Área de garimpo na Terra Indígena Yanomami aumentou 275% em um ano

Garimpo na região do rio Couto de Magalhães, na Terra Indígena Yanomami: área ocupada pelos garimpeiros em Terras Indígenas aumentou 632% desde 2010 (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 30/04/2021)

De acordo com o MapBiomas, o avanço do garimpo sobre terras indígenas no Brasil foi de 632% entre 2010 e 2021

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 16 • Publicada em 27 de setembro de 2022 - 08:30 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 09:20

Garimpo na região do rio Couto de Magalhães, na Terra Indígena Yanomami: área ocupada pelos garimpeiros em Terras Indígenas aumentou 632% desde 2010 (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 30/04/2021)

Em apenas um ano, a área de garimpo dentro de Terras Indígenas cresceu 25%, com um aumento descontrolado nos territórios mais atingidos pela atividade ilegal: o avanço foi de 52% na Terra Indígena Kayapó (Pará), a que tem maior área com atuação de garimpeiros, assustadores 198% na Terra Indígena Munduruku, também no Pará, e escandalosos 275% na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. De acordo com o Mapeamento Anual de Mineração e Garimpo no Brasil, realizado pelo MapBiomas e divulgado nesta terça com os dados de 2021, o avanço do garimpo sobre terras indígenas foi de 632% entre 2010 e 2021.

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A área de garimpo no Brasil dobrou em apenas uma década e confirmou a tendência de suplantar a mineração industrial, também indicam os mais recentes dados do MapBiomas, que identificou o total do território brasileiro ocupado por essas atividades desde 1985 até o ano passado – o garimpo passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021. A mineração industrial, por sua vez, precisou de duas décadas para ver os 86 mil hectares de área ocupada em 2001 dobrarem para os 170 mil hectares registrados em 2021. De acordo com o levantamento, este é o terceiro ano consecutivo no qual o território ocupado pelo garimpo é maior do que a área de mineração industrial.

A expansão garimpeira na Amazônia foi mais intensa em áreas protegidas, como Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs). Entre 2010 e 2021, as áreas de garimpo nas TIs cresceram 632%, ocupando quase 20 mil hectares no ano passado: o mapeamento anual anterior apontou que o garimpo ocupava, ilegalmente, cerca de 15 mil hectares desses territórios.  A evolução da área tomada pelos garimpeiros mostra o estrago provocado pelo governo Bolsonaro: o tamanho da invasão nas terras indígenas praticamente dobrou de 2018, quando ficou em torno de 10 mil hectares, para 2021.

Esse ataque aos territórios dos povos originários não foi pacífico. Os kayapós, no sudoeste do Pará, vivem sob o cerco do garimpo: de 2020 para 2021, a área ocupada pela mineração ilegal subiu de 7.602 hectares para 11542, de acordo com o levantamento do MapBiomas. A violência veio junto: na semana passada, líderes indígenas foram ameaçados de morte após operação da Polícia Federal e do Ibama contra o garimpo ilegal na região, onde há o clima de tensão é permanente.

A Terra Indígena Munduruku – onde a ocupação dos garimpos avançou de 1.592 para 4.743 hectares (aumento de 275%) de 2020 para 2021 – é outra área ameaçada pela violência.  Pelo menos quatro indígenas foram assassinados na região desde 2019. Duas lideranças indígenas Mundurukus – Alessandra Korap e Maria Leusa – sofrem frequentes ameaças de morte. Em 2021, a sede da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku, onde as duas atuam, foi depredada por garimpeiros; no mesmo ano, a casa de Maria Leusa foi incendiada.

Na Terra Yanomami, onde a área tomada pelo garimpo ilegal quase quadruplicou em um ano (de 414 para 1556 hectares, 275% de aumento), a violência explodiu no governo Bolsonaro. Em maio de 2022, uma adolescente de 12 anos foi estuprada e morta; em outubro de 2021, duas crianças morreram após serem engolidas por uma draga do garimpo; no mês seguinte, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) denunciou o assassinato de três indígenas do grupo em isolamento voluntário Moxihatëtëma.

O mapeamento divulgado nesta terça indica ainda que há outros territórios indígenas sob a intensa cobiça dos garimpeiros. O ranking do MapBiomas aponta que, depois das áreas de Kayapós, Mundurukus e Yanomamis, a terra indígena mais explorada foi a Tenharim do Igarapé Preto, no sudeste do Amazonas: 1.044 hectares; em 2020, essa ára,sequer aparecia entre as 10 mais ocupadas pelos garimpeiros. Em seguida, vem o território Apyterewa, tno Pará, onde a área tomada pelo garimpo mais do que triplicou entre 2020 e 2021 – de 55 para 172 hectares.

O garimpo cresceu 352% dentro de Unidades de Conservação entre 2010 e 2021, indicam os dados mais recentes do MapBiomas. A série histórica mostra que a área ocupada até 2010 encontrava-se abaixo de 20 mil hectares. Em 2021, já eram quase60 mil hectares. Desse total, quase dois terços ficam na APA do Tapajós, onde o garimpo já ocupa43.266 hectares. Em segundo lugar vem a Flona do Amanã, com 5.400 hectares, seguida pela Flona do Crepori (1.686 hectares), a Parna do Rio Novo (1.637 hectares) e a Flona do Jamari (1.191 hectares).

Os dados alarmantes sobre as Terras Indígenas e Unidades de Conservação ilustram outra informação do mapeamento. A expansão do garimpo tem foco no bioma Amazônia. “A série histórica mostra um crescimento ininterrupto do garimpo e um ritmo mais acentuado que a mineração industrial na última década, além de uma inequívoca tendência de concentração na Amazônia, onde se localizam 91,6% da área garimpada no Brasil em 2021”, explica Cesar Diniz, coordenador técnico do mapeamento. Na série histórica, o garimpo, iniciada em 1985, só suplantou a área ocupada pela mineração industrial no final do século passado, entre 1989 e 2000.

Dois estados- Pará e Mato Grosso – respondem por 71,6% das áreas mineradas no país, ou seja, quando somamos a mineração industrial e a atividade garimpeira. Mas, quando o garimpo é considerado isoladamente, o percentual sobe para 91,9%. São 113.777 hectares de garimpo no Pará e 59.624 hectares no Mato Grosso. Quatro dos cinco municípios brasileiros com maior área de garimpo ficam no Pará: Itaituba (57.215 hectares), Jacareacanga (15.265 hectares), São Félix do Xingu (8.126 hectares) e Ourilândia do Norte (7.642 hectares). Em terceiro lugar ficou Peixoto do Azevedo, no Mato Grosso, com 11.221 hectares.

Ao todo, a Amazônia concentrava 242.564 hectares de área minerada (ou seja, somando garimpo emineração industrial) em 2021. No caso da Mata Atlântica, esse total é de 63.892 hectares; noCerrado, 46.070 hectares. A liderança da Amazônia permanece quando analisamos somente o garimpo, com 179.913 hectares. O Cerrado assume o segundo lugar, com distantes 13.253 hectares; a Mata Atlântica, por sua vez, concentra 2.299 hectares.

No caso da mineração industrial, a situação é diferente. Há quase um equilíbrio entre a área ocupada na Amazônia (62.650 hectares) e na Mata Atlântica (61.593 hectares). Outros 32.817 hectares ficam no Cerrado. A diferença fica por conta de Minas Gerais, estado que lidera a modalidade industrial, com quase metade (46,9%) do total nacional, ou 61.181 hectares. Os outros estados com maior área de mineração industrial são Pará  (42.216 hectares), Goiás (11.606 hectares), Amazonas (8.166hectares) e Bahia (7.442 hectares). Juntos, Minas Gerais e Pará respondem por 79,2% da área de mineração industrial brasileira.

Mineração industrial e garimpo diferem também em relação às substâncias minerais exploradas. Enquanto a mineração industrial tem um foco mais diversificado (ferro, alumínio, cobre, níquel e outros), o garimpo é concentrado em poucas substâncias (ouro e estanho): 83% da área ocupada por garimpo está relacionada à extração de ouro e 7% de estanho. No caso da mineração industrial, 22% da área é de mineração de ferro, 20% de alumínio e 12% de calcário.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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