Calor nos oceanos, aumento do nível do mar e perda de geleiras: como 2023 quebrou todos os recordes climáticos

Temperatura acima de 40 graus no Rio: relatório aponta que 2023 teve recordes de calor, de aquecimento dos oceanos e de derretimento de geleiras (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

Relatório de agência da ONU mostra que ondas de calor, inundações, secas e ciclones tropicais se intensificaram rapidamente com aumento da fome e dos refugiados climáticos

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 19 de março de 2024 - 13:02 • Atualizada em 21 de março de 2024 - 09:15

Temperatura acima de 40 graus no Rio: relatório aponta que 2023 teve recordes de calor, de aquecimento dos oceanos e de derretimento de geleiras (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

Relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostra que 2023 foi o ano mais quente da história mas que muitos outros recordes foram quebrados ou esmagados: níveis de gases com efeito de estufa, temperaturas da superfície da terra, calor e acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, cobertura de gelo marinho na Antártida e recuo dos geleiras no Ártico e em outras partes.

Estou muito preocupada com as notícias do calor no Rio. Ainda vamos confirmar os valores pelo nosso monitoramento, mas a mensagem é clara: nós estamos tendo temperaturas muito mais altas do que nós costumávamos ter e a população não está preparada para enfrentar isso

Celeste Saulo
Secretária-Geral da Organização Meteorológica Mundial

O Estado do Clima Global 2023 da agência da ONU destaca que ondas de calor, inundações, secas, incêndios florestais e ciclones tropicais se intensificaram rapidamente no ano passado. “Nunca estivemos tão perto – embora de forma temporária neste momento – do limite inferior de 1,5°C do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas” lembrou a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo. “A comunidade da OMM está a soando o Alerta Vermelho ao mundo”, acrescentou. “Nós tivemos um recorde de calor em 2023 e tudo aponta que 2024 baterá este recorde; já tivemos o janeiro mais quente da história e o fevereiro mais quente já registrado”, apontou Omar Baddour, chefe de Monitoramento Climático da OMM.

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Na entrevista coletiva após a apresentação do relatório, a meteorologista argentina Celeste Saulo, primeira mulher e primeira sul-americana a chefiar a OMM, destacou, ao responder a uma pergunta sobre o recente marca de 62 graus de sensação térmica no Rio de Janeiro, que as cidades e as populações não estão preparadas para o aumento das temperaturas. “Estou muito preocupada com as notícias do calor no Rio. Ainda vamos confirmar os valores pelo nosso monitoramento, mas a mensagem é clara: nós estamos tendo temperaturas muito mais altas do que nós costumávamos ter e a população não está preparada para enfrentar isso. A infraestrutura não está preparada, as casas não estão preparadas. Por isso, falamos em alerta vermelho”, disse.

A secretária-geral da OMM lembrou que as populações do Sul Global são mais vulneráveis aos eventos extremos que estão se tornando cada vez mais frequentes. “Nós devemos focar todos os nossos recursos para ajudar essas populações que sofrem com a falta de infraestrutura e investimento para lidar com a crise climático e com os eventos climáticos extremos”, afirmou Celeste Saulo. Omar Baddour acrescentou que o calor e a seca extrema vêm afetando a agricultura e aumento o nível de insegurança alimentar. “Temos mais pessoas enfrentando a fome hoje do que em 2018. E também estamos vendo o aumento do número de pessoas desalojados pelos eventos climáticos extremos”, frisou o chefe de Monitoramento Climático da OMM.

O relatório aponta que o número de pessoas que sofrem de insegurança alimentar aguda em todo o mundo mais do que duplicou, passando de 149 milhões de pessoas antes da pandemia de covid-19 para 333 milhões de pessoas em 2023 – nos 78 países monitorizados pelo Programa Alimentar Mundial. Os extremos meteorológicos e climáticos podem não ser a causa principal, em muitos casos, mas são sempre fatores agravantes, de acordo com a OMM. “A crise climática é o grande desafio que a humanidade enfrenta e está intimamente ligada à crise da desigualdade – como testemunhado pela crescente insegurança alimentar e pelo deslocamento populacional, e pela perda de biodiversidade”, disse Celeste Saulo.

Oceanos mais quentes, nível do mar subindo

O relatório da OMM aponta que, em 2023, o nível médio global do mar atingiu um novo máximo no registro por satélite (desde 1993). O nível do mar subiu 3,34 mm por ano, em média, nos últimos 30 anos. E a taxa de subida do nível do mar tem aumentado: mais do que duplicou, passando de 2,13 mm/ano entre 1993 e 2002 para 4,77 mm/ano entre 2014 e 2023. De acordo com a OMM, isto se deve ao contínuo aquecimento dos oceanos – que faz com que a água se expanda – bem como ao derretimento de geleiras e mantos de gelo.

O calor dos oceanos atingiu o seu nível mais alto no ano passado desde o começo dos registros há 65 anos. “A mudança das condições La Niña para El Niño em meados de 2023 contribuiu para o rápido aumento da temperatura, sentido tanto em terra como na água”, alerta o relatório.

Os autores do estudo ressaltam contudo que, os padrões típicos de aquecimento associados ao fenômeno El Niñp – o aquecimento das águas do Oceano Pacífico – não explicam outras áreas de aquecimento incomum, como no Atlântico Nordeste. Esta parte do oceano sofreu ondas de calor marinhas generalizadas a partir da primavera, com picos em setembro, persistindo até ao final do ano, quando as temperaturas estavam 3°C acima da média.

O relatório também afirma que, num dia normal de 2023, quase um terço dos oceanos globais foi assolado por alguma onda de calor marinha, prejudicando os ecossistemas marinhos e os recifes de coral. No final do ano, mais de 90% do oceano tinha experimentado condições de ondas de calor em algum momento.

As temperaturas médias globais da superfície do mar (TSM) atingiram um máximo histórico a partir de abril. E os especialistas da OMM esperam que o aquecimento continue em 2024 – uma mudança que é irreversível em escalas de centenas a milhares de anos.

Casal de pinguins imperadores em ilha no Mar de Weddell, nq Antártica: degelo antecipado causaou10 mil mortes de filhotes no fim de 2022 (Foto: Michael Nolan / Robert Harding RF / AFP - 15/11/2021)
Casal de pinguins imperadores em ilha no Mar de Weddell, nq Antártica: degelo antecipado causaou10 mil mortes de filhotes no fim de 2022 (Foto: Michael Nolan / Robert Harding RF / AFP – 15/11/2021)

Gelo derretendo rapidamente

O relatório Estado do Clima Global 2023 revela ainda que a extensão do gelo marinho antártico (a área total coberta por pelo menos 15% de concentração de gelo) foi de longe a mais baixa já registrada: No final do inverno do ano passado, estava 1 milhão de quilômetros quadrados abaixo do ano recorde anterior.

Aquilo que os cientistas chamam de glaciares de “referência” globais – aqueles que foram monitorizados durante tempo suficiente para medir as alterações relacionadas com o clima – também sofreram a maior perda de gelo desde que há registro (1950). Isto foi impulsionado pelo derretimento extremo na América do Norte e na Europa. “As geleiras nos Alpes Europeus sofreram uma temporada de derretimento extremo. Na Suíça, os glaciares perderam cerca de 10% do seu volume restante nos últimos dois anos”, revela o relatório.

De acordo com a OMM, o aumento a longo prazo da temperatura global deve-se ao aumento das concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera – em grande parte devido à queima de combustíveis fósseis. As concentrações dos três principais gases com efeito de estufa – dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – atingiram níveis recorde em 2022. Dados em tempo real de locais específicos mostram um aumento contínuo em 2023. Os níveis de CO2 são 50% mais elevados do que na era pré-industrial, retendo calor na atmosfera.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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