Belo Monte põe Altamira no topo do Mapa da Violência

Crescimento desordenado, em função das obras da usina hidrelétrica, provoca explosão da criminalidade na cidade

Por Kelly Lima | ODS 11 • Publicada em 5 de junho de 2017 - 18:39 • Atualizada em 31 de março de 2020 - 15:58

Crescimento desordenado, em função das obras da usina hidrelétrica, provoca explosão da criminalidade na cidade

Por Kelly Lima | ODS 11 • Publicada em 5 de junho de 2017 - 18:39 • Atualizada em 31 de março de 2020 - 15:58

Crescimento desordenado, desemprego e falta de saneamento: mazelas de Altamira, a campeã de violência no país (Foto: Kelly Lima)

Com 108 mil habitantes, 30% a mais do que possuía antes de ter sua rotina virada do avesso pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, Altamira, no Pará, está no topo do ranking das cidades mais violentas do país. A cidade do Norte do país tem taxa de 107 homicídios por 100 mil habitantes – quase quatro vezes a média nacional. O dado está no Mapa da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e com o Ministério do Planejamento. Divulgado nesta segunda (5), o documento contém indicadores de 304 municípios, de um período de 10 anos _ entre 2005 e 2015.

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No Norte do país, quando pequenas cidades se tornam economicamente viáveis, elas também se transformam em rotas do narcotráfico, que arrasta consigo uma onda de violência

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Os números são estarrecedores. Acontece pelo menos um homicídio a cada três dias na cidade paraense que, há pouco mais de seis anos, sequer possuía casas de alvenaria: a população morava na beira do rio, em palafitas. A comparação com anos anteriores evidencia ainda mais a escalada da violência: em 2000, eram 9 homicídios por 100 mil habitantes; e em 2005, a taxa já tinha subido para 50.

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Segundo Daniel de Castro Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas do Estado, do Ipea, a situação de Altamira é emblemática, por demonstrar os impactos do crescimento desordenado provocado por uma grande obra.  “Quando as transformações urbanas e sociais acontecem sem as devidas políticas públicas, não apenas em relação à segurança, mas também ao ordenamento urbano e à prevenção social (educação, cultura, saúde), podem afetar diretamente a taxa de criminalidade nas cidades”, avalia.

Crianças de Altamira: cidade tem poucas escolas e em situação precária (Foto: Kelly Lima)

De acordo com Cerqueira, são quatro os canais que podem afetar a taxa de criminalidade de uma cidade e todos eles estão evidentes em Altamira: desemprego, elevado volume de recursos em circulação, migração de trabalhadores e falta de políticas públicas para atender às demandas do crescimento urbano.

Cerqueira cita estudos mostrando que, para cada 1% de queda na taxa de desemprego, há uma diminuição de 2,1% na taxa de homicídios. O diretor do Ipea, no entanto, lembra que, ao mesmo tempo em que uma grande obra gera muitos empregos, diminuindo as chances de um jovem enveredar para o mundo do crime, o “tiro sai pela culatra” quando as oportunidades são restritas ou atendidas por migrantes, ou quando são limitadas a um período de tempo.

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Cresce o número de alunos, de pacientes, de moradores, e não se vê crescimento correspondente em vagas nas escolas, leitos nos hospitais ou casas para morar

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O volume de dinheiro em circulação também é uma faca de dois gumes. “A geração de renda atrai coisas boas que o mercado pode oferecer para a economia local, mas também pode atrair algumas mazelas. No Norte do país, quando pequenas cidades se tornam economicamente viáveis, elas também se transformam em rotas do narcotráfico, que arrasta consigo uma onda de violência”, avalia Cerqueira.

As grandes obras atraem trabalhadores de outras cidades e estados. Eles chegaram durante o período da construção da usina de Belo Monte e acabaram ficando por lá mesmo após  o término das obras. Por fim, faltam políticas públicas que atendam às demandas geradas por esse inchaço da população e pelo crescimento desordenado. “Cresce o número de alunos, de pacientes, de moradores, e não se vê crescimento correspondente em vagas nas escolas, leitos nos hospitais ou casas para morar. O poder público precisa associar diretamente essas demandas a oportunidades de desenvolvimento econômico regional e não a problemas sociais”, diz Cerqueira.

Estudo desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) junto aos cinco municípios que compõem a região impactada por Belo Monte, entre eles Altamira, demonstrou que as contrapartidas até chegaram a ser cumpridas pela construtora, mas não foram levadas adiante pelo governo do Estado. Um hospital geral construído pela empresa responsável pela obra ficou sem funcionar por falta de equipamentos e profissionais. Só abriu quatro anos depois de de pronto, ainda parcialmente.

Promessa de saneamento básico para toda a população não saiu do papel (Foto: André Teixeira)

As obras de saneamento, prometidas para atender a 100% dos moradores, tão logo a obra terminasse, nunca saíram do papel. A população continua exatamente onde estava em 2008, antes de a Eletrobras solicitar a licença para a construção da usina: com zero de saneamento. Completam o quadro de abandono, escolas precárias e em quantidade menor do que o necessário, e falta de policiamento, reclamação constante dos moradores.

O diretor do Ipea é enfático ao fazer a relação direta do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Altamira (0,665) com o grau de violência na cidade. Jaraguá do Sul (SC), o município mais pacífico entre os 304 acima de 100 mil habitantes pesquisados pelo Ipea, apresenta taxa de 3,7 homicídios por 100 mil habitantes e IDH de 0,803. Em 2015,  a renda per capita  do município catarinense era mais do que o dobro de Altamira. No mesmo ano, quase 70% dos jovens com mais de 18 anos, em Jaraguá do Sul, tinham ensino Fundamental completo. Em Altamira, eles não passavam  de 46%. “A qualidade da política pública é um dos elementos cruciais para a diminuição das dinâmicas criminais”, conclui Cerqueira.

Kelly Lima

Kelly Lima é paulista, mas há 14 anos no Rio já se considera um pouco carioca. Formada em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializou-se em economia, atuando na cobertura da área de energia por mais de uma década na Agência Estado. Mais recentemente, trabalhou na área de desenvolvimento econômico e social do BNDES e do Governo do Estado do Rio. É sócia da Alter Comunicação, que produz conteúdo informativo para instituições e empresas, entre elas o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

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