Vídeos monetizados e explorados por uma indústria de publicidade infantil e a adultização de crianças nas redes sociais. Esses são alguns dos temas que a jornalista e criadora de conteúdo Nathália Braga investiga no documentário “Infância em Caixa”. A produção analisa algumas lógicas que aparecem também na denúncia feita pelo youtuber Felipe Bressanim, o Felca, sobre como os algoritmos de plataformas estimulam a adultização, sexualização e exploração comercial da imagem de crianças e adolescentes.
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“Existe esse pilar muito forte da movimentação comercial que o Felca trouxe e as pessoas entenderam, mas existe um outro pilar que, por vezes, fica apagado que é a responsabilização das plataformas”, aponta Nathália. Para a jornalista, o modo como os algoritmos podem ser condicionados para mostrar imagens de crianças evidencia que as plataformas possuem capacidade técnica para lidar com a exploração infantil on-line, mas, ao invés disso, escolhem estimular o consumo e tempo de tela dos usuários para ganhar dinheiro.
No documentário, lançado em abril, Nathália detalha os processos que envolvem a produção de conteúdo por crianças e mostra como perfis, canais, marcas e, principalmente, as plataformas lucram com a publicidade infantil. “Infância em Caixa” também apresenta relatos de três famílias de influenciadores mirins brasileiros e exemplos de diversas legislações e normas ignoradas pelas empresas de tecnologia responsáveis pelas redes sociais.
Da mesma forma que está comprovado que um vídeo de uma menina de biquíni é usado para propósitos terríveis, um vídeo de um menino sem camisa também
“Sinceramente, duvido muito que uma plataforma vai abrir mão de toda essa cadeia de lucro para remover a vulnerabilidade de crianças das redes”, comenta Nathália. Moradora da Baixada Fluminense, ela conta que o documentário surgiu a partir do seu projeto de conclusão de curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do contato com o tema em 2014.
“As famílias não dominam as regras das redes sociais e muito menos aplicam as melhores práticas para proteger os filhos”, aponta Nathália. Segundo ela, uma das práticas comuns na publicidade on-line que também é usada com crianças é a de ‘mostrar os recebidos’ (produtos comprados na internet). Neste caso, as empresas raramente procuram as famílias para publicidade irregular; em vez disso, muitas famílias investem na compra de produtos na esperança de atrair a atenção das marcas. Outro dos reflexos da busca por lucros online evidenciados no filme é a configuração de um trabalho artístico infantil sem os devidos cuidados e responsabilidades éticas e legais.
Repercussão e propostas de lei
Após a repercussão da denúncia feita por Felca, o vídeo com o título “adultização” atingiu mais de 40 milhões de visualizações no YouTube. O debate também chegou ao Congresso Nacional e gerou um “efeito Felca” entre os parlamentares, com a apresentação de 35 projetos de lei com propostas sobre o tema em apenas um dia, segundo levantamento do Núcleo Jornalismo.
“Produções audiovisuais cumprem esse propósito de alertar e educar a população sobre como as redes sociais funcionam e, principalmente, o que as pessoas podem fazer de diferente, tanto a nível de denúncia, quanto a nível de mudança de hábitos e de responsabilização das plataformas”, afirma Nathália Braga. Contudo, a jornalista lembra que diversos outros projetos para proteger os direitos de crianças e adolescentes na internet já foram barrados antes.
Uma das propostas mais amplas ligadas à proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais é o PL 2.628/2022. Parado na Comissão de Comunicação, a proposta se baseia no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e prevê diversos mecanismos para resguardar os direitos de crianças e adolescentes na internet, incluindo aspectos sobre privacidade de dados e publicidade.
O PL chegou a receber apoio de entidades ligadas à infância, como o Instituto Alana. Entre alguns dos pontos da proposta, estão a proibição de práticas de perfilamento comportamental com finalidade de publicidade infantil, além de obrigatoriedade das plataformas desenharem sistemas que impeçam o acesso a materiais ilegais ou prejudiciais, como pornografia.
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Veja o que já enviamosAdultização de meninos
No vídeo sobre adultização, Felca descreve como meninas se tornaram vítimas de redes de exploração e pedofilia, por vezes, com apoio de familiares. O mesmo pode acontecer com os meninos. Como um desdobramento de “Infância em Caixa”, Nathália Braga produziu uma minissérie sobre adultização e hiperssexualização de meninos na internet.
Um dos exemplos citados pela jornalista são clipes de músicas que mostram meninos dançando e sensualizando ao lado de mulheres. Porém, Nathália aponta que essa não é a única situação que configura a adultização de meninos. “Da mesma forma que está comprovado que um vídeo de uma menina de biquíni é usado para propósitos terríveis, um vídeo de um menino sem camisa também é. E um vídeo de um menino 100% vestido, mas com um discurso adultizado também é usado de forma completamente prejudicial”, pontua ela.
As redes sociais também importam lógicas patriarcais e misóginas da sociedade, o que é igualmente monetizado pelas plataformas. “Existe uma versão parecida com esse experimento que o Felca fez, mas simulando o perfil de um menino adolescente, e vemos que em questão de segundos, começa a aparecer conteúdo violento”, explica Nathália, sobre a rapidez com que os algoritmos são condicionados para encontrar conteúdos sobre violência e misoginia.