Brasil de Lula: mais feminino, mais velho e com mortalidade infantil menor

Encontro de mulheres com Lula: brasileiras são a maioria da população, a maioria do eleitorado e têm mais anos de estudo, mas continuam distantes dos espaços de poder (Foto: Ricardo Stuckert – 10/03/2022)

Censo 2022 está atrasado mas dados da ONU mostram as mudanças demográficas no país entre 2003, no 1º mandato do presidente, e 2023

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10ODS 5 • Publicada em 29 de dezembro de 2022 - 07:31 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:55

Encontro de mulheres com Lula: brasileiras são a maioria da população, a maioria do eleitorado e têm mais anos de estudo, mas continuam distantes dos espaços de poder (Foto: Ricardo Stuckert – 10/03/2022)

O IBGE divulgou ontem, dia 28 de dezembro de 2022, a prévia da população dos municípios, dos estados e do país com base nos dados coletados pelo Censo Demográfico até o dia 25 de dezembro. O levantamento mostra que, até a data do Natal, o Brasil chegou a 207.750.291 milhões de habitantes em 2022. Este número, porém, ainda não representa o resultado final. Infelizmente, houve atraso na coleta dos dados do censo demográfico e os números definitivos só serão divulgados quando o recenseamento for encerrado. A coleta prosseguirá nos meses de janeiro e fevereiro de 2023 e o IBGE disponibilizou um número telefônico para que as pessoas residentes nos domicílios ainda não recenseados possam ligar para o Disque-Censo 137 e possam responder ao questionário e prestar as informações tão essenciais para o planejamento do futuro do país.

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A urgência na divulgação dos dados antes do final do ano se deve à necessidade de cumprir a lei que determina ao IBGE fornecer, anualmente, o cálculo da população de cada um dos 5.570 municípios do país para o Tribunal de Contas da União (TCU), com a finalidade de cálculo da distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e, também, para determinar o tamanho das representações políticas (quantidades de vereadores, etc.).

A despeito de todo o esforço do IBGE na divulgação das estimativas e dos dados censais ainda em 2022, a não conclusão do recenseamento deve trazer algumas imprecisões que podem gerar dúvidas e incertezas nos próximos 3 meses. Por exemplo, o censo demográfico de 2010 registrou 1.409.351 habitantes em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. A estimativa populacional de 2021 indicou 1.483.771 porto-alegrenses. Porém, a estimativa populacional de 2022 apontou somente 1.404.269 habitantes em Porto Alegre, número menor do que aquele de 12 anos atrás. Assim, provavelmente, haverá uma nova estimativa para o tamanho da capital gaúcha até a finalização do censo 2022. O mesmo deve ocorrer com vários outros municípios.

Conhecer a realidade sociodemográfica do país é fundamental para o planejamento das políticas públicas e para as decisões de investimento da iniciativa privada. Nesta última semana do ano, a senadora Simone Tebet foi indicada para o Ministério do Planejamento do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O IBGE é um dos órgãos do Ministério do Planejamento e o censo demográfico é a principal fonte de dados para a planificação do desenvolvimento nacional.

O Brasil está passando por mudanças populacionais de longo prazo que estão reconfigurando o perfil social do país. Na maior parte dos primeiros 500 anos do Brasil, as taxas de mortalidade e de fecundidade eram altas, a estrutura etária era jovem e a taxa de crescimento era elevada. Mas este quadro começou a mudar ainda no século XX e o perfil da população brasileira sofreu uma mudança de 180 graus, passando a ter baixas taxas de mortalidade e fecundidade, um rápido e profundo processo de envelhecimento e a perspectiva de decrescimento populacional na segunda metade do século XXI.

Na falta de resultados definitivos do censo demográfico de 2022, apresentamos abaixo uma análise das  mudanças demográficas do Brasil entre 2003, quando Lula assumiu seu primeiro mandato, e 2023, com base nos dados da Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU).

As mudanças demográficas no Brasil entre 2003 e 2023 com base nos dados da ONU

A história é como um filme, mas que pode ser recortado em diversas fotografias. A tabela abaixo apresenta diversos indicadores demográficos para o ano de 2003, ano do início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e para 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, com dados da Divisão de População da ONU.

A população brasileira era de 181,6 milhões de habitantes em 01 de janeiro de 2003 e foi estimada em 215,8 milhões de habitantes em 2023 (provavelmente este número será reduzido na próxima projeção). No mesmo período, a taxa de crescimento da população estava em 1,2% ao ano e caiu para 0,6% ao ano. O Brasil ficou mais feminino, pois para cada 100 mulheres, havia 97,8 homens em 2003 e 96,4 homens em 2023. O número de nascimentos anuais era de 3,26 milhões de bebês e caiu para 2,7 milhões, enquanto o número total de mortes era de 1,15 milhão de óbitos e subiu para 1,47 milhão. Portanto, o crescimento natural (nascimentos – óbitos) caiu de 2,1 milhões de pessoas em 2003 para 1,23 milhão de pessoas em 2023.

A densidade demográfica era de 21,9 habitantes por km2 e passou para 25,9 hab/ km2. A taxa de fecundidade total (TFT) era de 2,02 filhos por mulher e caiu para abaixo do nível de reposição, para 1,62 filhos por mulher em 2023. A mortalidade infantil caiu de 24,7 mortes por mil nascimentos para 10,3 por mil.  A expectativa de vida ao nascer era de 70,7 anos e passou para 76,2 anos, a despeito da redução ocorrida durante o auge da pandemia da covid-19. A expectativa de vida aos 65 anos era de 15,3 anos em 2003 e subiu para 17,2 anos em 2023 (isto quer dizer que uma pessoa que tenha chegado aos 65 anos em 2023 tem a expectativa média de viver até os 82 anos). A percentagem de jovens de 0 a 14 anos era de 28,2% da população total em 2003 e caiu para 20% em 2023. A percentagem de pessoas em idade ativa (15-59 anos) era de 63,1% e subiu para 64,9%. A percentagem de idosos (de 60 anos e mais de idade) era de 8,7% e passou para 15,1%. A razão de dependência demográfica era de 58,4% de pessoas em idades dependentes (jovens e idosos) para cada 100 pessoas em idade ativa (15-59 anos).

A mudança da estrutura etária fica evidente nas figuras abaixo que mostram as pirâmides populacionais de 2003 e 2023. Nota-se que a base da pirâmide se estreitou no período e houve um aumento dos grupos adultos em idade de trabalho e uma mudança lenta no topo da pirâmide. Isto quer dizer que o Brasil ainda está em pleno domínio do 1º bônus demográfico, ou seja, há uma alta disponibilidade de força de trabalho que pode fazer o Brasil dar um salto no desenvolvimento social e econômico se esta janela de oportunidade for bem aproveitada. O envelhecimento populacional deve ficar mais acentuado na segunda metade do atual século.

O bônus pode ser mais bem compreendido pela análise da razão de dependência (RD). O gráfico abaixo mostra a RD total, de jovens (0-14 anos) e idosos (60 anos e mais), além do percentual da população em idade ativa (PIA) para o Brasil, no período de 1950 a 2100. Nota-se que, entre 1950 e 1970, a taxas de dependência de jovens era elevada e aumentou ainda mais em decorrência da rápida queda nas taxas de mortalidade infantil, que possibilitaram a elevação do percentual de crianças sobreviventes no país. Nesse período, houve um rejuvenescimento da estrutura etária e um alargamento da base da pirâmide.

Mas a partir de 1970, com a diminuição da taxa de fecundidade, a razão de dependência dos jovens começou a cair e iniciou um processo de queda contínua que se estenderá no restante do século. Em consequência, a RD total também iniciou um período de queda, enquanto a RD dos idosos se manteve em níveis baixos. Mas, com o aumento acelerado da RD dos idosos, a RD total também começou a subir no quinquênio 2020-25. A PIA, em relação à população total, cresceu até o quinquênio 2015-20 e já começou a diminuir. Desta forma, a razão de dependência total em 2023, de 54% é menor do que a RD total de 2003 que era de 58,4%. A percentagem da população em idade ativa (PIA) era de 63,1% em 2003 e encontra-se em 64,9% em 2023. Portanto, a situação do 1º bônus demográfico no início do terceiro mandato do presidente Lula não é fundamentalmente diferente do primeiro mandato. A situação demográfica do Brasil atual é ainda favorável ao desenvolvimento econômico e social, embora o 1º bônus demográfico seja temporário e deva chegar ao fim no final da década de 2030.

Sem dúvida a janela de oportunidade demográfica já começou a se fechar. Todavia, o bônus demográfico poderá continuar dando bons frutos econômicos se a população ocupada (PO) aumentar nos próximos 15 anos, antes de a PIA começar a diminuir em termos absolutos. Decerto, a razão de dependência total (que é a soma das razões de jovens e idosos), já cresce e deve ultrapassar a marca de 100 dependentes para cada 100 pessoas em idade ativa.

Desta forma, nas últimas décadas do século XXI, haverá mais pessoas dependentes do que em idade produtiva, exigindo grande aumento da produtividade da população ocupada e uma redefinição da inserção da população idosa. Portanto, o Brasil precisa aproveitar as vantagens atuais e também se preparar para aproveitar o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade).

A análise demográfica é fundamental para o desenho das políticas públicas. O novo governo que assume em 01 de janeiro de 2023 ainda não terá à disposição as informações do censo 2022, mas os dados fornecidos pela Divisão de População da ONU são suficientemente claros para revelar os rumos e os diversos aspectos da dinâmica demográfica brasileira. Conhecer os dados demográficos é essencial para combater a pobreza, a fome, o desemprego e para reconstruir o país com base na democracia e no desenvolvimento sustentável.

Referências:

IBGE. Prévia da População dos Municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 coletados até 25/12/2022, divulgação em 28 de dezembro de 2022

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-demografico-2022.html?edicao=35938&t=resultados

UN Population Division. World Population Prospects 2022 https://population.un.org/wpp/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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