Lula brinca de roleta-russa com a Amazônia e dá um tiro no pé

Imagem do rio Oiapoque, na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa: pressão por exploração de petróleo na Amazônia põe em xeque política ambiental do governo Lula. Foto Philippe Bourseiller/AFP

Agenda de curto prazo e falta de maioria no Congresso jogam por terra a política ambiental e podem fazer o país perder apoio internacional

Por Agostinho Vieira | ODS 12 • Publicada em 31 de maio de 2023 - 07:51 • Atualizada em 6 de julho de 2023 - 09:49

Imagem do rio Oiapoque, na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa: pressão por exploração de petróleo na Amazônia põe em xeque política ambiental do governo Lula. Foto Philippe Bourseiller/AFP

O debate dos últimos dias sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente transformaram o governo Lula em um alvo gigante, daqueles que todos querem acertar. Entre os atiradores, políticos de esquerda, de direita, de centro, ambientalistas, empresários e moradores da região. Cada um deles será capaz de contar a mesma história por diferentes ângulos, todos com alguma parcela de razão ou fundo de verdade. Com tantos interesses envolvidos, apenas duas certezas ganham destaque: 1) a solução não é simples, muito menos óbvia; 2) a decisão não pode ser apenas técnica, ela é basicamente política. A boa notícia é que esse campo, o da política, é exatamente onde o presidente Lula mais gosta e sabe atuar.

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Existem, pelo menos, cinco grupos interessados nessa discussão, cada um deles com o seu pacote de verdades: os políticos locais, especialmente os do Amapá; a Petrobrás e parte da bancada do PT; a oposição; os moradores da região; e, por fim, o resto da humanidade, onde é possível incluir os ambientalistas.

Os políticos locais – Em primeiro lugar é importante registrar o assombro que é um estado tão pequeno como o Amapá, juntar tanto político influente. Neste momento, estão do mesmo lado, o lado do petróleo, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, que até ontem fazia parte da Rede, partido da ministra Marina Silva; o ex-governador e atual ministro da Integração Regional, Waldez Góes, do PDT; e o senador Davi Alcolumbre, do União Brasil, presidente da Comissão de Constituição e Justiça e um dos mais prestigiados da casa. Ao comentar a decisão do Ibama de negar a licença para a Petrobrás procurar petróleo no chamado bloco 59, a 160 quilômetros da costa do Amapá, na bacia da Foz do Amazonas, Randolfe Rodrigues sentenciou: “Foi uma decisão infeliz, lamentável e que desrespeita todos os amapaenses”. É claro que a decisão do Ibama não desrespeita ninguém, é só uma decisão técnica, mas Randolfe, Waldez e Alcolumbre estão só jogando para a torcida. No caso, os eleitores do Amapá.

A Petrobrás e o PT – Há muitos anos, a Vale e a Petrobrás dividem o título de maiores empresas brasileiras, com alguma folga. Elas dividem também o título de maiores poluidores do país, seja pela exploração dos recursos naturais ou pela emissão de gases de efeito estufa. Os últimos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) deixam claro que o mundo precisa reduzir imediatamente as emissões de gases de efeito estufa, se quisermos interromper a aceleração do aquecimento global. Para isso, a Agência Internacional de Energia diz que NENHUM novo projeto de exploração de petróleo ou carvão pode ser iniciado. A transição energética é para ontem. Ok, mas quem vai largar o osso primeiro? Na Petrobrás, o discurso é de que a Amazônia seria a última fronteira a ser explorada, a última oportunidade. Parte do PT e da base aliada concorda com esse discurso e vê na exploração de petróleo uma nova oportunidade de receita, de crescimento econômico, de geração de renda, de empregos e de votos.

A oposição – Para o PL, maior partido de oposição no Congresso, e para os outros partidos que apoiavam o ex-presidente Bolsonaro, essa crise veio como uma benção divina. Ela deixa o presidente Lula numa sinuca de bico. Se vetar a exploração de petróleo na Amazônia, ele perde uma parte considerável da base que tem no Congresso, perde receita e apoio dos empresários. Se aprovar a exploração perde também, prestígio internacional, votos e, talvez, alguns ministros importantes.

Os moradores da região – Essa é uma parte importante da equação. Uma frase muito usada na política diz que “no longo prazo, estaremos todos mortos”. Muito se fala em preservar a Amazônia, no potencial da biodiversidade. Só que os cerca de 40 milhões de habitantes da região continuam tendo contas para pagar no fim do mês. Até quando eles vão ter que esperar? Qual é a contrapartida do governo ou da sociedade para que eles mantenham a floresta em pé? É verdade que a indústria da destruição da floresta, do desmatamento, da produção de gado e de soja também não têm ajudado muito, mas é preciso oferecer alguma saída para essas pessoas. Quem sabe usando recursos do Fundo Amazônia, criando uma Bolsa Família Verde ou investindo mais em biodiversidade.

O resto da humanidade – Os quatro grupos anteriores: políticos locais, Petrobrás e PT, oposição e moradores da região, apesar das diferenças, poderiam perfeitamente ser agrupados em um único grupo, com o nome de Agenda de Curto Prazo. Eles estão buscando votos, divisas, royalties, crescimento econômico, dinheiro na conta…Acontece que essa brincadeira de explorar petróleo na Amazônia e de esvaziar a área ambiental é perigosa demais. Trata-se de uma espécie de roleta-russa que pode matar não só o atual governo, mas o futuro do país, da região Amazônica e de parte da humanidade. O climatologista Carlos Nobre, uma das principais referências em mudanças climáticas no Brasil e um dos maiores pesquisadores da floresta, sustenta que o potencial da biodiversidade na Amazônia é superior ao do pré-sal. São milhares de espécies de plantas que podem ser usadas para fins medicinais, alimentícios, cosméticos, têxteis etc. O problema é que não investimos nisso e, até hoje, o conhecimento sobre esse “mercado” não chega a 10%. E estamos destruindo a riqueza antes de saber para que serve.

Já o biólogo Antonio Nobre lembra que a Amazônia produz 20% da água do doce do planeta. Todos os dias o bioma lança na atmosfera, via transpiração das árvores, uma quantidade maior de água do que a do rio Amazonas. A usina de Itaipu precisaria operar na potência máxima durante 145 anos para conseguir evaporar o mesmo volume de água que a floresta exala em 24 horas. Como disse João Moreira Salles, em seu livro “Arrabalde”: “É a Amazônia que nos põe e nos tira da cena internacional. Compreende-se: se a floresta se for, as leis inclementes da biofísica nos dizem que será preciso esquecer a vida que temos hoje, pois ela será outra. Lidaremos com distúrbios causados por seca, fome e doença, principalmente no Brasil, mas não só”.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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