Língua indígena como arma de resistência

Idioma ancestral substitui arco e flecha. Preconceito linguístico é usado para promover tentativa de apagamento da cultura nas aldeias

Por Liana Melo | ODS 16ODS 4 • Publicada em 22 de fevereiro de 2022 - 10:46 • Atualizada em 25 de fevereiro de 2022 - 18:36

Kayawa Mawayana, a única falanta da língua Mawayana. Frame do documentário Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021

Kayawa Mawayana, a única falanta da língua Mawayana. Frame do documentário Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021

Idioma ancestral substitui arco e flecha. Preconceito linguístico é usado para promover tentativa de apagamento da cultura nas aldeias

Por Liana Melo | ODS 16ODS 4 • Publicada em 22 de fevereiro de 2022 - 10:46 • Atualizada em 25 de fevereiro de 2022 - 18:36

A septuagenária Kayawa Mawayana é, supostamente, a última falante da língua Mawayana. Vivendo entre os Way Way, na Terra Indígena Trombeta-Mapuera e na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, no Pará, Kayawa não fala português. Como perdeu parentes e amigos, ela sofre com a falta de interlocução, porque os mais novos não aprenderam sua língua. À exceção é seu neto, Iolandino Xayukuma Wai Wai, aluno da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

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A primeira vez que Kayawa foi ouvida por uma pessoa não indígena foi no documentário “Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021”. Seu neto gravou pelo celular sua avó falando e fez a tradução para o português. Como os dois moram distantes um do outro, os parentes financiaram a viagem de Kayawa, que vive ao norte de Oriximiná, no Pará, para ela encontrar-se com Iolandino.

 

“Kayawa está inserida em uma trama histórica e sua família não deseja que os saberes de sua língua e de sua cultura se encerrem nela”, chama a atenção Ivânia Neves, que coordenou a pesquisa “Retratos do Contemporâneo: as línguas indígenas na Amazônia Paraense”, acrescentando que a avó de Iolandino é um exemplo de memória viva e de resistência dos povos indígenas.

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Outras línguas indígenas, como é o caso do Nheengatu, que não contém a vogal O, levou os antepassados de Dayana Borari a sofreram “preconceito linguístico”. No documentário “Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021”, ela conta que seu avô falava “buto”, no lugar de boto; e “canua”, ao invés de canoa.

Cacica Kátia Akrãtikatêjê. Frame do documentário Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021
Cacica Kátia Akrãtikatêjê. Frame do documentário Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021

A cacica Kátia Akrãtikatêjê, primeira líder feminina da etnia Gavião Akrãtikatêjê, sofreu na pele a tentativa de apagamento da sua língua nativa. No mesmo documentário, ela lembra que, ao entrar na escola, com nove anos, a então professora dava beliscões nos seus braços e ainda a deixava de castigo, alegando que ela não falava direito e que usava muita gíria. “Eu sentia vergonha de mim, por falar daquele jeito”.

À medida que foi crescendo e, sobretudo a partir do final dos anos 1980, seu povo foi obrigado a voltar a falar a língua nativa. A cacica passou a adotar uma estratégia de luta defendida por seu pai, o líder indígena Payaré Akrãtikatêjê – seu pai protagonizou uma saga para denunciar as atrocidades cometidas contra o seu povo durante o processo de construção da hidrelétrica de Tucuruí. Ela lembra que seu pai, já falecido, costumava alertá-la para importância das línguas indígenas na luta de resistência pela preservação dos povos indígenas. 

Seu povo vive na Terra Indígena Mãe Maria, entre as cidades de Marabá e Bom Jesus do Tocantins, no sul do Pará, e foi praticamente dizimado quando teve início da construção de Tucuruí, pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), no final dos anos 1960.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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