Tristeza cor de terra

Lembranças de uma infância coberta pelo pó do minério de ferro

Por Simone Barreto | ArtigoODS 11ODS 15ODS 6 • Publicada em 7 de novembro de 2015 - 14:55 • Atualizada em 4 de julho de 2019 - 19:56

A histórica Mariana é uma das mais belas paradas para quem viaja pela esburacada BR-040
A histórica Mariana é uma das mais belas paradas para quem viaja pela esburacada BR-040
A histórica Mariana é uma das mais belas paradas para quem viaja pela esburacada BR-040

Ah, Minas Gerais…

O que tem de bucólica uma paisagem coberta de pó de minério? A maior malha rodoviária do país – 16% das rodovias do Brasil em um único estado – escoa, em grande parte, o rastro da tragédia de Bento Rodrigues.

Durante a infância, nos anos oitenta, rodamos muito pelas estradas mineiras. Naquela época, a classe média não viajava de avião e o prazer secreto da família era enfiar o carro nos buracos da BR 040. Juiz de Fora, Santos Dumont, Barbacena, Conselheiro Lafaiete, Congonhas, Ouro Preto e finalmente Mariana. Algumas tradicionais paradas de viajantes ainda estão lá, alguns muitos buracos também. Me lembro de cada trecho da estrada, sempre coberta por um tom marrom que eu confundia com terra e só bem mais tarde fui entender que aquela “terra” era o pó de minério de ferro, a cor e a corrosão contínua da rodovia que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.

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É de Minas que saem 67% da produção de minério de ferro do país. A riqueza que se tira dessas minas, não fica em Minas somente, mas é somada ao volume total de produção do Brasil, o terceiro maior produtor de minério de ferro no mundo. Comum como a poeira marrom que respiramos por tantos anos eram as histórias de acidentes nas minas e estradas mineiras. Minas são muitas, muitas tragédias. Nas rodas de conversa, metida entre os amigos viajantes de meu pai, ouvi vários casos. De qual novidade falamos hoje que não sabíamos antes?

A barragem que se rompeu em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, a primeira capital de Minas Gerais, vai entrar para a história dos desastres que poderiam ter sido evitados. Bastava olhar (nem tão) para trás (assim): Itabirito, 2014; Nova Lima, 2001; Miraí, 2007.  O que esses desastres têm em comum?

A Política Nacional de Segurança de Barragens é recente, de setembro de 2010. São 15 mil barragens no cadastro sob responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA). Desse total de barragens, apenas 3% foram vistoriadas entre 2013 e 2014. A fiscalização dessas barragens é recente e a responsabilidade distribuída a diferentes órgãos, de acordo com seu uso – para usos múltiplos, para rejeitos industriais, para hidrelétricas e para rejeitos de mineração. Os dados do relatório podem ser conferidos nesse link: http://arquivos.ana.gov.br/cadastros/barragens/Seguranca/RSB2014.pdf

Em Inhotim, instituto de arte contemporânea em Brumadinho, a água ferruginosa dos lagos foi tingida de verde. É bonito. Mas é falso. Ou é arte.  Já não sei mais se prefiro esconder a verdade corroída das minas mineiras com um verde bucólico que não existe mais.

 

 

Simone Barreto

Jornalista e mineira de Juiz de Fora.

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2 comentários “Tristeza cor de terra

  1. angela garambone disse:

    Há poucos meses estive em várias cidades mineiras. Percorremos parte da estrada real e não precisávamos procurar muito não que a vista logo alcançava alguma lagoa de rejeitos, algum morro fatiado, um minerioduto aqui, um super caminhão da Anglo ali na nossa frente… As mineradoras dominam Minas, mas nem os mineiros nem os brasileiros em geral se coçam para protestar. Tá ali na paisagem e todo mundo age como se fosse muito normal, só porque sempre foi assim, desde o Brasil colônia.

  2. Sandra disse:

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