Cientistas encontram microplásticos em fezes humanas

Instalação feita para a COP-20, no Peru, mostra o impacto do lixo plástico jogado nos oceanos. Foto Martin Bernetti/AFP

Metade da população mundial pode estar afetada, e riscos vão de problemas gastrointestinais ao câncer

Por José Eduardo Mendonça | LixoODS 3 • Publicada em 3 de dezembro de 2018 - 08:11 • Atualizada em 4 de dezembro de 2018 - 17:39

Instalação feita para a COP-20, no Peru, mostra o impacto do lixo plástico jogado nos oceanos. Foto Martin Bernetti/AFP
Instalação feita para a COP-20, no Peru, mostra o impacto do lixo plástico jogado nos oceanos. Foto Martin Bernetti/AFP
Instalação feita para a COP-20, no Peru, mostra o impacto do lixo plástico jogado nos oceanos. Foto Martin Bernetti/AFP

Não se pode dizer que não era esperado. Há alguns anos vemos, perplexos, fotos da grande ilha de plástico do Pacífico, que fica entre o Havaí e a Califórnia e cobre uma área de 1.6 milhão de quilômetros quadrados. A concentração pode chegar a 100 quilos por quilômetro quadrado em seu centro. São cerca de 80 mil toneladas métricas, ou 3.8 trilhões de pedaços. A maior parte é de objetos de mais de 0.5 centímetros.

Nos próximos 60 segundos, pessoas em todo mundo vão consumir um milhão de garrafas plásticas e dois milhões de sacolas de plástico. Até o final do ano serão produzidos plástico bolha em quantidade suficiente para embrulhar dez vezes o planeta. Tudo isso irá levar mais de mil anos para se degradar, e amostras vêm sendo encontradas até em água de torneira e até mesmo no sal de cozinha.

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Foram encontradas 20 partículas para cada 10 gramas de fezes analisadas. As implicações são sérias. As substâncias podem afetar a tolerância e a imunidade do estômago pela bioacumulação ou ajudar na transmissão de substâncias químicas tóxicas e patógenos

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De acordo com o Fórum Econômico Mundial, até 2050 os oceanos terão mais plástico que peixes em peso. A cada ano, oito milhões de toneladas métricas de plástico vão parar no mar e essa quantidade poderá aumentar em dez vezes se não forem adotadas novas práticas de consumo e reciclagem. O mundo produz 400 milhões de toneladas métricas de plástico por ano, o equivalente a 400 bilhões de quilos. Até o momento também, aterrorizados, vimos imagens de seres marinhos mortos pela ingestão de plásticos de maior tamanho. Os números crescem, e não há sinais de que o fenômeno vá diminuir de frequência.

Em algum momento teríamos de ser também atingidos.

Microplásticos agora fazem parte da cadeia alimentar humana, segundo estudo divulgado recentemente em um seminário de gastroenterologia em Viena. São em sua maior parte de polipropileno e polietileno-teraftalato (PET).

A cada ano, oito milhões de toneladas métricas de plástico vão parar no mar e essa quantidade poderá aumentar em dez vezes se não forem adotadas novas práticas de consumo e reciclagem. Foto Sérgio Hanquet/Fiosphoto

Pesquisadores da Universidade Médica de Viena e da Agência Ambiental da Áustria monitoraram participantes de diversos países, incluindo Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Reino Unido e Áustria. Todas as amostras deram positivo para a presença de microplásticos, de nove tipos diferentes. Foram encontradas 20 partículas para cada 10 gramas de fezes. As implicações são sérias. As substâncias podem afetar a tolerância e a imunidade do estômago pela bioacumulação ou ajudar na transmissão de substâncias químicas tóxicas e patógenos.

“Este é o primeiro estudo desse tipo e confirma o que suspeitávamos há tempos e que finalmente aconteceu. Nosso interesse particular é o que isso significa para nós, e, especialmente para os pacientes com doenças gastrointestinais. As concentrações mais altas de plásticos são encontradas em animais, mas as partículas menores são capazes de entrar na corrente sanguínea, sistema linfático e pode até alcançar o fígado”, explica o chefe da pesquisa, Philipp Schwabl .

Além disso, os aditivos nos plásticos podem ser perigosos. Muitos deles são sabidamente desarranjadores endócrinos. De acordo com Herbert Tilg, presidente da Sociedade de Gastroenterologia da Áustria, os microplásticos podem colaborar com o surgimento da síndrome inflamatória do intestino e mesmo do câncer de cólon, cuja incidência se encontra em alta entre jovens adultos.

Ao menos cresce a pressão para que sejam tomadas medidas de contenção do desastre. A União Europeia votou no começo deste ano pela proibição de microplásticos em cosméticos. A Comissão Europeia também propôs a proibição de produtos plásticos de uso único, como cotonetes e canudos de refrigerante. E até 2025, 90 por cento de todas as garrafas de plástico serão coletadas e recicladas. Especialistas afirmam que tais medidas chegam tarde demais e pouco fazem para resolver um problema de proporções catastróficas

O estudo piloto foi feito com uma pequena amostragem e, embora sinalize para a necessidade de atenção e investigação mais amplas, há muitas questões a responder. Onde precisamente estes fragmentos de plástico são gerados? Quais são todos os riscos potenciais à saúde humana? Embalagens podem liberar pequenas fibras. O mesmo acontece com carpetes, roupas e outros itens que estão em nosso cotidiano. Os microplásticos nas fezes podem vir pela respiração de poeira que caiu nos alimentos dos participantes antes de serem consumidos? Ou vieram das próprias embalagens? “O fato é que estamos consumindo nosso próprio lixo”, afirma Chelsea Rochman, ecologista da Universidade de Toronto que estuda os efeitos dos microplásticos em peixes.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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