaixo mostra que a Chíndia (China + Índia) abarcava mais da metade da população mundial até 1820, caiu para 35,8% em 1950, tem atualmente cerca de um terço da população mundial e deve cair para 30,7% em 2050 e 22,2% em 2100. O alto volume populacional sempre foi uma grande força da China e da Índia. Mas, agora em 2023, a população da China já começou a diminuir e a população da Índia irá decrescer a partir de 2064.

A dinâmica econômica dos dois gigantes asiáticos ficará menos fundamentada na população e mais ancorada no avanço da produtividade econômica e no avanço da educação, da ciência e da tecnologia. China e Índia vão contar com uma força de trabalho menor, porém, mais produtiva.

A força econômica da China e da Índia se estende para outros países asiáticos. O gráfico abaixo mostra a participação do PIB da Ásia emergente (países em desenvolvimento da Ásia) e do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá). Nota-se que o G-7 representava mais de 50% da economia global até o início da década de 1990 e já caiu para menos de 30%, enquanto a Ásia emergente representava menos de 10% da economia global em 1980, ultrapassou o G-7 em 2020 e já chegou a 33%.

A Ásia foi o centro econômico do mundo durantes milênios, em função, especialmente, do peso dos Impérios Persa, Hindu, Mongol e Chinês. A Índia e a China são os dois países mais populosos do mundo há milênios e desenvolveram grandes civilizações que deram importantes contribuições para o avanço intelectual, espiritual e material da humanidade.

No passado, o centro econômico do mundo ficava na Ásia Central, ao norte da Índia e a centro-leste da China, refletindo os avanços civilizacionais desfrutados no Oriente Médio e Extremo Oriente. Até 1820, a Ásia respondia por mais da metade da riqueza mundial, porém, foi superada rapidamente pelo Ocidente devido à força da colonização do mundo e à Revolução Industrial e Energética que garantiu a riqueza e o poderio da Europa e dos Estados Unidos sobre o Planeta.

Como mostrou o relatório “Urban world: Cities and the rise of the consuming class”, do McKinsey Global Institute (DOBBS, 01/06/2012), o centro econômico global havia mudado para o norte da Europa em 1900. Na primeira metade do século XX até 1950, o centro mudou para o Atlântico Norte, refletindo a ascensão econômica e populacional dos Estados Unidos.

Mas o relatório também mostra que a tendência de Ocidentalização do mundo deu um “cavalo de pau” em meados do século passado, voltou a se direcionar para o norte da Europa e agora, em uma velocidade impressionante, essa tendência está se direcionando para o Oriente. O que levou séculos para se deslocar para o oeste, desde as Grandes Navegações iniciadas por Cristóvão Colombo em 1492, agora faz o caminho de volta para o leste em questão de décadas.

A McKinsey calculou o centro econômico ponderando o PIB nacional pelo centro geográfico de gravidade de cada país. O relatório liga a grande mudança na economia global à tendência de urbanização, observando que as economias em rápido crescimento sempre têm cidades em rápido desenvolvimento. Até 2025, prevê o relatório, dois terços do crescimento econômico mundial virão de um grupo de 600 cidades, sendo 440 delas em países em desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento urbano da China está ocorrendo 10 vezes mais rápido do que a urbanização no Reino Unido, o primeiro país a se industrializar. A China está criando megacidades (população de 10 milhões ou mais) a uma taxa de uma por ano.

De acordo com o relatório da McKinsey, o centro de gravidade econômico vem mudando para leste na última década a uma taxa de 140 km por ano e, em 2025, terá retornado a um lugar na Ásia central, ao norte de onde foi no ano 1.000: “Não é uma hipérbole dizer que estamos observando a mudança mais significativa no centro de gravidade econômico da Terra na história”.

A China já é a maior economia do mundo (em poder de paridade de compra) e é a maior exportadora de bens e serviços, com um saldo na balança comercial de quase US$ 900 bilhões em 2022. Com reservas cambiais monstruosas, a China também é uma grande investidora, o que aumenta o poder político global do “Império do Meio”. A Índia ainda é um país com renda per capita baixa, mas ultrapassou a China em tamanho de população em 2023 e, entre as grandes economias, é a que mais cresce no mundo na atual década.

A Rússia, que tem um pé na Europa e outro na Ásia, também se volta para o Leste, especialmente depois das sanções ocidentais contra a invasão militar da Ucrânia. A Rússia, a Índia e a China (RIC) são os maiores países do grupo BRICS e, mesmo com a presença do Brasil e da África do Sul, o BRICS tem o centro geográfico de sua atividade econômica na Ásia. O grupo RIC mais Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Uzbequistão e Paquistão são membro plenos da Organização de Cooperação de Xangai (SCO na sigla em inglês), cuja finalidade principal é o apoio econômico e a cooperação para a segurança.

A próxima reunião de Cúpula da SCO será em Nova Deli, nos dias 3 e 4 de julho de 2023, e reunirá, além dos países membros, 4 países observadores (Afeganistão, Belarus, Irã e Mongólia) e 6 países parceiros de diálogo (Azerbaijão, Armênia, Camboja, Nepal, Turquia e Sri Lanka). Um dos temas em debate será a “desdolarização” do comércio entre estes países.

Este tipo de iniciativa, inegavelmente, fortalece a dinâmica econômica e política da Eurásia, em especial, neste momento em que o drama da negociação do teto da dívida dos EUA reduziu o brilho da Cúpula do G-7, nos dias 19 a 21 de maio de 2023, na cidade de Hiroshima (vítima do primeiro ataque nuclear do mundo) e inviabilizou a participação subsequente do presidente Joe Biden em Papua Nova Guiné e na Austrália, na reunião do grupo de quatro nações conhecido como Quad – composto por EUA, Japão, Austrália e Índia – formado com o objetivo de combater a crescente influência da China na região do Indo-Pacífico.

A China e a Índia já foram as duas grandes potências econômicas do passado, retrocederam nos séculos XIX e XX, mas voltam a ter um protagonismo global crescente no século XXI. Embora o mundo tenha ficado maior e mais complexo e haja disputas históricas entre os grandes países asiáticos, não resta dúvida de que o eixo econômico do mundo está se direcionando rumo ao Oriente.

A China é uma potência econômica com uma população em declínio quantitativo, mas com uma força de trabalho cada vez mais educada, mais tecnológica, mais envelhecida e mais produtiva. Deverá contar com o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e com o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade) para ser potência também na área social e ambiental. A Índia ainda não é uma potência econômica, mas é uma potência demográfica, com a maior força de trabalho do mundo. Se conseguir colher os bônus demográficos e resolver os problemas ambientais poderá ter grande protagonismo internacional.

A ressurgência da China e da Índia no cenário dos grandes países do mundo é uma boa notícia quando se refere aos maiores investimentos na redução da pobreza e no aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas é um fator de preocupação quando é acompanhado do crescimento dos gastos militares. A China já responde pelo segundo orçamento de guerra do mundo (atrás apenas dos EUA) e a Índia responde pelo quarto orçamento militar (imediatamente atrás da Rússia). A invasão da Ucrânia pela Rússia é um símbolo da insegurança que cerca as relações entre as nações e uma demonstração da permanente fragilidade da paz mundial. A própria fronteira da China e da Índia tem sido palco de conflitos armados e de divergências diplomáticas.

Na questão ambiental o desafio é dramático. A China e a Índia são os dois maiores consumidores de carvão mineral e, junto com os EUA, formam o trio dos grandes emissores de gases de efeito estufa, o que agrava o aquecimento global e a emergência climática. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento da temperatura do Planeta é uma ameaça existencial à humanidade e à vida na Terra. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) acaba de confirmar que há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar o limite de 1,5°C entre 2023 e 2027. Portanto, é urgente que o desenvolvimento dos dois grandes países asiáticos ocorra conjuntamente com a mitigação da crise climática e ambiental.

Sem dúvida, a China e a Índia são as duas forças mais dinâmicas de atração e de difusão da influência socioeconômica e cultural da Eurásia. Como disse de maneira presciente o Secretário de Estado dos EUA, John Hay, no final do século XIX: “O Mediterrâneo é o oceano do passado; o Atlântico, o oceano do presente; o Pacífico, o oceano do futuro”.

E o futuro está cada vez mais próximo. Porém, com carregadas nuvens cinzentas no horizonte.

Referências:

Angus Maddison. Statistics on World Population, GDP and Per Capita GDP, 1-2008 AD (Horizontal file, copyright Angus, accessed 2023

https://web.archive.org/web/20211102093357/http%3A%2F%2Fwww.ggdc.net%2Fmaddison%2Foriindex.htm

Dobbs, R. et. al. Urban world: Cities and the rise of the consuming class, McKinsey Global Institute, June 1, 2012 https://www.mckinsey.com/featured-insights/urbanization/urban-world-cities-and-the-rise-of-the-consuming-class

FMI. World Economic Outlook, Abril 2023 https://www.imf.org/en/home

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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