Diário da Covid-19: Março foi um mês terrível. Abril pode ser ainda pior

Ao ser vacinada no Planetário, no Rio de Janeiro, mulher segura um cartaz celebrando o trabalho do SUS e criticando o presidente Jair Bolsonaro. Foto Mauro Pimentel/Março/2021

Em uma semana, Brasil teve mais óbitos, em média, do que a soma dos outros nove países mais populosos do planeta

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 4 de abril de 2021 - 09:15 • Atualizada em 27 de abril de 2021 - 09:00

Ao ser vacinada no Planetário, no Rio de Janeiro, mulher segura um cartaz celebrando o trabalho do SUS e criticando o presidente Jair Bolsonaro. Foto Mauro Pimentel/Março/2021

Março de 2021 foi o pior mês da pandemia de covid-19, pois teve o maior número de pessoas infectadas e o maior montante de vidas perdidas, desde o surgimento do SARS-CoV-2. Mas, se o início de março foi ruim, o final foi péssimo. A última quinzena foi a mais trágica de toda a série. E a última semana – com 19,6 mil mortes – foi a mais letal até aqui. Ou seja, a covid-19 continua se agravando, sem dar trégua nem na Semana Santa, a despeito dos feriados e das medidas parciais de quarentena adotadas em diferentes localidades do Brasil. Os 3 primeiros dias de abril foram piores do que os 3 primeiros dias de março. Desta forma, se não houver um esforço coletivo, os números da pandemia podem ultrapassar todos os limites imagináveis em abril, num calvário sem fim. Portanto, o país precisa de uma União Nacional para deter a doença, controlar a propagação do coronavírus e aliviar a sobrecarga existente sobre o sistema hospitalar.

O Brasil teve 2.197.488 pessoas infectadas e 66.573 vidas perdidas para a covid-19 no mês de março de 2021. Apenas o número de perdas já seria suficiente para colocar o país no 11º lugar do ranking global de vítimas fatais da pandemia. Na série histórica o Brasil ocupa o 2º lugar no número acumulado de mortes, com 330 mil óbitos (atrás apenas dos Estados Unidos), tendo mais mortes do que a soma de Itália, França e Alemanha – que em conjunto possuem uma população semelhante à brasileira. Porém, o mais grave é que o Brasil continua liderando as grandes nações na média diária de falecimentos.

Entre os 10 países mais populosos do mundo, o Brasil teve 66.573 óbitos no mês de março, enquanto os EUA tiveram 37,9 mil óbitos no mês, o México 17,5 mil, a Rússia 12,5 mil, a Índia 5,8 mil, a Indonésia 4,7 mil, o Paquistão 1,6 mil, Bangladesh 638 mil, a Nigéria 150 óbitos e a China com apenas 6 óbitos no mês. A soma dos óbitos das outras 9 grandes nações (que representam 55% da população mundial) acumulou 80,8 mil vítimas fatais, conforme mostra o gráfico abaixo.

Considerando a média móvel de mortes na semana de 28/03 a 03/04/2021, o Brasil com 2.806 óbitos diários na semana, teve mais mortes que a soma dos outros 9 países, que tiveram 2.421 óbitos diários, conforme mostra o gráfico abaixo. Assim, o maior país da América do Sul (com 2,7% da população global) teve um montante de óbitos superior ao montante dos outros 9 países, com 4,3 bilhões de habitantes e 55% da população mundial. Em média, os EUA tiveram 872 óbitos diários, a Rússia 488 óbitos, a Índia 415 óbitos, o México 376 óbitos, a Indonésia 141 óbitos, o Paquistão 76 óbitos, Bangladesh 49 óbitos, a Nigéria 4 óbitos e a China não registrou qualquer perda para a covid-19 na semana.

O gráfico abaixo, do Our World in Data, mostra que no início de 2021 o coeficiente de mortalidade diário do Brasil era inferior aos coeficientes dos EUA, México e Rússia. Mas a partir de março os números de mortes dispararam no Brasil. O país superou os demais países mais populosos do mundo e se tornou um epicentro da pandemia global.

Enquanto o Brasil bate recordes de casos e de mortes, o processo de vacinação tem sido marcado pelo ritmo lento e pelas informações desencontradas do Ministério da Saúde. O ex-ministro Pazuello fez o povo brasileiro rir e chorar dizendo, no dia 11 de janeiro, uma platitude sem pé, nem cabeça: “A vacina vai começar no dia D, na hora H”. No dia 19 de março o Ministério da Saúde disse que o país teria 47,3 milhões de doses disponíveis em abril e o ministro Marcelo Queiroga garantiu que o país iria vacinar, pelo menos, 1 milhão de pessoas por dia. Mas o ministério se confundiu mais uma vez e a previsão agora é de 25,5 milhões de doses, ou seja, 53% das 47,3 milhões previstas no cronograma anterior. O recém-criado “Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19” ainda não disse a que veio.

A confusão é tanta que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também resolveu contribuir com o imbróglio questionando publicamente o distanciamento entre o total de doses distribuídas pelo Ministério da Saúde, o número efetivo de imunizantes aplicados na população e sugeriu a liberação da compra de vacinas pelo setor privado. Na sexta-feira da Paixão, quatro capitais – Curitiba, Goiânia, Rio Branco e Florianópolis – suspenderem a aplicação de novas doses por falta de vacinas. São muitas as transgressões, alterações de regras, mudanças de prioridades e pouca determinação para a aceleração da vacinação.

O gráfico abaixo, do site Our World in Data, fornece um panorama da imunização em alguns países do mundo. O caso de maior sucesso até o momento é o do pequeno território de Gibraltar, que tinha o maior coeficiente de mortalidade do mundo. Depois de um lockdown muito rigoroso, chegou rapidamente perto de 100% da população vacinada, conseguiu reduzir os novos casos e, praticamente, zerou as mortes (houve apenas 1 óbito por covid-19 no mês de março). Outro exemplo de sucesso aconteceu em Israel que já vacinou cerca de dois terços da população e conseguiu reduzir a média diária de mortes de 65 óbitos, que existia no final de janeiro, para 8 óbitos no dia 2 de abril.

O Butão – conhecido pela adoção do conceito de “Felicidade Interna Bruta” (FIB) – tem sido um exemplo no combate à pandemia. Fez uma barreira sanitária eficiente e, até este instante, teve apenas um óbito em decorrência da covid-19. O país iniciou a imunização no dia 27 de março. Vacinou toda a população adulta em uma semana, sendo que o primeiro-ministro do país, Lotay Tshering, disse que pretende administrar as duas doses a toda a sua população no prazo máximo de 12 semanas.

O Reino Unido – com mais de 40% da população vacinada – e os Estados Unidos – com mais de 30% da população imunizada – conseguiram reduzir bastante o número de mortes. No Reino Unido a média de mortes estava em 1.250 óbitos diários no final de janeiro. Caiu para 40 óbitos neste início de abril, sendo que no dia 03/04 houve apenas 10 vidas perdidas para a covid-19. Nos EUA, a média diária chegou a 3.500 óbitos no final de janeiro e caiu para 875 óbitos no início de abril.

Na América do Sul, os dois países mais avançados na vacinação são o Chile e o Uruguai. Porém, ambos estão passando por um aumento do número de casos e de mortes, configurando uma situação preocupante, pois a pandemia avança mesmo com o aumento da proporção da população imunizada. O Brasil, como já vimos, mantém um ritmo lento de vacinação. Mesmo com todas as possibilidades de novas vacinas prometidas pelo Ministério da Saúde, dificilmente toda a população adulta será plenamente vacinada antes do final do atual ano.

Panorama nacional e internacional da covid-19 em março de 2021

O Brasil parece estar em uma via crucis sem fim. Além de atingir 13 milhões de pessoas infectadas, o país registrou uma média móvel de 3.117 óbitos em 01 de abril, 3.013 óbitos na Sexta-feira da Paixão (02/04) e 2.806 óbitos no Sábado de Aleluia (03/04). O domingo de Páscoa (04/04) não será menos dramático. O número de vítimas deve se manter elevado, mesmo com boa parte do país estando em quarentena e isolamento social.

O gráfico abaixo mostra a média diária do número de casos da covid-19 por quinzenas de março de 2020 a março de 2021. Nota-se que na quinzena de 01/03 a 15/03/20 houve apenas 13 casos diários e deu um salto para 43.641 casos diários na primeira quinzena de agosto. Os números caíram pela metade na virada de outubro e novembro. Passaram para 50 mil na virada do ano. Bateram todos os recordes em março de 2021, com 64,6 mil casos diários na primeira quinzena e 76,8 mil casos diários na segunda quinzena de março.

O gráfico abaixo mostra a média diária do número de casos da covid-19 para os meses de março de 2020 a março de 2021. Nota-se que em março de 2020 houve apenas 184 casos diários, dando um salto para 40.659 casos diários em julho de 2020. Em outubro houve 23,4 mil casos diários, mas o mês de dezembro bateu o recorde do ano com 43,2 mil casos. Janeiro e fevereiro marcaram números próximos de 50 mil casos diários, mas o recorde absoluto aconteceu em março de 2021 com 70,9 mil casos diários.

O gráfico abaixo mostra a média diária do número de óbitos da covid-19 por quinzenas de março de 2020 a março de 2021. Nota-se que na quinzena de 16/03 a 31/03/20 houve apenas 13 mortes diárias, mas deu um salto para 1.069 mortes em 16-31/07. Os números caíram até 394 mortes diárias na primeira quinzena de novembro. Mas voltaram a subir. As duas quinzenas de março de 2021 bateram recordes sucessivos, com impressionantes 2.639 vidas perdidas entre 16-31 de março de 2021 (1,8 mortes para cada minuto da quinzena).

O gráfico abaixo mostra a média diária do número de óbitos da covid-19 para os meses de março de 2020 a março de 2021. Nota-se que em março de 2020 houve apenas 6 óbitos diários, dando um salto para 1.061 óbitos diários em julho de 2020. Em novembro houve 441 óbitos diários. Mas os números cresceram muito nos meses seguintes. Atingiram a média de 2.148 óbitos diários em março de 2021 (1,5 mortes para cada minuto do mês).

Em termos globais, no dia 3 de abril de 2021 o planeta ultrapassou 130 milhões de pessoas infectadas e 2,84 milhões de vidas perdidas para a covid-19, com taxa de letalidade de 2,2%. As médias móveis de sete dias voltaram a subir. Estão em 562 mil casos diários e 9,6 mil óbitos diários, segundo o site Our World in Data, com base nos dados da Universidade Johns Hopkins.

A covid-19 já atingiu 220 países e territórios. No dia 1º de março de 2020, havia somente 1 país com mais de 10 mil casos confirmados de Covid-19 (a China) e havia 5 países com valores entre 1 mil e 10 mil casos (Irã, Coreia do Sul, França, Espanha, Alemanha e EUA). Em 1º de abril já havia 50 países com mais de 1 mil casos, sendo 36 países com montantes entre 1 mil e 10 mil casos, 11 países com números entre 10 mil e 100 mil e 3 países com mais de 100 mil casos.

No primeiro dia de 2021 já havia 175 países com mais de 1 mil casos e 18 países com mais de 1 milhão de casos. Os números continuaram aumentando. Em 1º de abril de 2021 foram contabilizados 191 países com mais de 1 mil casos, sendo 46 entre 1 mil e 10 mil casos, 58 países entre 10 e 100 mil casos, 65 países entre 100 mil e 1 milhão de casos e 22 países com mais de 1 milhão de casos.

A lista dos 22 primeiros colocados do ranking, com a data em que chegaram à marca de 1 milhão, são: EUA (27/04), Brasil (19/06), Índia (16/07), Rússia (01/09), Espanha (15/10), Argentina (19/10), França (23/10), Colômbia (24/10), Turquia (28/10), Reino Unido (31/10), Itália (11/11); México (15/11),  Alemanha (26/11), Polônia (02/12), Irã (03/12), Peru (22/12), Ucrânia (24/12), África do Sul (26/12), Indonésia (26/01), República Tcheca (01/02), Holanda (06/02) e o Chile (01/04/2021). São cada vez mais países com cada vez mais pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. E quando crescem os casos crescem também as vítimas fatais, agravando as condições de saúde e de sobrevivência social.

A pandemia atingiu todos os países e todos os continentes do mundo, se transformando em um acontecimento global sem precedentes e sem data para terminar. A dificuldade para a erradicação do vírus decorre da falta de unidade de ação entre o Poder Público e a sociedade civil e em função das mensagens desencontradas que negam a gravidade da pandemia. Além do mais, ainda não se sabe a duração da imunidade adquirida por conta da infecção ou da vacinação. Nem foram estudadas todas as características das variantes que estão surgindo e acelerando o contágio em diversos locais. Sem o controle da pandemia fica difícil recuperar a economia. Já são as parcelas mais pobres e menos escolarizadas da população que mais sofrem com a recessão e a falta de oportunidades de emprego.

Março de 2021: impacto da covid-19 no mercado de trabalho

Além das dezenas de milhões de pessoas infectadas e de milhões de vidas perdidas para a covid-19, a pandemia também deixou muitas vítimas no mercado de trabalho. A destruição de empregos causada pela propagação do novo coronavírus foi instantânea e com efeitos permanentes. Se a taxa de letalidade da covid-19 é sempre maior entre a população idosa, a extinção de empregos e a perda de novas oportunidades de trabalho tem afetado em maior proporção a juventude e trabalhadores menos qualificados, como descreve o capítulo 3 do relatório World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado no dia 31 de março 2021.

O gráfico abaixo mostra que o desemprego cresceu no mundo todo, mas os países emergentes e em desenvolvimento foram mais impactados. Nestes, mulheres, jovens e trabalhadores menos qualificados estão entre as parcelas mais prejudicadas pela recessão econômica. O relatório do FMI indica que os trabalhadores menos qualificados enfrentam um golpe triplo: têm maior probabilidade de atuarem nos setores mais prejudicados pela pandemia; estão mais propensos a ficarem desempregados em períodos de retração e, para aqueles que conseguem se recolocar, é mais provável que precisem mudar de ocupação e sofram uma queda na renda.

A análise do FMI mostra que com políticas apropriadas se pode reduzir as sequelas e os impactos desiguais entre os trabalhadores. Na ausência de medidas para reforçar o mercado de trabalho (um cenário sem políticas de estímulo), um choque econômico provocado por uma pandemia que atinge as ocupações de forma assimétrica levaria a uma forte e rápida elevação do desemprego e a um ajuste vagaroso à medida que as condições econômicas melhoram gradativamente.

As autoridades governamentais precisarão considerar cuidadosamente a trajetória da pandemia (incluídos os casos, as mortes, a extensão das medidas de distanciamento e a distribuição das vacinas) ao decidir se a economia pode suportar uma substituição de medidas que apoiam os empregos existentes ao mesmo tempo que implementam políticas que visem agilizar a transição dos trabalhadores para setores e ocupações em expansão. O equilíbrio correto das políticas pode reduzir os impactos desiguais da pandemia sobre os trabalhadores e estimular uma recuperação mais rápida no mercado de trabalho.

Também no dia 31/03, o IBGE divulgou os dados da PNAD Contínua sobre a taxa de desocupação e a taxa de subutilização para o trimestre encerrado em janeiro de 2021. A taxa de desocupação (pessoas não ocupadas procurando emprego) foi de 14,2% no trimestre móvel de novembro de 2020 a janeiro de 2021, perfazendo 14,3 milhões de pessoas desocupadas. A taxa composta de subutilização (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) ficou em 29% no trimestre nov-dez-jan, conforme mostra o gráfico abaixo. A população subutilizada chegou a impressionantes 32,4 milhões de pessoas.

Este número de mais de 32 milhões de brasileiros desempregados ou subutilizados é maior do que o montante de toda a força de trabalho da Espanha e de Portugal. Assim, o Brasil está jogando fora o potencial produtivo de uma Península Ibérica. Se estas pessoas estivessem trabalhando a pobreza e a fome seriam fortemente reduzidas, a desigualdade social diminuiria e a renda per capita do país aumentaria. O Brasil precisa urgentemente de uma política de “Pleno Emprego e Trabalho Decente”. Isto é cada vez mais necessário já que a nação brasileira não possui um sistema de proteção social capaz de evitar o sofrimento da população diante de uma conjuntura tão adversa.

Frase do dia 4 de abril de 2021

“O verdadeiro cadáver não é o corpo (…), mas aquilo que deixou de viver”

Fernando Pessoa (1888-1935)

Referências

John Bluedorn. Resolver as diferenças: Políticas trabalhistas para uma recuperação mais justa, FMI, 31 de março de 2021 https://www.imf.org/pt/News/Articles/2021/03/31/blog-working-out-the-differences-labor-policies-for-a-fairer-recovery

IBGE, PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 14,2% e taxa de subutilização é de 29,0% no trimestre encerrado em janeiro de 2021, RJ, 31 de março de 2021

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30391-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-2-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-0-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2021

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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