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Esperança no Edifício A Noite de quem sonhou com a demolição da Perimetral

Prefeitura do Rio compra prédio histórico de 22 andares na Praça Mauá, abandonado pela União, e quer negociar condomínio residencial ou hotel

ODS 11 • Publicada em 4 de abril de 2023 - 08:22 • Atualizada em 4 de abril de 2023 - 08:28

Costumo dizer que a principal obra do prefeito Eduardo Paes em seus dois primeiros mandatos aqui no Rio de Janeiro foi a demolição do Elevado da Perimetral, um monstrengo de concreto entre o Centro do Rio e a Baía de Guanabara, erguida para atender sua excelência, o automóvel, esta praga urbana. Outras ações foram realizadas para valorizar e reocupar a Zona Portuária, dentro do projeto Porto Maravilha. Não chegamos ainda a esta maravilha, mas, com a derrubada da Perimetral, vieram o Museu de Arte do Rio, o Museu do Amanhã, a transformação do Largo de São Francisco da Prainha em agitada área boêmia, os eventos nos reformados armazéns do porto, a chegada de empresas, o AquaRio.

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Espero poder escrever, no fim desta década, que a principal obra do mesmo prefeito no seu novo mandato foi comprar um prédio abandonado para entregá-lo à exploração da iniciativa privada. O Edifício A Noite – com seus 22 andares, na Praça Mauá, coração do Rio, voltado para a Baía de Guanabara – é hoje uma exibição gigante de fracasso: como uma edificação carregada de história e tradição, o mais alto arranha-céu da América Latina ao ser construído quase um século atrás, pode ficar vazio, à mercê de um longo processo de deterioração?

Edifício A Noite ao lado da estátua do Barão de Mauá: venda de prédio histórico e tombado traz esperança de ocupação por moradias ou hotel (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Edifício A Noite ao lado da estátua do Barão de Mauá: venda de prédio histórico e tombado traz esperança de ocupação por moradias ou hotel (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A história, muitas vezes gloriosa, ajuda a responder a pergunta. O Edifício Joseph Gire – nome oficial do prédio – foi inaugurado em 1929 no terreno comprado pelo empresário americano Percival Farquar, que teve negócios no Brasil nas áreas de energia, transporte ferroviário e mineração. Em 1925, ele conseguiu, numa manobra empresarial, tirar o título do jornal A Noite de seu fundador, Irineu Marinho, que fundaria, então, O Globo. No novo prédio, Farquar instalou a redação de seu jornal e fixou, no alto do prédio, um letreiro, com a inscrição A Noite, estratégia publicitária que acabou popularizando o nome.

O Edifício A Noite ficou imediatamente famoso e não só por ser então o mais alto do país e da América Latina, Joseph Gire, o homenageado, era um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do edifício – ficou famoso também pelos projetos do Copacabana Palace e o Hotel Glória. Seu parceiro na concepção do prédio – em estilo art déco e erguido em concreto armado – foi o carioca Elisiário Bahiana, que depois projetaria o Viaduto do Chá (1934) e o prédio do Mappin (1936) em São Paulo.

Em 1936, o grupo do jornal inaugurou no prédio a Rádio Nacional, inclusive com um enorme auditório, onde passaram a se apresentar os mais famosos astros da música brasileira. Quatro anos depois, o Estado Novo de Getúlio Vargas encampou todos os negócios de Percival Farquar, inclusive as ferrovias, o Edifício A Noite e a Rádio Nacional, que atravessou com sucesso os anos 50 e 60, com seus programas musicais de auditório, radionovelas, humorísticos, transmissão de jogos de futebol e noticiários. A vida carioca ainda passou por lá durante muitos anos.

Com a transferência da capital para Brasília e o esvaziamento do Centro do Rio, o Edifício A Noite, sob a gestão inepta da União, perdeu inquilinos e foi-se tornando um prédio fantasma até fechar completamente após a transferência da Rádio Nacional, também cambaleante, para a Lapa, onde estão sediados outros veículos da rede do governo federal. Quando a Zona Portuária começou a ganhar movimento na década passada, o prédio já estava deserto e abandonado.

Depois de três fracassados leilões, cada vez com o preço mínimo mais mínimo, promovidos pelo governo federal (o último em 2022), a Prefeitura do Rio fez um acordo e vai pagar R$ 28,9 milhões pelo Edifício A Noite. O prefeito Eduardo Paes disse que não pretende investir mais: quer revender o terreno para um empreendimento habitacional ou hoteleiro para avançar na revitalização do Centro e da Zona Portuária.

Torço para que o Edifício A Noite seja ocupado por moradias (mas não sou contra um hotel), preservando o auditório da Rádio Nacional, abrindo o terraço para visitas. Imagino uma nova Praça Mauá, como ponto de irradiação residencial, que chegue a todo o Centro e também à Zona Portuária. Sou carioca e tenho esperança: toda vez que ia à praça, geralmente a trabalho, ficava deprimido com aquele lugar escuro e mal tratado, tomado por ônibus, coberto pelo elevado. E sonhava com a demolição da Perimetral.

Hoje, passo muito na Praça Mauá, frequento os museus, subo o Morro da Conceição, tomo qualquer coisa no Largo da Prainha, vou nas rodas de samba da Pedra do Sal. De qualquer lugar, dá para ver e lamentar o prédio ainda abandonado. Mas, pelo menos, agora vai dar para torcer, imaginar e sonhar um futuro para o Edifício A Noite.

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