Na orla de Juazeiro, município baiano às margens do Rio São Francisco, a 650 km de Salvador, antigos galpões da Marinha do Brasil, que estavam abandonados, foram reformados para sediar um polo gastronômico. Entre os empreendimentos, destaca-se o Armazém da Caatinga, um espaço que funciona como centro de comercialização de produtos da agricultura familiar do Semiárido brasileiro.
Nas prateleiras da loja, é possível encontrar mais de 800 produtos que vêm de 14 cooperativas, formadas por comunidades de diversos estados. “São resultados do beneficiamento de frutas, carnes, peixes, derivados do leite e outros diversos segmentos”, explica a coordenadora, do Armazém da Caatinga, Denise Cardoso. No armazém podem ser encontrados queijos de leite de cabra, derivados de frutas da Caatinga como umbu, maracujá do mato, licuri, além de mel de abelha, carne de caprinos e ovinos, galinha, peixe, ovos, polpas de frutas, hortaliças. Nas prateleiras, também podem ser encontradas bebidas como cervejas artesanais, licores e cachaças feitas a partir de produtos da Caatinga
Leu essa? Cooperativas preservam umbuzeiros da Caatinga e geram renda no Semiárido
O espaço, que completa um ano de atividades neste mês de abril, é gerido pela Central da Caatinga (Central de Comercialização das Cooperativas da Caatinga). Criada em 2016, a organização iniciou com uma loja pequena em um bairro da cidade e migrou para o centro após dois anos, até se mudar para a orla no novo empreendimento.
O armazém, além da loja, conta com um restaurante que cria receitas com os produtos da agricultura familiar e um espaço para feiras de produtores familiares e orgânicos. “A gente compreende que é importante essa integração, por se tratar de um contato diretamente com os consumidores. A gente tem lá uma diversidade de hortaliças, frutas e legumes”, pontua Cardoso.
A Central obteve uma concessão de uso por 20 anos do galpão, com a gestão municipal. A reforma e equipamentos foram conseguidos através de recursos estaduais, mas toda a gestão é independente. Além da venda de produtos, o Armazém tem ainda bar, restaurante e um espaço para apresentações artísticas.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosProdutos socioambientais e de qualidade
Grande parte dos produtos comercializados possuem Certificação Orgânica e Selo da Agricultura Familiar, que garante que são alimentos naturais e livres dos agroquímicos. As vendas chegaram a superar a marca dos 500 mil produtos no ano de estreia. “A gente tem um produto diferenciado, de qualidade e ainda com apelo social. É com isso que a gente consegue agregar valor”, explica a coordenadora.
As vendas também aumentaram em toda a rede de cooperativas da Caatinga após a pandemia, quando as pessoas adotaram hábitos mais saudáveis. “O mercado tem pedido muito por produtos mais saudáveis para que as pessoas se cuidem mais. As pessoas vão muito no armazém procurando uma comida saudável”, acrescenta Denise Cardoso.
O espaço também tem atraído turistas. Jaqueline Lima Santiago, 29, de São Felipe (BA) foi pela primeira vez a Juazeiro e aproveitou para fazer compras. Na sacola, leva um doce de buriti para a irmã, que ficou em casa, e a cerveja de umbu que o pai escolheu.
A professora se interessou pelos produtos pelo modelo de produção, que não conhecia. “Os produtos orgânicos, da agricultura familiar, eu nunca tinha visto. Elas [as famílias] têm bastante vantagem nisso e a população inteira também ganha por poder consumir os produtos”, diz.
Renda multiplicada
Entre os produtos expostos no armazém estão as geleias Dona Odete, que contam com mais de sete sabores, entre eles maracujá, cebola roxa com vinho e palma, um cacto encontrado na Caatinga. Esse último é um exemplo de Panc (planta alimentícia não-convencional), que começou a ser utilizada na produção de alimentos pelas cooperativas.
A marca é da Associação de Mulheres em Ação da Fazenda Esfomeado (Amafe), do município de Curaçá (BA). Criada em 2013, a entidade era um espaço sociopolítico que reunia mulheres da comunidade que, após reuniões e entendimento da necessidade de possibilitar renda para todas, se transformou em uma agroindústria.
São 18 famílias diretamente beneficiadas pela produção e outras que prestam serviços ou fornecem produtos, totalizando 36. Além de geleias, atualmente também fabricam biscoitos e sequilhos com a mandioca plantada pela comunidade. Todos são enviados para o armazém, considerado um espaço de visibilidade para a marca, que homenageia uma das líderes do associativismo na comunidade.
“A demanda do armazém ainda precisa muito enlarguecer, mas é um processo coletivo. A gente entende muito a importância do espaço para os nossos produtos, ele dá uma visibilidade muito forte. O espaço é de valorização de pessoas, de reconhecimento da importância e da grandeza do que é a agricultura familiar. É o empoderamento das mulheres e homens do campo”, diz a presidente da Amafe, Cristiane Ribeiro da Silva, 43.
Cristiane também explica que o crescimento do mercado aumenta o cuidado da população com o meio ambiente na região. “A Caatinga pra gente é o berço, então ela precisa ser preservada. Como ela é a mãe de todas essas comunidades tradicionais, precisamos dela em pé. Esse diálogo feito na comunidade não é fácil, mas temos lutado bastante pela preservação”, afirma.
Renda doce
Em Sento Sé (BA), um trecho de Caatinga degradada foi recuperada pelos apicultores da região, que utilizam a área para os apiários, com plantio de mudas. As abelhas, naturalmente, também colaboram com a regeneração da mata.
A Associação dos Apicultores de Sento Sé reúne 22 famílias, de várias comunidades do município, que produziam desde a década de 1990 e se formalizaram em 2006. Dessas áreas recuperadas são enviados milhares de litros de mel para todo o país através da Central da Caatinga.
A apicultora Jaciara Ladislau Leobino, 37, da comunidade de Andorinhas, conta que o Armazém da Caatinga surgiu para resolver a dificuldade da comercialização. No espaço, eles vendem, além das garrafas de mel, beijú recheado e biscoitos feitos de mandioca (petas e sequilhos).
A área conservada de Caatinga se tornou também ponto para visitas de turistas e outras comunidades interessadas no processo agroflorestal. “Quando a gente passa a ser apicultor, já faz o trabalho ambiental, já passa a conservar a Caatinga”, afirma.