ODS 1
A nova revolução americana
Empresas como Uber, Airbnb e We Work entram na agenda da campanha à presidência
We work é uma start-up desenhada para acolher jovens da indústria criativa, empreendedores da internet, gente que gere seu próprio tempo, trabalha sozinho mas quer escapar da maldição do isolamento. Num grande espaço aberto em megaescritórios de Manhattan, Chicago ou Boston, essa tribo se encontra e trabalha, troca ideias e informações, compartilha pequenas refeições – orgânicas, naturalmente – e, se preferir, refugia-se em salas fechadas e silenciosas, com redes e almofadas. Estão todos, claro, conectados com o mundo e, pelo aplicativo da We Work, podem achar trabalhos e se associar a novas start-ups. Um sonho de consumo feito realidade para quem trabalha em casa e detesta perceber no fim do dia que está usando uma camiseta furada, não encontrou com ninguém e nem penteou o cabelo.
“Se você se sente parte de alguma coisa maior do que você e não é levado só por interesses materiais, então você é parte da We Generation”, disse ao “The New York Times”, Adam Neumann, o jovem de origem israelense, 36 anos, cabelos longos, fundador da start-up. É assim que ele se refere aos “membros” do We Work – ninguém é cliente, todos são membros – uma maneira de enfatizar o espírito comunitário reinante nos seus 52 escritórios, espalhados por 16 cidades do mundo. Para compartilhar o espaço, primeiro chegaram os free-lancers, depois as pequenas empresas e agora as corporações tentando atrair as mentes criativas,. Em cinco anos, Neumann e seu sócio construiram um império avaliado em US$ 10 bilhões.
É a utopia transformada em negócio, coisas da tal “gig economy”. Só que não. Para manter esse universo perfeito, foi preciso recorrer à velha economia, no caso, representada por centenas de faxineiras que recolhiam papéis em baixo das mesas de pingue-pongue e eram todas elas terceirizadas pela Commercial Building Maintenance Corporation (CBM), a maioria imigrante de origem hispânica.
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Veja o que já enviamosA realidade desse trabalho precarizado impôs-se no universo idealizado do We Work quando elas passaram a reunir-se na porta dos escritórios, gritando “Vergonha, vergonha para o We work”. Recebendo US$ 10 por hora e sem nenhuma proteção social, elas tentaram se sindicalizar e foram imediatamente demitidas pela CBM. Com isso, Neuman teve de criar seu próprio serviço de limpeza, mas não se preocupou em reempregar as faxineiras dispensadas, e o protesto delas se espalhou, provocando feios arranhões à imagem politicamente correta da start-up. Chocados, os clientes assinaram manifesto a favor das mulheres, e muitos cancelaram o contrato de aluguel.
O conflito do queridinho da chamada “gig economy “ com as convenções do velho mercado expõe as contradições no mundo do trabalho desde que a revolução tecnológica criou milhões de empregos. mas junto mudou a relação entre patrões e empregados de forma tão radical quanto mexeu com o nosso jeito de namorar, ter amigos, ler, ouvir música, tomar um táxi., fazer turismo e até procurar trabalho.
A classe média americana está ansiosa. Esta nova economia certamente não cresceria tão rápido se tivesse transformado todas as pessoas que lhe prestam serviços em empregados com direitos plenos. Gig, palavra usada para se referir ao Uber, Airbnb, We Work e inúmeras outras start-ups, sempre foi coisa de músico, eram eles que procuravam uma gig, ou seja, um showzinho ou uma participação especial no clube de jazz e no estúdio de gravação. O comum dos mortais – nos bons tempos em que o país e o mundo não estavam em crise – tinha emprego, com horário e salário fixos, férias pagas e décimo-terceiro. Mas este parece ser um retrato do passado: agora, profissionais de todo tipo procuram uma “gig”, um trabalhinho, um frila,
A turma otimista acha que essa “gig economy “ abrirá caminhos para inovações geniais, dará poder a mentes criativas e empreendedoras, fará do trabalho uma atividade mais prazeirosa. Muita gente prevê o contrário, teme um futuro com trabalhadores desamparados, perdendo direitos duramente conquistados, vivendo em permanente busca por um pequeno frila aqui, uma oportunidade ali. Uma indicação deste rumo desalentador são as conclusões do economista francês Thomas Piketty de que a desigualdade aumentou no século XXI e é hoje tão grande quanto na época dos personagens de Honoré de Balzac, o escritor que melhor retratou a decadência da aristocracia e a ascensão da burguesia.
Emprego fixo em grandes empresas costuma significar salário maior do que o recebido por trabalhadores independentes. O Sindicato dos Freelancers estima que um terço da força de trabalho dos Estados Unidos – cerca de 53,7 milhões – faz frila ou tem contratos temporários, um exército que a cada ano recebe 700 mil novos recrutas. Estão contados aí, por exemplo, os 160 mil motoristas “colaboradores” do Uber em terra americana, a mais polêmica e bem-sucedida dessas empresas que, no entanto, só tem 4 mil empregados à moda antiga. Ou mesmo os trabalhadores da Apple, que emprega cerca de 90 mil pessoas mas usa os serviços de um milhão de profissionais ao redor do mundo para desenhar fabricar, montar, promover , embalar, consertar os produtos da marca símbolo do jeito cool de viver modernamente. Apesar da insegurança que perpassa a sociedade contemporânea, a maioria acha que a tecnologia tornou mais fácil achar trabalho.
As relações profissionais na nova economia variam. Marco Zappacosta, por exemplo, criou uma start-up para conectar personal trainers, bombeiros , marqueteiros com gente precisando se exercitar, refazer o banheiro, vender ideias ou marcas. A empresa dele agencia trabalhos, faz a ligação entre os profissionais e o sujeito com trabalho a oferecer, mas não emprega ninguém. Já a Manage by Q, de serviços de manutenção sob demanda, contrata funcionários em tempo integral.
Ao ajudar a fundar a Thumbtack há seis anos, Marco jamais esperou que ele e os empreendedores de sua geração fossem virar consultores informais para candidatos à presidência dos EUA e senadores em campanha, uns e outros interessados em entender como as empresas de tecnologia estão mudando as relações trabalhistas. Com a campanha eleitoral esquentando, a desigualdade e a insegurança no emprego – marcas do mundo de hoje – têm tudo para polarizar opiniões e eleitores. Marco recebeu em San Francisco a visita do pré-candidato republicano Jeb Bush e já levou dezenas de faxineiras, ajudantes de cozinha e transportadores à Casa Branca para conversar com a secretaria de pequenas empresas. A democrata Hillary Clinton se reuniu com a equipe do Munchery, um catering que usa serviços de chefes de cozinha e motoristas para fazer a entrega dos pedidos.
Todos se perguntam o que significa ter um trabalho hoje. A resposta certa vale um milhão de dólares e provavelmente abre alas para o cargo mais poderoso do mundo. Ano passado, 24% dos americanos disseram ao instituto de pesquisas Gallup que temem ter o salário reduzido, e 23% não se surpreenderiam se fossem obrigados a trabalhar só em tempo parcial. As angústias com o futuro não são paranoia: até a crise de 2008, a classe média americana diminuia porque muitos entravam no clube dos ricos, agora é o contrário, caem para o grupo de renda mais baixa.
“As mudanças da economia prometem novas eficiências e maior flexibilidade para empregados e empregadores mas ameaça solapar os fundamentos em que a classe média americana foi construída”, escreveu num artigo, publicado na última edição do “Democracy Journal”, o líder trabalhista David Rolf.
[g1_quote author_name=”Hillary Clinton” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A chamada ‘gig economy’ está liberando a inovação. Mas também está levantando questões s sobre o que um bom emprego vai significar no futuro
[/g1_quote]O novo Bush competindo para chegar à Casa Branca usou o táxi preto do Uber para deixar claro seu apoio à “gig economy”, apesar de a companhia enfrentar problemas legais – o Labor Comissioner Office da Califórnia considerou que os motoristas tinham de ser tratados como empregados, mas a empresa recorreu e tudo ainda está em suspenso. Hillary foi mais cautelosa: “A chamada ‘gig economy’ está criando excitação e liberando a inovação. Mas também está levantando questões sobre as proteções no trabalho e sobre o que um bom emprego vai significar no futuro”, disse a pré-candidata.
Quem se atreve a fazer previsões? A ‘gig economy’ embaralha as linhas de separação entre vida pessoal e profissional, ao deixar mais liberdade para cada um de nós escolher o tempo de duração da sua jornada de trabalho e poder mandar na sua própria vida. Mas cabe ao Estado dar oportunidades a este trabalhador independente de ser incluído na rede de proteção social e não deixá-lo abandonado diante das exigências da nova economia.
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Jornalismo é um vício assumido, é difícil me imaginar longe da notícia. Acostumei a viver com o dedo na tomada: aprendi isto trabalhando, viajando pelo mundo e sendo por muitos anos editora executiva do Globo.
Que nada! você continua sendo “A” Helena velha de guerra. Bola pra frente! O mundo é dos competentes. Beijão do Rona.
Você continua sendo “A” Helena velha de guerra! O mundo é dos competentes, bola pra frente!!!
Abraço e beijão do Rona
Adorei esse artigo!
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