Daniel Munduruku: Falas da Terra é “manifesto do pertencimento dos povos indígenas”

O escritor Daniel Munduruku nas gravações de Falas da Terra, especial da TV Globo onde atuou como roteirista: manifesto do pertencimento dos povos indígenas (Foto: Juan Ribeiro / TV Globo)

Escritor é roteirista e personagem de especial da TV Globo que propõe "decolonização" do pensamento reproduzido no Brasil

Por Liana Melo | ODS 10 • Publicada em 14 de abril de 2024 - 21:24 • Atualizada em 21 de abril de 2024 - 14:51

O escritor Daniel Munduruku nas gravações de Falas da Terra, especial da TV Globo onde atuou como roteirista: manifesto do pertencimento dos povos indígenas (Foto: Juan Ribeiro / TV Globo)

O pensador e escritor Daniel Munduruku agora é também roteirista. Como um dos grandes difusores da cultura indígena no Brasil, ele costuma usar as páginas dos seus mais de 50 livros infanto-juvenil para desconstruir os estereótipos errôneos sobre os povos indígenas. Pratica uma literatura militante contra as narrativas hegemônicas que insistem em transformar os indígenas em um povo “selvagem, inútil, sem cultura, primitivo e preguiçoso”.

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Esse conjunto de referências preconceituosas contra os povos ancestrais será abordado no especial da TV Globo “Falas da Terra”. Ao aderir ao movimento de apropriação da história e da cultura a partir da perspectiva histórica dos próprios indígenas, o programa propõe, como explica Daniel Munduruku, uma “decolonização do pensamento que vem sendo reproduzido ao longo dos anos no Brasil”. O programa será exibido na semana do Dia dos Povos Indígenas – nesta segunda-feira, dia 15 – e depois entrará para a grade da Globoplay.

Pedir desculpa não é o suficiente. Pedir desculpa é o primeiro passo para reconhecer que os indígenas fazem parte e sempre fizeram parte do Brasil. É preciso reparar o erro e essa reparação passa pela demarcação das terras indígenas

Daniel Munduruku
Escritor e roteirista

Além de escrever o roteiro em parceria com Antonia Prado, que também assina a direção artística, Felipe Herzog, diretor,  Micheline Alves e Veronica Debom, Munduruku foi também um dos indígenas entrevistados. Além dele, aparecem no especial Aílton Krenak, que quando gravou seu depoimento ainda não era imortal – como o primeiro indígena na Academia Brasileira de Letras (ABL), ele herdou a cadeira de número 5. E Valdelice Verón Guarani Kaiowá, filha de um líder assassinado, o cacique Marcos Verón, e hoje uma das principais porta-vozes de seu povo.

Para além da luta pela demarcação dos seus territórios, a segurança dentro deles e a desintrução, ou seja, a retirada das pessoas que ocupam a área de forma ilegal, o programa aborda o preconceito arraigado na sociedade brasileira contra os indígenas, sejam eles aldeados ou os que vivem em contexto urbano.

O meu ser indígena está na minha ancestralidade, na minha espiritualidade, no meu sangue, no meu corpo, na minha alma. Não preciso estar pintada ou de cocar para me verem como indígena

Zahy Tentehar
Atriz, cantora e ativista

A bióloga e artista indígena Uýra Sodoma aparecerá fazendo uma performance no centro do Rio de Janeiro e no de Manaus, a capital do Amazonas, desde sempre o estado com a maior concentração de indígenas no país. Uýra caminha pelas ruas das duas cidades com placas coladas ao corpo com as palavras: selvagem, inútil, sem cultura, privilegiado, primitivo, preguiçoso. A performance começa com ela exibindo os rótulos e, aos poucos, à medida que caminha, vai se despindo desses chavões.

A atriz, ativista e cantora Zahy Tentehar é a apresentadora do especial da TV Globo. Por viver no contexto urbano e não no território indígena Cana Brava, no Maranhão, ela costuma ser questionada sobre sua origem. “O meu ser indígena está na minha ancestralidade, na minha espiritualidade, no meu sangue, no meu corpo, na minha alma. Não preciso estar pintada ou de cocar para me verem como indígena”.

A atriz e cantora Zahy Tentehar, apresentadora do especial Falas da Terra durante as gravações: ancestralidade no sangue e na alma dispensa cocar e pintura (Foto: Manoella Mello / TV Globo)
A atriz e cantora Zahy Tentehar, apresentadora do especial Falas da Terra durante as gravações: ancestralidade no sangue e na alma dispensa cocar e pintura (Foto: Manoella Mello / TV Globo)

Demarcar as telas e ocupar as redes sociais, transformando os dois espaços em territórios de atuação política, fazem parte da estratégia do movimento indígena. Não é a primeira vez, por exemplo, que Daniel Munduruku troca a solidão da escrita de seus livros pela telinha. Antes de participar como um dos roteiristas do especial “Falas da Terra”, ele atuou na novela “Terra e Paixão”, protagonizando o personagem Jurecê.

Referindo-se a uma das frases dita por Krenak, durante as conversas que antecederam à gravação do especial, a diretora artística do programa, Antonia Prado, chama atenção para o fato de que os indígenas não declararam guerra, ainda assim estão morrendo, fruto de uma aniquilação lenta e gradual que extermina essa população. Os números confirmam essa tese. Estima-se que, na época da chegada dos colonizadores europeus ao país, fossem mais de mil povos indígenas. Atualmente, segundo o Censo Demográfico de 2022, são 266 povos indígenas, falantes de mais de 150 línguas diferentes.

Munduruku analisa que o especial é um “manifesto do pertencimento dos povos indígenas dentro de uma sociedade tão difícil, preconceituosa, excludente e equivocada sobre este pertencimento”. Ele espera que a exibição do especial “aumente a adesão ao modo de ser indígena, que não é um modo excludente, e sim inclusivo”.

A decisão do governo brasileiro de pedir desculpas aos indígenas Krenak e Guarani Kaiowá pelas perseguições na ditadura militar com foi decidido é vista com ressalvas por Daniel Munduruku: “Pedir desculpa não é o suficiente. Pedir desculpa é o primeiro passo para reconhecer que os indígenas fazem parte e sempre fizeram parte do Brasil. É preciso reparar o erro e essa reparação passa pela demarcação das terras indígenas”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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