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Um necrotério de injustiças e violações socioambientais chamado Brasil

ODS 10ODS 16 • Publicada em 14 de dezembro de 2022 - 17:27 • Atualizada em 14 de dezembro de 2022 - 18:52

Sendo o Brasil um país de desigualdade estrutural, infelizmente acredito que nos acostumamos a navegar por más notícias. Digo isso fazendo uma autocrítica, que me leva à reflexão de como a celebração de pequenos e grandes passos fica comprometida diante de um estado disfuncional de democracia. A equipe de transição do novo governo Lula concluiu os trabalhos e entregou um grande furo de reportagem: oito novas unidades de conservação (UCs) serão criadas nos estados do Amazonas, Pará, Piauí, Paraíba e no Mato Grosso (sendo este último ainda pendente, pois há questões burocráticas ainda a serem resolvidas). Essa notícia é tão significativa, já que trata-se de uma pauta ausente nos últimos tempos, que merece destaque, retrospectiva e cobrança.

Leu essa? Área de garimpo em Terras Indígenas cresceu 632% desde 2010

Durante o governo Bolsonaro, não houve absolutamente nenhuma criação de unidade de conservação. Responsáveis pela proteção de espécies e atividades educativas direcionadas à sensibilização ambiental, as UCs têm um papel decisivo na justiça ambiental, pois prezam pela diversidade ecológica e o controle da ocupação territorial. Protegidas pelo Poder Público, elas são palco de pesquisas científicas, visitação pública e turismo ecológico. Esperamos que a criação de mais oito Unidades de Conservação democratize o acesso a esses espaços e comprometa mais brasileiros e brasileiras de todas as gerações e classes sociais com as lacunas socioambientais no Brasil.

Além disso, 74 terras indígenas homologadas não foram demarcadas. Logo nos primeiros dias do governo Lula, o que já está decidido é que haverá uma guarda nacional ambiental treinada e supervisionada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Não posso deixar de mencionar a necessidade prioritária de recomposição dos quadros e cargos do Ibama. Há aproximadamente 2.500 posições ociosas no órgão e, no último concurso, há uma lista de espera com 700 candidatos e candidatas aprovadas. Sem renovação, não haverá mudança.

Soma-se a isso, outra proposta do governo de transição foi a questão persistente da situação do garimpo ilegal no Brasil. De acordo com o MapBiomas, o solo amazônico possui o maior número de garimpos do país. Para cortar o mal de raiz, haverá a supressão das linhas de suprimento que mantém os garimpeiros atuando. Na prática, isso significa que, em vez de iniciar uma “caça aos garimpeiros”, a nova estratégia tem a expectativa de que eles saiam de suas rotas clandestinas por inanição, que é caracterizada por um estágio de total ausência do consumo alimentar, também conhecido como “fome crônica”.

Um dos projetos que participei como fact-checking do Especial Emergência Climática, do Portal Lunetas, me colocou em contato com dados assustadores em relação ao garimpo ilegal e as infâncias. O último atlas “Amazônia sob pressão” (2020), da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), denunciou que a Amazônia contava com 4.472 locais de exploração ilegal identificados presentes em mais da metade em território brasileiro. Como esse mapeamento é datado de dois anos atrás, estima-se que tenhamos muito mais. A Terra Yanomami, considerada a maior reserva indígena do Brasil, conta com a presença de 30 mil povos indígenas cotidianamente ameaçados pela presença de 20 mil garimpeiros. Além disso, crianças Yanomami morrem 10 vezes mais por causas evitáveis do que a média nacional. Essa conta sangrenta de exploração ilegal não fecha.

Reunião durante o XIII Encontro de Mulheres Yanomami: carta ao presidente Lula denunciando ataques e ameaças aos povos indígenas (Foto: Juruna Yanomami/ HAY / Amazônia Real)
Reunião durante o XIII Encontro de Mulheres Yanomami: carta ao presidente Lula denunciando ataques e ameaças aos povos indígenas (Foto: Juruna Yanomami/ HAY / Amazônia Real)

Digo mais: o próprio relatório “Yanomami sob ataque”, publicado em abril deste ano, alarmou que a exploração ilegal dentro da reserva avançou 3.350% entre 2016 a 2020. Em 2021, o garimpo cresceu 46% a mais do que o ano anterior.

“O ataque aos povos da Terra Indígena Yanomami já ocorreu na década de 1980, com a invasão de mais de 40 mil garimpeiros. Hoje, em 2022, a história se repete. Isso é muito grave”, denunciou Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, responsável pela produção do relatório mencionado anteriormente.

As violações de direitos e abusos passam por estupro de meninas, aliciamento de mulheres, o impacto da contaminação por mercúrio, desnutrição, aumento da malária, ataques e conflitos armados. “Estamos com medo de comer os peixes doentes. Estamos com medo de que nossas crianças fiquem deficientes”, segundo um trecho da carta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinada por 49 lideranças na última segunda-feira, 12 de dezembro, no XIII Encontro Anual de Mulheres Yanomami.

Iniciei o texto falando sobre celebrar boas notícias, mas – contraditoriamente – dissertei muito mais sobre as mazelas aqui. Isso é apenas mais um sinal de que ainda temos muito pela frente para reverter a política de morte e cenários de injustiça socioambiental. Faltam 17 dias para o Brasil recomeçar!

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