Arte baseada em dados para denunciar emergência climática

‘Gestagrama’ com dados sobre os nascimentos nos mais municípios e dados de poluição na exposição: arte usando dados como matéria-prima (Foto: Oscar Valporto)

Exposição no Rio mostra formas artísticas com dados como matéria-prima informações para alertar sobre a crise do clima e outros problemas socioambientais

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 1 de abril de 2024 - 10:01 • Atualizada em 5 de abril de 2024 - 09:36

‘Gestagrama’ com dados sobre os nascimentos nos mais municípios e dados de poluição na exposição: arte usando dados como matéria-prima (Foto: Oscar Valporto)

O peso médio dos recém-nascidos em 400 municípios brasileiros com poluição atmosférica, as taxas de desmatamento na Amazônia, os 12 perfis do Twitter que mais espalharam desinformação durante a pandemia de covid-19, os locais onde estão instalados os servidores dos 100 mais acessados do Brasil. Estas informações são a matéria-prima de algumas obras da exposição Existência Numérica – Emergências, reunindo brasileiros e estrangeiros que usam dados como base para sua representação artística. Vídeos, tapeçarias, animação computacional, projeções e instalações fazem parte da mostra, aberta dia 27/03, que fica até 23 de junho (de quarta a domingo) no Centro Cultural Futuros – Arte e Tecnologia, na Zona Sul do Rio.

O uso de dados para produzir obras artísticas ganhou força a partir do começo do século e, no Brasil, faz parte dos estudos desenvolvidos no LabVis, Laboratório da Visualidade e Visualização da na Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2010. Foi ali que nasceu a primeira edição da exposição Existência Numérica, realizada em 2018, no mesmo local, que atraiu mais de 25 mil visitantes. “Aquela primeira exposição tinha como objetivo apresentar a visualização artística de dados a um público mais abrangente, mostrar forma de arte ainda pouco conhecida”, explicou a curadora Bárbara Castro, doutora em Artes Visuais pela EBA e professora adjunta da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi) da UERJ. “Nesta segunda exposição, queríamos focar mais nas mudanças climáticas, mas acabamos ampliando para abraçar outras emergências socioambientais”, acrescentou a artista, fundadora e diretora do estúdio Ambos&& que une design, arte e tecnologia para projetos culturais e educativos.

Bárbara Castro divide a curadoria da exposição com Doris Kosminski, professora e pesquisadora da UFRJ nos Programas de Pós-graduação em Artes Visuais e Design e fundadora e coordenadora do LabVis, e Luiz Ludwig, professor de Design da PUC-Rio e doutorando em Artes Visuais na EBA-UFRJ: os três têm trabalhos na exposição. “Ainda não há muitos trabalhos artísticos baseados em dados, é uma área em desenvolvimento”, explicou a curadora. “Comparado com o momento da primeira edição da exposição, o público atual parece ter mais compreensão sobre o design e a arte com dados”, afirmou a professora Doris Kosminski.

O trabalho da fundadora do LabVis, ao lado dos colegas Claudio Esperança e Ximena Illarramendi, na exposição usa um vídeo randômico, relacionando dados sobre poluição em 400 municípios brasileiros do Sisam (Sistema de Informações Ambientais Integrado à Saúde) com o peso médio dos bebês nascidos nessas cidades (dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivo – Sinasc). A imagem dominante de “Gestagrama, paisagem da desigualdade”, criada por computador, é de um feto, ao lado de informações sobre que característica da mãe diminui o peso do récem-nascido: mulheres sem vínculo conjugal; pretas; sem estudo ou com ensino fundamental incompleto; menores de 13 anos ou maiores de 48; e com três ou menos exames pré-natal realizados durante a gravidez.

'Tempestade perfeita" do, português Pedro Miguel Cruz em parceria com a americana Chloe Hudson Prock: instalação usa o furacão como metáfora da sensação de ameaça climática iminente (Foto: Divulgação)
‘Tempestade perfeita” do, português Pedro Miguel Cruz em parceria com a americana Chloe Hudson Prock: instalação usa o furacão como metáfora da sensação de ameaça climática iminente (Foto: Divulgação)

Gestagrama derivou de um projeto anterior voltado para a saúde materna e neonatal e poluição. “Coletamos um número enorme de dados sobre os nascimentos dos brasileiros nos mais de 5700 municípios e também dados de poluição. O resultado foi um painel voltado para tomadores de decisão e técnicos da área da saúde e do meio ambiente. Tivemos vontade de seguir trabalhando com estes mesmos dados, mas para criar algo que fosse atraente para o público não especializado. Que fosse bonito, cativante, mas que também pudesse gerar perguntas”, explicou Doris Kosminsky.

As impurezas da atmosfera também são a matéria-prima do trabalho do austríaco Dietmar Offenhuber, que traz em fotos e vídeos de sua instalação “Rastros de Poluição”. A obra – apresentada em espaços públicos através de grafite reverso – chama a atenção para a poluição acumulada ao removê-la parcialmente.  Problemas ambientais também inspiram o trabalho do português Pedro Miguel Cruz em parceria com a americana Chloe Hudson Prock – a instalação “A Tempestade Perfeita” usa o furacão como metáfora da sensação de ameaça iminente, com dados sobre as emissões de gases de efeito estufa e o Índice de Risco Climático do Banco Mundial.

'Mata', arte computacional de Bárbara Castro relaciona o ciclo de respiração com o desmatamento: dados do Inpe sobre a Amazônia como matéria-prima (Foto: Divulgação)
‘Mata’, arte computacional de Bárbara Castro relaciona o ciclo de respiração com o desmatamento: dados do Inpe sobre a Amazônia como matéria-prima (Foto: Divulgação)

E os dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) serviram de matéria-prima para o trabalho de arte computacional de Bárbara Castro – Mata – que está na exposição.  A artista usa fractais, formas geométricas, que remetem tanto aos pulmões como a árvores, em vídeo gerado por computador, criando um ciclo de respiração – inspire, expire – que vai se tornando mais acelerado, conforme o avanço dos números de desmatamento na Amazônia. “Eu tenho trabalhado com visualização de dados como instrumento de sensibilização socioambiental. A sensibilização abre o caminho para a compreensão”, afirmou a artista, lembrando que começou a ter ideia de relacionar desmatamento e respiração quando a fumaça das queimadas na Amazônia encobriu a cidade de São Paulo em 2019.

Apóstolos das Fake News

A segunda edição de Existência Numérica teve acrescentado o ‘Emergências’ não apenas para falar de crise climática e problemas socioambientais como para homenagear o cientista húngaro Albert-László Barabási, reconhecido internacionalmente como o papa da rede de dados e pioneiro em aplicar sua experiência em big data e ciência de redes para transformar pesquisas em arte. “Quando eu era jovem, queria ser escultor, mas havia poucas vagas para estudar escultura nas universidades. Aí, decidi por um caminho muito mais fácil: a física”, contou Barabási, 57 anos, nascido na Romênia e radicado há décadas nos Estados, durante o seminário no sobre arte baseada em dados no primeiro dia da exposição no Centro Cultural Futuros – Arte e Tecnologia, mantido pelo Instituto Oi Futuro.

O cientista/artista húngaro Albert-László Barabási durante seminário sobre arte baseada em dados no Rio: "um grande desafio para a ciência sempre foi conseguir que o público compreendesse os dados e a visualização dos dados facilita a compreensão" (Foto: Oscar Valporto)
O cientista/artista húngaro Albert-László Barabási durante seminário sobre arte baseada em dados no Rio: “um grande desafio para a ciência sempre foi conseguir que o público compreendesse os dados e a visualização dos dados facilita a compreensão” (Foto: Oscar Valporto)

Sua obra “Emergências”, que ajuda a batizar a exposição, foi criada com bordados a partir dos dados de ligações de telefones celulares em situações de emergência, uma pesquisa encomendada ao seu Barabasi Lab – fundado em 2004, com foco na ciência de redes, por uma empresa espanhola para rastrear a conexão das reações humanas no momento de um evento ameaçador (explosão de bombas, incêndios, tumultos nas ruas). A conclusão da pesquisa foi que, apesar de muitas conexões ficarem restritas, algumas poucas testemunhas criaram uma consciência global, desencadeando o envolvimento de centenas de indivíduos. “Creio que um grande desafio para a ciência sempre foi conseguir que o público compreendesse os dados e a visualização dos dados facilita a compreensão”, disse Barabási no seminário.

Na exposição, o cientista/artista também apresenta o trabalho encomendado ao Barabási Lab pela revista científica Nature, a mais respeitada do mundo, para celebrar seus 150 anos. Vídeo e impressão de backlight foram feitos a partir da análise de dados de toda a história da revista, mapeando a extensa rede que conecta 88 mil artigos publicados na Nature, impressa pela primeira vez em 1869. As imagens feitas com base nos dados das conexões ocuparam cinco páginas da edição especial publicada em 2019.

Animação em 3D 'Apóstolos das Fake News': formas mostrando a disseminação das notícias falsas durante a epidemia de covid-19 (Reprodução)
Animação em 3D ‘Apóstolos das Fake News’: formas mostrando a disseminação das notícias falsas durante a epidemia de covid-19 (Reprodução)

A obra mais recente de Albert-László Barabási exibida na exposição é Os Apóstolos das Fake News, animação 3D generativa criada com base nos dados do Observatório de Notícias Falsas do Network Science Institute, em Boston, Estados Unidos, revelando os 12 perfis no antigo twitter que desempenharam papel crucial na disseminação das notícias falsas durante a epidemia de covid-19 e o lançamento das vacinas contra a doença. Foram analisados mais de 200 mil perfis que espalharam notícias falsas até serem identificados os 12 apóstolos. “Esses 12 foram responsáveis por 70% da disseminação de notícias falsas. Entre eles, está este Robert Kennedy, que é candidato a presidente”, contou Barabási, acrescentando que o trabalho ainda está em andamento e ele e sua equipe fizeram, como desdobramento, murais impressos com as hashtags mais usadas pelos apóstolos

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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