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Um passeio pelo subúrbio carioca com Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho

Império Serrano e Grande Rio homenageiam sambistas com desfiles cheios de referência ao Rio

ODS 11 • Publicada em 21 de fevereiro de 2023 - 08:01 • Atualizada em 23 de fevereiro de 2023 - 15:09

Essa crônica nasceu quando os deuses do Carnaval determinaram o encontro de Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho na Passarela da Marquês de Sapucaí: as escolas de samba que escolheram os bambas como enredo foram colocadas – pelo sorteio, pelo destino, pelos santos, pelos orixás) para desfilar em sequência no domingo de folia. E Império Serrano e Grande Rio tiveram inspiração semelhante e decidiram contar a trajetória dos cantores e compositores, seguindo seus passos pelos subúrbios da cidade. Nada mais carioca.

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Botequim no desfile do Império Serrano: tradição carioca reverenciada por Arlindo e Zeca (Foto: Oscar Valporto)
Botequim no desfile do Império Serrano: tradição carioca reverenciada por Arlindo e Zeca (Foto: Oscar Valporto)

Na organização dos desfiles do Rio de Janeiro, as escolas de samba fazem sua concentração na Avenida Presidente Vargas – principal artéria do centro do Rio na sua ligação com a Zona Norte. Protagonista o ano inteiro com suas oito pistas, a Presidente Vargas vira coadjuvante da outrora desconhecida Marquês de Sapucaí durante o Carnaval. Talvez seja uma ironia dos deuses: foi a construção da grande avenida, nos anos 1940, que acabou com a Praça Onze, onde nasceram os desfiles das escolas de samba. A própria Presidente Vargas, ao ficar pronta, virou palco dos desfiles até seu deslocamento para a Marquês de Sapucaí, onde foi construída a Passarela do Samba.

Grande Rio com a igreja de São Jorge, no subúrbio de Quintino, e o próprio Santo Guerreiro (ou Ogum): religiosidade na trajetória de Zeca e Arlindo (Foto: Alex Ferro / Riotur)
Grande Rio com a igreja de São Jorge, no subúrbio de Quintino, e o próprio Santo Guerreiro (ou Ogum): religiosidade na trajetória de Zeca e Arlindo (Foto: Alex Ferro / Riotur)

Na noite de domingo, Império Serrano (de Madureira) e Grande Rio (de Duque de Caxias, Baixada Fluminense) armaram seus desfiles – dos dois lados da Presidente Vargas, uma em frente à outra: por acaso (ou outra razão mística), a escola de Caxias, no lado da Central do Brasil, onde chegam os trens da Baixada; o Império, para o lado da antiga Praça Onze. Na concentração, já dava para ver porque os caminhos de Arlindo e Zeca haviam se encontrado no passado. E também como a trajetória dos sambistas era a mesma de tantos cariocas que iam desfilar. Alguns tomavam uma cerveja em frente ao bar cenográfico montado pelo Império Serrano para o enredo “Os lugares de Arlindo”; uma foliã e fiel fazia uma oração em frente à recriação da Igreja de São Jorge, no subúrbio carioca de Quintino, que iria abrir (a igreja e São Jorge) o desfile da Grande Rio em homenagem a Zeca, devoto do Santo Guerreiro.

A mangueirense Beth Carvalho representada em alegoria da Grande Rio: roda de samba do Cacique de Ramos na trajetória dos dois sambistas (Foto: Oscar Valporto)
A mangueirense Beth Carvalho representada em alegoria da Grande Rio: roda de samba do Cacique de Ramos na trajetória dos dois sambistas (Foto: Oscar Valporto)

Sambistas da mesma geração, Arlindo Cruz (65 anos) e Zeca Pagodinho (64) se conheceram num pagode na Zona Norte do Rio – há controvérsias se foi em Cascadura ou Quintino. Tinham já em comum o Cacique de Ramos, tradicional bloco do subúrbio de Ramos, que os dois frequentaram: Zeca, um pouco antes de Arlindo. Fantasias de índio em vermelho e branco, remetendo ao Cacique, passaram no Império Serrano e na Grande Rio – na alegoria da escola de Caxias, tem uma roda de samba rodando e uma homenagem à mangueirense Beth Carvalho que lançou cantores e compositores do bloco.

Arlindo Cruz em carro alegórico da Império Serrano: compositor tem sequelas graves de AVC (Foto: Gabriel Monteiro / Riotur)
Arlindo Cruz em carro alegórico da Império Serrano: compositor tem sequelas graves de AVC (Foto: Gabriel Monteiro / Riotur)

Outras referências típicas do Rio de Janeiro repetiram-se nos desfiles das escolas em suas homenagens aos sambistas: a festa de Cosme e Damião, o jogo do bicho, os botequins e, naturalmente, as escolas de samba. O imperiano Arlindo, autor, inclusive, de sambas enredo para escola, desfilou cercado de parentes e amigos – com sua imagem no alto; vítima de um violento AVC há cinco anos, o sambista pouco se mexe; o portelense Zeca veio numa alegoria sob a águia que simboliza sua escola de coração, também ao lado da família e de outros bambas da escola.

Zeca Pagodinho saúda o público na Passarela do Samba: homenagem à Portela (Foto: Oscar Valporto)
Zeca Pagodinho saúda o público na Passarela do Samba: homenagem à Portela (Foto: Oscar Valporto)

O desfile do Império Serrano, apesar de batizado de “Lugares de Arlindo”, foi mais genérico: os botequins, os pagodes, os terreiros de candomblé e o amor foram mais estilizados. Na Grande Rio, o enredo de enorme título – “Ô Zeca, o pagode onde é? Andei descalço, carroça e trem, procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber e batucar” – levou o público a um passeio mais colorido e referencial pelas coisas do subúrbio carioca: pela feira livre e sua xepa, pelo comércio popular a R$ 1,99, pelos blocos Boêmios de Irajá (bairro onde Zeca nasceu) e Bafo da Onça (do Catumbi), pelas pipas e outras brincadeiras de criança, por botecos e pagodes.

Comércio do subúrbio representado no enredo da Grande Rio: cultura carioca (Foto: Alex Ferro / Riotur)
Comércio do subúrbio representado no enredo da Grande Rio: cultura carioca (Foto: Alex Ferro / Riotur)

O desfile terminou em Xerém, área mais rural de Duque de Caxias, onde Zeca Pagodinho tem um sítio – famoso pelas rodas de samba – e também um instituição de ação social. No caminho até lá, a Grande Rio levou uma alegoria – “Diz que fui por aí”,  que lembrou um pouco do trânsito caótico do subúrbio com um ônibus para Piedade, a kombi do sururu na feira, o carro do ovo – este carro alegórico teve problemas de direção e atrapalhou a evolução da escola. Mais carioca só o desfile em sequência para Arlindo e Zeca…

Ônibus, fusca, kombi, carro do ovo: alegoria com dificuldades de locomoção atrapalhou desfile (Foto: Oscar Valporto)
Ônibus, fusca, kombi, carro do ovo: alegoria com dificuldades de locomoção atrapalhou desfile (Foto: Oscar Valporto)

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