‘Jornalismo colaborativo não é moda, veio para ficar’

A investigação colaborativa conhecida como “Panamá Papers” mobilizou 370 jornalistas de 76 países (Foto: Eric Lalmand/AFP)

Diretora de Centro de Investigação Jornalística, que estará no Festival 3i, diz que trabalho conjunto nunca foi tão fundamental quanto é hoje

Por Agostinho Vieira | ODS 16ODS 17 • Publicada em 17 de outubro de 2019 - 17:08 • Atualizada em 5 de outubro de 2021 - 12:20

A investigação colaborativa conhecida como “Panamá Papers” mobilizou 370 jornalistas de 76 países (Foto: Eric Lalmand/AFP)

Em 2016, mais de 11 milhões de documentos foram analisados e esmiuçados por 370 jornalistas de 76 países. Conhecida como “The Panama Papers”, a investigação ajudou a revelar a indústria das empresas de fachada no mundo, que envolvia chefes de Estado, ministros e parlamentares em dezenas de países. Em 2018, o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) mobilizou um grupo de 250 jornalistas de 58 veículos para criar o “Implant Files”, uma base de dados confiável com informações sobre dispositivos médicos com defeito ou perigosos para a saúde que salvaram a vida de um monte de gente. No Brasil, em 2019, a operação “Vaza Jato” reuniu dados e áudios, obtidos pelo Intercept Brasil e divulgados por mais seis veículos, que puseram em xeque os métodos utilizados pelo MPF e pelo juiz Sérgio Moro para investigar casos de corrupção no país.

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Essa lista de trabalhos colaborativos, envolvendo jornalistas e veículos de comunicação, é enorme e cresce cada vez mais. Hoje, além das duas redes mundiais, a ICIJ e a OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), existem movimentos regionais de colaboração na Europa, no Sudeste Asiático e na América Latina. Nos países, iniciativas desse tipo brotam pelos mais diferentes motivos. O Verificado, no México, o ReVerso, na Argentina, e o Comprova, no Brasil, foram criados para checar os movimentos de desinformação durante as eleições. O Editors for Safety, no Paquistão, trabalha para proteger a liberdade informação. A Alianza Rebelde, na Venezuela, tenta resistir às condições muito adversas por que passa o jornalismo no país.

 

A jornalista colombiana Maria Teresa Ronderos durante uma conferência no México. Foto Luis Acosta/AFP
A jornalista colombiana Maria Teresa Ronderos durante uma conferência no México (Foto: Luis Acosta/AFP)

Para a diretora do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística, Maria Teresa Ronderos, que é uma das atrações do Festival 3i ((Inovador, Independente e Inspirador) de jornalismo, a colaboração jornalística não é uma moda passageira, nem uma tendência, mas uma necessidade cada vez mais forte e que veio para ficar.  Para ela, três forças empurram esse movimento de colaboração no mundo: “o advento das novas tecnologias de comunicação, mais rápidas e baratas; a crise no modelo de negócio dos veículos tradicionais, e o extraordinário crescimento dos ataques à liberdade de informação em diversas partes do mundo”.

A competição não é mais entre jornalistas e veículos, mas é contra o oceano de informação de baixa qualidade que circula nas redes sociais, a desinformação robotizada e a velha propaganda oficial

Maria Teresa Ronderos tem uma visão curiosa sobre a exclusividade jornalística, o chamado “furo”, que mobilizou gerações de jornalistas no Brasil e no mundo. Ela acredita que isso tende a virar peça de museu e que não faz mais tanto sentido: “Esse é um conceito antigo, dos tempos em que a informação era mais escassa. Hoje as pessoas se informam pelo WhatsApp e não estão preocupadas com o ‘furo jornalístico’. A competição não é mais entre jornalistas e veículos, mas é contra o oceano de informação de baixa qualidade que circula nas redes sociais, a desinformação robotizada e a velha propaganda oficial”, garante.

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Eleita a jornalista do ano de 2014, na Colômbia, Ronderos faz uma lista dos ganhos de qualidade que uma cobertura colaborativa pode trazer para os veículos: “As apurações, obviamente, são mais ricas, mais diversas e profundas. A probabilidade de erro diminui quando usamos os conhecimentos das reportagens locais e mais especializadas. Além disso, a repercussão da cobertura é maior e a segurança do jornalista aumenta. Sem contar, claro, que sai mais barato para todo mundo”, explica.

E as desvantagens? Bem, a jornalista colombiana prefere falar em dificuldades. A começar pela própria comunicação, que exige tempo de paciência. Ela recomenda que antes de se começar um trabalho colaborativo de jornalismo se tenha clareza sobre os objetivos e o processo de apuração: “É preciso também ter espírito de solidariedade para incluir os veículos menores, mais frágeis e com menos recursos. Eles têm uma contribuição grande a dar”.

Ilustração: Christina Chung / ICIJ
Ilustração: Christina Chung / ICIJ

Maria Teresa conta que, neste momento, o Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (Clip) trabalha com três iniciativas de colaboração novas, envolvendo 20 veículos de comunicação de vários países, dos Estados Unidos até o Brasil. Mas a ideia é fortalecer ainda mais o Clip para garantir que meios médios e pequenos possam fazer também os seus trabalhos de investigação: “Queremos que o cidadão, que está cansado dos abusos de poder públicos e privados na América Latina, encontre no jornalismo sério um aliado forte para enfrentar essa situação”.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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