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Estados Unidos atacam Irã e se juntam a Israel em nova era de impunidade

Ordem global pós Segunda Guerra Mundial sofre mais um abalo diante de escalada em conflito no Oriente Médio

(Simon Mabon*) – Logo após os bombardeiros B-2 dos Estados Unidos atingirem as instalações nucleares do Irã em Fordow, Natanz e Isfahan nas primeiras horas deste domingo (22/06), Donald Trump declarou que os ataques foram um sucesso e instou a República Islâmica a fazer a paz ou enfrentar ataques ainda mais devastadores. O presidente dos Estados Unidos proclamou o poder das forças armadas americanas, que operaram em total coordenação com Israel, antes de falar a verdade nas redes sociais.
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Trump e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, esperam que os ataques acabem com o programa nuclear do Irã de uma vez por todas. Pode ser que sim, pode ser que não. O mais certo é que a operação soará a sentença de morte para a ordem global pós-Segunda Guerra Mundial.
Após os horrores daquela guerra e da Guerra Fria que se seguiu, surgiu uma ordem global aparentemente baseada em um conjunto de regras e normas amplamente liberais que buscavam evitar o recuo para um conflito global. Baseada na não-intervenção, na diplomacia e no respeito ao Estado de Direito, essa ordem global era idealista e, em última análise, aspiracional.
Porém, nos últimos anos, essa visão da política global desmoronou. Agora, o fato de os Estados Unidos se unirem a Israel em seus ataques ao Irã provocará, com razão, sérias perguntas sobre o futuro da ordem global e o que virá a seguir.
A decisão de Trump de usar o poder aéreo dos EUA para desferir duros golpes contra o programa nuclear do Irã é o mais recente evento em um continuum que, sem dúvida, remonta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro.
A destruição de Gaza por Israel, a decapitação do Hamas e a desativação da capacidade militar do Hezbollah e seus ataques contra os rebeldes Houthi consolidaram a posição de força de Israel na região, com aclamação geralmente positiva do público global. No entanto, o espectro do Irã continuava a rondar, mesmo após seus representantes terem sido derrotados.
Há muito tempo, o Irã tem sido considerado um nefasto mestre de marionetes que controla uma complexa rede de “atores por procuração” em todo o Oriente Médio, cada um deles acusado de fazer as vontades de Teerã. A realidade é bem diferente. Embora seja inegável que a República Islâmica exerça influência sobre esses grupos, ela não é a mente pérfida que alguns sugerem, nem é a fonte de todos os males da região.
Em vez disso, o Irã está em uma posição perigosa. A República Islâmica enfrenta sérias pressões sociais e econômicas, com o movimento “Mulher, vida, liberdade”“ galvanizando a oposição popular, enquanto a agitação nas províncias periféricas do Irã, que abrigam minorias étnicas e religiosas, continua a fermentar.
Nos últimos anos, a diplomacia demonstrou que pode funcionar, melhorando animosidades antigas e arraigadas. Isso estava dando frutos, como visto na reaproximação gradual entre Irã e Arábia Saudita a partir de 2023, que havia sido precedida pela assinatura dos Acordos de Abraão em 2020.
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Veja o que já enviamosConsiderada por muitos como uma das principais conquistas da primeira presidência de Trump, essa foi uma série de acordos entre Israel e Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão, nos quais os países árabes reconheceram Israel e todos os lados assinaram uma declaração de princípios focada na compreensão mútua, no respeito à dignidade humana e na cooperação.
Embora muitos em Israel e nos Estados Unidos esperassem que a Arábia Saudita reconhecesse oficialmente Israel, os eventos de 7 de outubro e a destruição de Gaza que se seguiu acabaram com essas esperanças. Agora, a possibilidade de um conflito total entre o Irã, Israel e os EUA corre o risco de desencadear um grande conflito regional com implicações globais.

É preciso fazer perguntas sérias sobre a estratégia de longo prazo nesse caso. Embora as autoridades israelenses tenham articulado a necessidade de ataques às instalações nucleares do Irã para impedir que a República Islâmica obtenha uma capacidade de armas nucleares, o Irã é signatário do tratado de não proliferação nuclear (embora tenha ameaçado recentemente sair) e as principais autoridades têm declarado regularmente que as armas nucleares não têm lugar no portfólio estratégico do Irã.
Israel não é um signatário do tratado. De fato, acredita-se que o país possua entre 75 e 400 ogivas nucleares. É difícil dizer, pois o país tem mantido uma política inabalável de opacidade nuclear, nunca admitindo de fato a extensão de sua capacidade nuclear.
Nova impunidade?
Esse é o início de uma nova ordem de impunidade na região, apoiada pelas potências ocidentais? E, em caso afirmativo, o que isso significa para a guerra na Ucrânia e o potencial de uma Rússia agressiva se envolver em um aventureirismo ainda mais perigoso? O que isso significa para a possibilidade de a China tirar proveito desse colapso para talvez realizar sua ambição de gerações de se unir a Taiwan, pela força, se necessário? Estamos vendo a mudança para um mundo no qual as ameaças de Donald Trump de anexar a Groenlândia – e talvez até o Canadá – devem ser levadas a sério?
Os contornos da política global estão mudando diante de nossos olhos. As normas que serviram de base para a chamada ordem internacional liberal já não existem mais. O risco é que, embora esse período tenha sido marcado por tragédias e sofrimentos em uma escala quase inimaginável, rasgar o livro de regras será muito pior.
*Simon Mabon é professor de Relações Internacionais na Universidade de Lancaster (Inglaterra). Sua atuação se concentra na interseção entre estudos do Oriente Médio, Relações Internacionais e Teoria Política (Internacional). É diretor do SEPAD (Sectarianism, Proxies and De-Sectarianization Project), o Projeto Sectarismo, Proxies e Desectarização, financiado pela Carnegie Corporation, que analisa a forma como a rivalidade entre a Arábia Saudita e o Irã está moldando o sectarismo e a política em todo o Oriente Médio.
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