Democracia estilhaçada: reunião de Lula com os 3 poderes mostra força após atos terroristas

Prédio do STF ao fundo, visto de janela quebrada do Palácio do Planalto. Foto Lauro Neto

Flávio Dino, ministro da Justiça, diz que Bolsonaro tem responsabilidade política por atos golpistas: ‘Todos que se dedicaram ao ódio são responsáveis”

Por Lauro Neto | ODS 16 • Publicada em 10 de janeiro de 2023 - 15:30 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:48

Prédio do STF ao fundo, visto de janela quebrada do Palácio do Planalto. Foto Lauro Neto

Para os bolsonaristas que duvidavam de que Luiz Inácio Lula da Silva subiria a rampa do Palácio do Planalto para tomar posse, o presidente respondeu com um gesto de grandeza ao descer a mesma rampa e caminhar até o STF um dia após os ataques terroristas aos três poderes. Ao lado de  governadores ou representantes, de todos os estados,, de ministros da Suprema Corte e dos presidentes da Câmara e em exercício do Senado, Lula demonstrou força e unidade, ainda que a democracia tenha saído estilhaçada no último domingo. O Colabora acompanhou a caminhada e ouviu ministros e governadores.

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O day after foi um dia de contabilizar os prejuízos, alguns incalculáveis e, literalmente, juntar os cacos. Mesmo com o ágil trabalho de equipe de limpeza, os danos dos ataques terroristas da véspera ainda eram visíveis. Os vidros quebrados estavam lá amontoados logo ao lado da guarida de entrada, que teve uma de suas paredes de vidro destruída. O Palácio em si tornou-se uma casa nada engraçada, não tinha janela, não tinha nada.

Apesar de ter ficado sem chão no último domingo, a democracia saiu fortalecida. E a mesma imprensa que também foi atacada nos atos terroristas, entrou na Casa. Houve repórter ameaçado com arma no dia anterior que se reuniu a portas fechadas com autoridades governamentais para relatar os atos criminosos do qual foi vítima. Teve fotógrafa agredida com socos e chutes por 10 covardes bolsonaristas, que roubaram seu celular, seu cartão de memória e suas fotos.

Mas as imagens de terror e barbárie não vão sair da memória brasileira tão facilmente. Assim como o presidente Lula lembrou da resistência dos torturados pela ditadura na reunião com governadores, ministros do STF e presidentes do Legislativo na noite desta segunda-feira (8), os três poderes, unidos, resistiram a mais uma tentativa de golpe.

Vidros do prédio do STF destruídos após os atentados. Mensagens com erros de português fizeram parte do dia desastroso. Foto Lauro Neto
Vidros do prédio do STF destruídos após os atentados. Mensagens com erros de português fizeram parte do dia desastroso. Foto Lauro Neto

Barroso faz piada com pichação ‘Perdel, mané’

No STF, prédio mais danificado segundo a perícia, os estragos ainda eram mais visíveis. Se a equipe da limpeza já havia dado conta dos excrementos expelidos pelos bolsonaristas às trevas da escatologia de Olavo de Carvalho, porque penico não tinha ali, continuavam lá pichações feitas por “cristãos” e “vândalos de bem”, como “Feliz é a nação cujo Deus é o senhor” e “Deixem em paz nossa crianças” (sic), assim mesmo, com erro de concordância. Como canta Criolo, “meninos mimados não podem reger a nação”.

Após a caminhada pelo que na véspera se tornou a Rua dos Bobos, o ministro Luiz Barroso resumiu, em uma resposta espirituosa gramaticalmente que viralizou nas redes, a ironia ante a ignorância. Ao ser questionado se ele se arrependia de ter dito a frase “Perdeu, mané” a um bolsonarista, a mesma que foi pichada em vários vidros do STF, Barroso respondeu de forma bem-humorada: “Eu me arrependo mesmo, porque tem um “Perdel, mané’ com ‘L’ ali . Isso sim é de lascar”, brincou Barroso.

Perderam nas urnas em outubro de 2022 e perderam ontem novamente. Com mais de 1500 suspeitos de terrorismo presos e detidos até agora, uma força-tarefa virtual da sociedade civil ainda ajuda as autoridades a reconhecer os criminosos por fotos e vídeos postados por eles nas redes.

O ex-presidente Jair Bolsonaro também foi às redes para tentar se eximir da responsabilidade e influência nos ataques terroristas, mas, sem condená-los. Escreveu apenas que as “depredações e invasões de prédios públicos (…) fogem à regra”. Como já não é exceção à regra no seu script, Bolsonaro se internou em um hospital em Orlando, para onde fugiu para não ter que passar a faixa presidencial a Lula.

Dino diz que Bolsonaro tem responsabilidade política por atos terroristas

Questionado sobre a parcela de responsabilidade de Bolsonaro nos atos terroristas perpetrados por seus discípulos, o ministro da Justiça, Flávio Dino, explicou que, por mais que não seja possível identificar sua responsabilidade jurídica, ele exerceu influência política: “Politicamente, vemos que há uma relação entre mensagens de ódio e de destruição, ataques a ministros do Supremo, à instituição Poder Judiciário e isso que acabamos de ver. Sem dúvida, todos aqueles, inclusive o ex-presidente, que se dedicaram ao ódio como ferramenta política, são politicamente responsáveis”, disse Dino.

O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, deu uma resposta na mesma linha, com a ressalva de não poder acusar Bolsonaro pela responsabilidade imediata na organização dos atos terroristas pelo fato de ele estar fora do país.

“Evidentemente que toda pregação, ao longo de quatro anos de mandato do ex-presidente, foi um estímulo à intolerância, à forma não cortês do tratamento das divergências entre pessoas, até dentro das famílias. Ele trouxe para cá uma cultura do ódio que não era própria do povo brasileiro. Subliminarmente, ao pregar durante quatro anos o que ele pregou, estimulou muita gente a achar que esse seria o caminho correto”, explicou o senador.

Tarcísio de Freitas alega que não foram necessárias prisões em SP

Ex-ministro da Defesa, Wagner considerou um erro o fato de não ter havido prisões nos acampamentos golpistas em São Paulo. Já o governador paulista Tarcísio de Freitas alegou que as prisões não foram necessárias, pois as manifestações teriam acontecido de forma pacífica, e a Polícia Militar (PM) estaria conseguindo desmobilizar as pessoas que estavam na frente dos quartéis na base do diálogo, do convencimento e da conversa.

“Conseguimos estruturar uma operação para proteger instalações críticas, como o Porto de Santos, os aeroportos de Congonhas e Guarulhos, as principais rodovias para impedir bloqueios, refinarias, prédios que poderiam ser alvos de vandalismo. Montamos um gabinete de crise, com uma mobilização permanente no centro de operações da PM. Tudo está transcorrendo dentro da normalidade, não tivemos nenhum problema, estamos monitorando muito de perto. Tenho certeza de que tudo vai transcorrer da melhor forma possível”, acredita Tarcísio, que negou ter notícias sobre a internação de Bolsonaro.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, também disse que não foram necessárias prisões no Rio de Janeiro, pois quando a PM chegou ao acampamento bolsonarista na Praça Duque de Caxias para cumprir a determinação do STF, não havia mais ninguém. Questionado se Bolsonaro tinha alguma parcela de responsabilidade sobre a invasão dos prédios dos Três Poderes, Castro, que foi apoiador do ex-presidente ao longo de seu mandato e na sua campanha de reeleição, tergiversou.

“Tem que ter investigação para demonstrar isso. Não consigo enxergar, mas não estou por dentro das investigações, das coisas de inteligência. Para quem está vendo lá do Rio de Janeiro, não parece ter nada. As instituições estão aí para demonstrar se houve ou não”, esquivou-se o governador, que acrescentou que não se arrepende nem um pouco de ter apoiado Bolsonaro.

Cláudio Castro se reúne com Lula para tratar de pautas do Rio

Vida que segue, Castro se reuniu, na manhã desta terça-feira (10), com o presidente Lula para tratar de pautas do Rio, como a revisão das bases do regime de recuperação fiscal, as obras do governo federal paralisadas no estado e outros investimentos. Sobre a reunião da noite anterior, ele fez um balanço positivo.

“Os governadores deram uma prova de civilidade, que a defesa da democracia é uma pauta de todos os partidos e linhas políticas, todos aqueles que querem o bem do Brasil. Todos os estados representados aqui. Isso é uma demonstração de maturidade política e vontade de diálogo. Esse país unido, unificado, trabalhando pelo povo. Fico feliz em enxergar isso nos governadores, despidos de qualquer opinião pessoal ou preferência”, analisou.

Por fim, o governador do Rio respondeu ao questionamento do Colabora sobre a declaração de Flávio Dino de que esclarecer o caso Marielle “é uma questão de honra”:

“Acho importantíssimo. Qualquer coisa colaborativa, estamos querendo ajuda”, afirmou Castro.

Lauro Neto

Carioca, mas cidadão do mundo. De carona na boleia de um caminhão ou na classe executiva de um voo rumo ao Qatar, sempre de malas prontas. Na cobertura de um tiroteio na cracolândia do Jacarezinho ou entrevistando Scarlett Johansson num hotel 5 estrelas em Los Angeles, a mesma dedicação. Curioso por natureza, sempre atrás de uma boa história para contar. Jornalista formado na UFRJ e no Colégio Santo Inácio. Em 11 anos de jornal O Globo, colaborou com quase todas as editorias. Destaque para a área de educação, em que ganhou o Prêmio Estácio em 2013 e 2015. Foi colunista do Panorama Esportivo e cobriu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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