A China vai enriquecer antes de envelhecer?

Turistas visitam o Templo de Confúcio em Nanjing, província de Jiangsu, no leste da China. De acordo com o centro de dados do Ministério da Cultura e Turismo, o número de turistas nacionais durante o Festival Nacional do Meio Outono chegou a 826 milhões. Foto Costfoto/NurPhoto via AFP

Entre os muitos desafios chineses, está o de aumentar simultaneamente o bem-estar da população e o bem-estar ambiental

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 12 • Publicada em 9 de outubro de 2023 - 08:46 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 11:40

Turistas visitam o Templo de Confúcio em Nanjing, província de Jiangsu, no leste da China. De acordo com o centro de dados do Ministério da Cultura e Turismo, o número de turistas nacionais durante o Festival Nacional do Meio Outono chegou a 826 milhões. Foto Costfoto/NurPhoto via AFP

A China é um país com uma história longa e rica, tendo contribuído significativamente para a humanidade ao longo dos séculos. Tradicionalmente, por milhares de anos, a China manteve uma população numerosa, predominantemente jovem e com uma baixa proporção de idosos. No entanto, esse cenário começou a se transformar a partir da transição de fecundidade iniciada na década de 1970 e que foi acompanhada de uma rápida e profunda mudança na estrutura etária.

O gráfico abaixo, com base na projeção média da Divisão de População da ONU, indica a evolução da população chinesa a partir de quatro grupos etários entre 1950 e 2100. O grupo etário 0-19 anos tinha um montante de 241 milhões de crianças e adolescentes em 1950, representando 44,4% da população total. Durante a década de 1960, houve a Revolução Cultural na China, com elevação das taxas de fecundidade e um rejuvenescimento da estrutura etária. Em 1970, o número de jovens no grupo etário de 0-19 passou para 428 milhões de indivíduos, representando 52% da população total.

Mas o quadro mudou e o número de jovens de 0-19 anos atingiu o pico em 1982, com 474 milhões de pessoas, representando 46,8% da população. Nas décadas seguintes o número diminuiu consistentemente. Para o ano de 2100, a ONU estima 104 milhões de jovens, representando somente 13,6% da população total da China. Portanto, o número de jovens chineses de 0-19 anos vai ser diminuído em mais da metade, entre 1950 e 2100, sendo reduzido quase 5 vezes entre 1982 e 2100.

O grupo etário 20-39 anos tinha 158 milhões de pessoas em 1950, representando 29% da população total e cresceu até o pico de 439 milhões de pessoas 1996, quando representava 35,8% da população. A partir de 1997 esse grupo de adultos jovens iniciou uma trajetória de declínio absoluto e relativo, devendo chegar em 2100 com “apenas” 131 milhões de pessoas, representando 17,1% da população total.

O grupo etário 40-59 anos tinha 101 milhões de pessoas em 1950 (18,6% da população) e deve atingir um pico em 2028, com 429 milhões de pessoas, representando 30,2% da população. A partir de 2041 deve diminuir para 170 milhões de pessoas em 2100 (22,1% da população).

Já o grupo de idosos de 60 anos e mais tinha somente 44 milhões de pessoas em 1950, representado meros 8% da população total. Em 1970, havia 51 milhões de idosos, representando 6,1% do conjunto populacional. No século XXI, o número de idosos chineses vai disparar até o pico de 518 milhões de pessoas com 60 anos e mais de idade em 2054, representando 40,7% da população total. A partir de 2055 o número absoluto de chineses vai diminuir, mas a percentagem vai continuar crescendo. As estimativas da ONU, para 2100, indicam um total de 362 milhões de idosos, representando 47,2% da população total.

Desta forma, a China passou de uma população jovem entre 1950 e 1990, para um país de jovens adultos entre 1990 e 2020, vai ser considerada uma sociedade adulta entre 2020 e 2033 e será uma sociedade plenamente envelhecida a partir de 2034.

O gráfico abaixo mostra a comparação do envelhecimento populacional no mundo, na China e no Brasil. Nota-se que a China tinha uma percentagem de idosos pouco acima da média brasileira na segunda metade do século XX, mas abaixo da média mundial. Contudo, o quadro mudou completamente no século XXI e a China deverá chegar a 47,2% de idosos de 60 anos e mais de idade em 2100, contra 40% do Brasil e 30% do mundo.

O gráfico abaixo mostra que o início do decrescimento da população em idade ativa (PIA) ocorreu antes do decrescimento da população total e vai apresentar uma redução mais significativa. A população total estava em 1,4 bilhão de habitantes em 2022 e vai cair aproximadamente pela metade, para 767 milhões de habitantes em 2100. Mas a PIA chinesa começou a cair em 2011, quanto chegou a 929 milhões de pessoas em idade ativa (15-59 anos), e deve diminuir cerca de 3 vezes, para 330 milhões de pessoas em 2100.

Este grande decrescimento da força de trabalho potencial da China não irá ocorrer de maneira uniforme. O gráfico abaixo mostra que a população em idade ativa crescia nas décadas entre 1950 e 2010. Mas já apresentou um declínio de 13,5 milhões de pessoas na década passada (2011-20), deve apresentar um decrescimento de 54,1 milhões de pessoas na atual década (2021-30) e deve perder impressionantes 126,9 milhões de pessoas na década de 2041 a 2050 (uma diminuição de 12,7 milhões de pessoas por ano). Na década de 2071 a 2080 a perda deve ser de 9,8 milhões de pessoas por ano. Um encolhimento impressionante da força de trabalho potencial.

Sem dúvida, a China terá um dos processos de envelhecimento populacional mais profundos e rápidos do mundo. A literatura econômica internacional mostra que existe uma alta correlação entre o maior percentual de idosos na população e a redução do crescimento econômico. Mostra também que todos os países que enriqueceram (com alto padrão de vida da população) alcançaram o clube dos países ricos antes de envelhecer. Portanto, cabe uma pergunta: A China vai enriquecer antes de envelhecer?

Tudo vai depender dos avanços do desenvolvimento humano dos próximos 10 ou 15 anos. A China já fez um progresso monumental na melhoria do padrão de vida da sua população. O gráfico abaixo, com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), mostra a renda per capita do Brasil e da China de 1980 a 2022, com projeções até 2028. Nota-se que o Brasil tinha uma renda per capita de US$ 11,4 mil em 1980, cerca de 17 vezes maior do que a renda per capita chinesa, de somente US$ 674.

Mas 40 anos de crescimento espetacular fizeram a renda per capita chinesa ultrapassar a renda per capita brasileira. Em 2022 a renda per capita da China alcançou US$ 18,1 mil, contra uma renda per capita brasileira de US$ 15,2 mil. Para 2028, o FMI estima uma renda per capita de US$ 23,3 mil na China e de US$ 15,8 mil no Brasil. Se consideramos o patamar de US$ 30 mil como um valor piso para os países de alta renda, a China está muito mais próxima do que o Brasil de entrar no clube dos países ricos.

De fato, a China aproveitou o 1º bônus demográfico de maneira plena, enquanto o Brasil aproveitou de maneira parcial. A China chegou a ter quase 60% da população ocupada, enquanto o Brasil nunca passou de 50%. O trabalho é a fonte de riqueza das nações como já explicaram autores de linhas bem diferentes como Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx (1818-1883). Por conseguinte, quanto maior é a proporção das pessoas ocupadas em atividades produtivas, maior é o crescimento da renda per capita.

Mas o 1º bônus demográfico é temporário e termina quanto a PIA começa a diminuir. Neste sentido, o 1º bônus já terminou na China, mas ainda tem um horizonte de cerca de 10 anos no Brasil. Ou seja, a janela de oportunidade ainda não se fechou completamente para os brasileiros.

O fim do 1º bônus demográfico é inevitável para todos os países. Mas embora possa trazer dificuldades devido à redução proporcional do número de trabalhadores, não significa o fim do desenvolvimento humano, uma vez que a redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por trabalhadores mais produtivos que produzem mais com menos. Há outros dois bônus.

O 2º bônus demográfico – ou bônus da produtividade – ocorre quando há aumento do capital fixo no conjunto da economia e uma maior intensidade de capital por trabalhador. Maiores taxas de investimento são fundamentais para melhorar a qualidade da saúde e da educação, para geração de empregos decentes, para uma infraestrutura mais eficiente, para avanços na pesquisa, ciência e tecnologia e para aumentar a produção de bens e serviços mesmo com menor número de pessoas em idade produtiva.

O gráfico abaixo mostra as taxas de poupança e investimento do Brasil e da China de 1980 a 2028. O contraste é muito grande entre os dois países, pois a China apresenta uma taxa média de poupança, em todo o período, de 42% do PIB, cerca de 2,5 vezes maior do que as taxas brasileiras e uma taxa de investimento de 40% do PIB, o dobro da taxa brasileira. Desta forma, a China consegue renovar toda a estrutura produtiva em pouco tempo e faz isto contando com poupança feita em casa, o que possibilita investir no resto do mundo, como a Iniciativa Cinturão e Rota. Investindo em infraestrutura, energia e em uma cadeia de fornecimento integrada, a China fortalece seus laços geoestratégicos e impulsiona a renovação da sua economia, priorizando a consolidação de setores produtivos de alto valor agregado, que demandam menor intensidade de força de trabalho.

Enquanto isto, o nível de investimento do Brasil é suficiente, praticamente, apenas para repor a depreciação do capital. Exatamente por isto a renda per capita brasileira está estagnada, enquanto a renda per capita chinesa continua crescendo mesmo com um processo de envelhecimento populacional mais acelerado.

Por fim, existe o 3º bônus demográfico – ou bônus da longevidade – pois é possível contar com o crescente potencial de uma população idosa saudável, educada e ativa. Quanto um país aumenta os índices de desenvolvimento humano todas as gerações ganham e a maior sinergia entre os diversos grupos etários faz o conjunto da população progredir.

A China tem índices de envelhecimento maiores do que os brasileiras. Contudo, mantém um ritmo de crescimento da renda per capita bem superior ao ritmo brasileiro e, tendo altas taxas de poupança e investimento, pode conseguir enriquecer (alcançar uma renda em torno de US$ 30 mil) antes de envelhecer sua estrutura etária.

Já o Brasil tem uma janela de oportunidade um pouco maior e mais longa do que no caso da China. Contando com os 3 bônus demográficos, o Brasil teria cerca de 20 a 25 anos para enriquecer antes de envelhecer totalmente. Mas para tanto seria preciso dobrar a renda per capita até meados do atual século, embora nos últimos 10 anos a renda per capita brasileira tenha ficado estagnada.

A china é classificada atualmente como um país em desenvolvimento, mas com grande ambição de ser uma potência global. Há uma crescente tensão econômica e militar nas relações ente China e EUA e o fim da “diplomacia dos pandas” é o mais recente tensionamento. Hoje em dia se fala muito sobre as múltiplas fraquezas da economia chinesa, sobre a crise do setor imobiliário, as cidades fantasmas, a turbulência política nos altos escalões, os enormes desafios ambientais e a perspectiva de um iminente colapso demográfico. Algumas preocupações são reais e outras são exageradas.

É certo que o ritmo de crescimento econômico irá diminuir, e os ganhos de renda per capita vão desacelerar. No entanto, a China pode avançar investindo na economia verde e de baixo carbono, acelerando a transição energética e reduzindo suas enormes emissões de gases de efeito estufa. O decrescimento demográfico e o envelhecimento da estrutura etária, ao invés de serem contabilizados como um passivo, podem ser fatores ativos e essenciais para lidar com as crises climática e ecológica.

O grande desafio chinês será aumentar simultaneamente o bem-estar da população e o bem-estar ambiental. Se as ações corretas forem tomadas, há uma grande chance de a China conseguir enriquecer antes de se tornar uma sociedade plenamente envelhecida.

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

ALVES, JED. China e Índia potências econômicas do passado e potências do futuro, #Colabora, 22/05/2023

https://projetocolabora.com.br/ods12/china-e-india-potencias-economicas-do-passado-e-do-futuro/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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