Agroecologia impulsiona produção de cacau

Cultivo do fruto consorciado com outras culturas se espalha por diferentes estados brasileiros e dá lucro

Por Claudia Silva Jacobs | Conteúdo de marca • Publicada em 19 de junho de 2018 - 20:18 • Atualizada em 19 de março de 2020 - 15:02

O cultivo do cacau na Floresta Amazônica tem foco em sustentabilidade e produção (Yasuyoshi Chiba / AFP)

A agricultura pode, e deve, crescer em harmonia com o meio ambiente, preservando áreas de mata nativa e lençóis d’água, sem que isso signifique prejuízos para a produção. Pelo contrário. Essa pode ser uma receita de sucesso. Um bom exemplo que acontece em diferentes regiões do Brasil é o cultivo consorciado do cacau com outras culturas, ou mesmo o uso de sistemas integrados de produção, aproveitando áreas de florestas. O resultado tem sido surpreendente e vem impulsionando a indústria cacaueira do país, que movimenta cerca de R$ 14 bilhões anualmente, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O Brasil é hoje o sexto maior produtor de cacau do mundo – atrás de Costa do Marfim, Indonésia, Gana, Nigéria e Camarões –, com uma produção em torno de 214 mil toneladas em 2017, com a perspectiva de aumento de 8,3% em 2018, contabilizando uma produção de 232 mil toneladas.  Parece muito, mas já chegamos a 400 mil toneladas – na década de 1980 -, mas problemas com as safras atingidas por pragas (vassoura de bruxa), que dizimaram as lavouras do sul da Bahia, além de fatores econômicos (alta do dólar) puxaram a queda da produção e o endividamento dos produtores. No entanto, nos últimos anos a lavoura cacaueira retornou a curva ascendente, principalmente devido ao controle técnico do cultivo, com a maior seleção de grãos e a implantação de três tipos de clones de cacaueiros, que são resistentes à vassoura de bruxa, desenvolvidos pela Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), em parceria com o Centro Agronômico Tropical de Investigação e Ensino (Catie), da Costa Rica.

De acordo com Manfred Willy Muller, coordenador da Ceplac, os incentivos e as pesquisas estão fazendo com que a produção volte a crescer:

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“A produção de cacau vem crescendo muito em várias regiões, principalmente no norte do país, no estado do Pará, com um crescimento de 7 mil hectares/ano, somente utilizando áreas degradadas da Floresta Amazônica. A produção cacaueira vem auxiliando o meio ambiente, movimentando a economia, recuperando terras e garantindo a sustentabilidade da floresta.”

Agricultor espalha as sementes de cacau em Medicilândia: a capital do cacau sustentável (Evaristo Sá / AFP)
Agricultor espalha as sementes de cacau em Medicilândia: a capital do cacau sustentável (Evaristo Sá / AFP)

Natureza, humanos e meio ambiente

E muito desse processo vem ocorrendo graças aos preceitos da agroecologia, que visa a integrar a natureza, os humanos e o meio ambiente, de forma a garantir uma agricultura mais sustentável, aproveitando todas as possibilidades que a natureza oferece. Todos esses ingredientes juntos deram um novo patamar à produção cacaueira, integrada com outros produtos.

No interior de São Paulo, por exemplo, a Ceplac vem incentivando no cultivo de cacau consorciado com a seringueira. É que nos últimos anos, devido à queda do preço da borracha no mercado internacional, muitos produtores começaram a perder o interesse pela atividade. Com isso, o plantio do cacau tem sido visto como uma ótima alternativa, já que as duas culturas “permanentes” (culturas que não precisam de replantio após a colheita) conseguem conviver em harmonia, dentro de um sistema agroflorestal rentável e de preservação do meio ambiente.

O estado de São Paulo possui uma área plantada com 110.000 hectares de seringueiras, onde foram produzidas 98 mil toneladas de borracha seca em 2017, o que corresponde a 56 % da produção nacional. A região de São José do Rio Preto, por exemplo, possui 16 milhões de seringueiras em uma área de 34 mil hectares, onde são produzidas 28.100 toneladas de borracha seca. Agora, a  comissão vem fornecendo assessoria para plantio, manejo e toda a cadeia produtiva do cacau, visando a abrir o campo para uma produção consorciada, diversificando o cultivo na região.

Recuperação da Bahia e o cacau da Amazônia

O sul da Bahia vem aos poucos se recuperando da queda dos anos de 1980 e voltando a se destacar no cenário brasileiro. A lavoura consorciada e os avanços técnicos estão dando novos ares à região, que em 2017 fechou o ano com a  produção de 83,9 mil toneladas. Enquanto isso, vêm do Norte do país os melhores resultados. No Pará, um pequeno município no meio da Floresta Amazônica, ostenta o título de “capital nacional do cacau”. A cidade de Medicilândia, com apenas 30 mil habitantes, fechou o ano passado com a produção de cerca de 51 mil toneladas, das 115 mil produzidas em todo o estado paraense em 2017, que agora lidera a produção cacaueira do país. Os produtores trabalham no sistema “Cabruca”, que aproveita o sombreamento e espaçamento das árvores na floresta para o cultivo do cacau, sem impactos à vegetação nativa ou necessidade de desmatamento.

O cacau seco: qualidade do chocolate vai depender da qualidade das sementes (Foto Yasuyoshi Chiba/AFP)
O cacau seco: qualidade do chocolate vai depender da qualidade das sementes (Foto Yasuyoshi Chiba/AFP)

Amêndoas de sucesso internacional

Hoje, o sul da Bahia divide espaço com o Pará e parte do Espírito Santo, entre as regiões de destaque na cultura cacaueira. E é das terras do Sudeste brasileiro que têm brotado as amêndoas mais famosas do país, selecionadas entre as 18 mais saborosas do planeta, no Salão do Chocolate de Paris, no final do ano passado. O segredo do sucesso, segundo Emir Macedo, dono da Fazenda São Luiz, no município de Linhares, no Espírito Santo, detentora do título, é a seleção criteriosa das sementes, além de um trabalho para garantir que a produção cresça harmoniosamente, aproveitando o sombreamento da Mata Atlântica, no sistema Cabruca.

“Conseguimos produzir amêndoas de qualidade, respeitando a natureza, aproveitando a sombra da floresta de Mata Atlântica, além de fazer a secagem e o transporte corretos das amêndoas. Estamos crescendo, tal como toda a região. O governo do estado prometeu construir uma fábrica de chocolate na sede da nossa cooperativa, a Coopercau (Cooperativa dos Produtores de Cacau do Espírito Santo). A compra dos equipamentos já está em fase de licitação. Essa unidade vai transformar a indústria de derivados de cacau no estado e gerar mais renda para os produtores. Estamos muito otimistas com os incentivos que estamos recebendo”, explicou Macedo.

Plantação de cacau no estado do Espírito Santo, um dos polos brasileiros (Biosphoto / Michel Gunther/AFP)
Plantação de cacau no estado do Espírito Santo, um dos polos brasileiros (Biosphoto / Michel Gunther/AFP)

O Espírito Santo vem expandindo a produção cacaueira de forma intensiva. Nos últimos anos, o estado passou de 25 a 50 municípios produtores, com uma produção de cerca de 4,5 mil toneladas/ano, graças ao maior entendimento por parte dos agricultores sobre a melhor forma de deixar a monocultura e passar a criar plantios consorciados, com base no cacau. O agrônomo Lucas Santana, extensionista da Incaper, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural, explica que a possibilidade de se trabalhar com culturas consorciadas vem mudando o panorama da agricultura no estado e atraindo mais e mais produtores. O processo de evolução se deve ao maciço trabalho de acompanhamento e suporte aos produtores. Nos últimos anos, após a queda a colheita devido às pragas, o governo estadual chegou a distribuir 300 mil mudas de cacau, de boa qualidade genética. Além disso, os agricultores receberam apoio técnico e financeiro, levando os produtores a voltarem a acreditar no cacau, agora de forma mais controlada e sustentável.

“Os programas de fomento e pesquisa estão ajudando a impulsionar a agricultura do estado. Os produtores começam a entender que podem ter cacau e outras culturas dividindo o mesmo espaço, aproveitando a sombra das árvores. Com isso, os produtores começaram a trabalhar em sistema consorciado, plantando cacau, banana e seringueira, culturas muito comuns no Espírito Santo. Além de diversificar, os produtores entenderam que podem ter diferentes fontes de renda em diferentes épocas do ano, de acordo com a colheita, o que é muito positivo”,  disse Santana que trabalha justamente auxiliando os agricultores na escolha por melhores práticas.

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Claudia Silva Jacobs

Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com

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