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Solidariedade alimenta

ODS 1ODS 2 • Publicada em 19 de dezembro de 2022 - 08:48

(Daniel Antunes*) – É dezembro – e chegada a hora das músicas festivas nas ruas e lojas, dos sorteios de Amigo Secreto, das inúmeras confraternizações e, para muita gente, de renovar as esperanças, de mentalizar e espalhar o bem. Imagino que nesse ano de 2022, que para muitos pareceu durar uns 24 meses ou mais, especialmente aqui no Brasil com tantos acontecimentos decisivos, esse período tenha sido ansiosamente esperado. Para a ActionAid e, arrisco afirmar, tantas outras organizações da sociedade civil, esse foi um ano de incessante trabalho, especialmente para mantermos acesa em coração e mentes a solidariedade que aflorou ainda mais durante a pandemia da Covid-19. Mesmo porque, apesar do enfraquecimento do vírus e da volta às atividades, seus terríveis impactos sociais persistirão por longo período. Além de uma forma de agradecimento a todas e todos que vêm apoiando nosso trabalho em diversas frentes, esse texto é um convite à reflexão sobre o poder da solidariedade.

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Sou diretor de Mobilização de Recursos da ActionAid, e isso significa que uma das minhas responsabilidades é gerenciar ou conduzir ações que atraiam atenção das pessoas para contribuírem com nosso trabalho e que, ao mesmo tempo, reflitam nossos valores e o respeito que temos àqueles que são beneficiados pelas inúmeras atividades da organização. Respeito que começa por compreender e destacar que os efeitos da pandemia e de demais crises não afligem as pessoas de forma aleatória. Não são grupos de pessoas com azar ou amaldiçoadas as que sofrem mais com a Covid-19 ou a fome, menos ainda que se esforcem menos do que outras em busca do sustento. Estamos falando de grandes contingentes que são historicamente afetados por decisões políticas e econômicas e, dessa vez e mais uma vez, ainda não foi diferente.

As escolhas feitas e a falta de ações culminaram não só com o aumento da fome – atingindo 33 milhões de pessoas no país, como sempre lembramos nesta coluna – mas com o crescimento recorde do número de brasileiras e brasileiros que vivem na pobreza ou na extrema pobreza, conforme anunciado este mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Temos hoje no Brasil 62,5 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, o que corresponde a 29,4% da população total, e entre elas, são 17,9 milhões que vivem na extrema pobreza (8,4% dos cidadãos e cidadãs).

Desde o início da pandemia, além de continuarmos integrados à luta da sociedade civil em defesa de ações governamentais e políticas públicas para mudar essa realidade, tínhamos também o papel de agir, de mobilizar apoios e recursos para fazer parte ainda mais fortemente da solução do problema, além de minimizar de alguma forma, de imediato, os impactos devastadores das crises ocorrentes. A luta pela superação da fome e da pobreza faz parte da essência da ActionAid desde a sua formação. Mas estávamos diante de circunstâncias inéditas, a começar pela quantidade de pessoas em insegurança alimentar e extrema vulnerabilidade conforme avançava a pandemia. E tínhamos mais do que números como meta: nosso desafio era entregar comida de verdade, de preferência produzida pela agricultura familiar e baseada em agroecologia, para manter vivas as cadeias de produtores locais e a proteção dos ecossistemas das regiões. Uma comida que também ajudaria a mover uma roda de oportunidades e geração de renda para mais pessoas em cada comunidade mais fortemente afetada. Porque a fome não é apenas a falta da comida, é também a alimentação inadequada, aquela baseada em produtos ultraprocessados, rica em calorias, mas vazia em nutrientes. E a pobreza não é simplesmente ausência de renda, mas de tudo aquilo que impede as pessoas de terem autonomia para fazer escolhas em suas vidas.

Integrantes do projeto Maré de Sabores, apoiado pela ActionAid, organizam quentinhas distribuídas na Maré, no Rio de Janeiro: solidariedade alimenta (Foto: Divulgação / Redes da Maré)
Integrantes do projeto Maré de Sabores, apoiado pela ActionAid, organizam quentinhas distribuídas na Maré, no Rio de Janeiro: solidariedade alimenta (Foto: Divulgação / Redes da Maré)

Aí foi o momento em que a solidariedade, já tão integrada a nossa essência, tornou-se tão mais fundamental. Ganhou espaço de relevância nos grandes veículos de mídia, virou assunto mais frequente no dia a dia das pessoas. Eram as cenas de solidariedade que aqueciam os corações diante de tantas notícias terríveis. Também aqui, na ActionAid, reformulamos campanhas, abrimos ainda mais olhos e ouvidos tanto para as necessidades imediatas das comunidades quanto para os interesses dos doadores. Resposta que veio com força, dada por pessoas que também enfrentavam a pandemia e todas as incertezas trazidas, mas que de alguma forma podiam ajudar e reconheceram a necessidade de tantas outras. Mais do que sentimento, solidariedade é ação. E é ação que, literalmente, alimenta corpos, mas que também nutre a essência de ser humano.

Agora, após agravamento da crise econômica e uma atual sensação de “volta à normalidade”, as doações têm caído ao longo do tempo para muitas organizações. Uma queda que não acompanha o ritmo da recuperação das comunidades em situação de vulnerabilidade, o que não se dará em um curto prazo. Muita gente ainda precisa de apoio. Avaliando responsabilidades e capacidades de todas esferas e instituições da sociedade envolvidas, sabemos que o peso da contribuição da solidariedade ainda é enorme.

Com a proximidade do final do ano, aberta a temporada de balanços sobre o que fizemos e de votos para 2023, deixo aqui um convite para que dediquem minutos de reflexões para pensar nas decisões que fazem a diferença para reduzir a fome e as diversas desigualdades que aprofundam a pobreza no Brasil e no mundo. A escolha dos governantes, a participação em sociedade, as escolhas de consumo, são algumas das decisões que têm impacto individuais e coletivos, especialmente nas pessoas que enfrentam situações de vulnerabilidade. São muitas as formas de doar e de se doar para que todas e todos tenham uma vida mais digna: contribuindo com recursos financeiros, sugerindo para a empresa em que trabalha que se engaje em ações solidárias, compartilhando informações de organizações da sociedade civil para seus amigos e familiares, participando de campanhas sociais, ou mesmo dedicando seu tempo e sua escuta a quem de alguma maneira precisa. Solidariedade alimenta não só a quem recebe, mas a todos que fazem parte desse ciclo.

*Daniel Antunes é diretor de Mobilização de Recursos da ActionAid no Brasil

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