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Veja o que já enviamos‘Ainda estou aqui’: nunca esquecer, nunca perdoar
Filme sobre Eunice Paiva e sua luta após a prisão e o desaparecimento do marido serve para lembrar os crimes da ditadura militar e rechaçar a anistia aos golpistas
Não tem nem uma hora que saí da sessão de “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, e “ainda estou aqui”, sob o efeito do filme, que assisti numa sessão lotada, como a anterior e a seguinte estavam. E que assim continue.
O longa, que pleiteia uma vaga como representante brasileiro no Oscar, é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e narra a história de sua mãe, Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, que enfrenta a prisão e o desaparecimento de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, durante a ditadura militar brasileira nos anos 1970. A trama aborda sua dura luta para descobrir o que aconteceu com o marido e o desafio de criar cinco filhos sozinha – que já seria homérico em qualquer contexto – em meio à repressão política.
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Eu poderia falar por horas sobre as atuações arrebatadoras de Fernanda Torres e Selton Mello e sobre a direção impecável de Walter Salles. Poderia também detalhar cada um dos muitos momentos que me deixou aos prantos, mesmo depois que as luzes se acenderam e deixei a sala de exibição: “Nossa, a moça ainda tá chorando”, disse uma menina que aguardava na fila para a sessão seguinte.
Mas quero falar do arrepio que percorre a espinha dos sensatos ao ver o filme, para além da tristíssima história da família Paiva, que reflete a de muitas outras famílias brasileiras durante a ditadura. Um arrepio familiar, e que, infelizmente, vez ou temos sentido. Em 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito. Quando Marielle Franco foi assassinada. Durante cada direito perdido, questionado ou sucateado de 2019 a 20022. Com a (re)eleição de Donald Trump.
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Veja o que já enviamosToda as vezes em que sentimos que o cerco se fecha sobre a democracia, um sopro de temor chega a nossos cangotes, porque sabemos exatamente o que está em jogo. Sabemos que tem coisa pior acontecendo “por baixo dos panos” quando os direitos são ceifados e a liberdade de fazer, dizer, e ser é suprimida. E óbvio, pensamos em nós mesmos.
Quem tem o mínimo de juízo e se opõe radicalmente a regimes como a ditadura militar pensa, invariavelmente, o que aconteceria se estivesse numa situação como a do filme, dado o contexto. Poderiam me pegar? Me torturar? Me matar? Quem dos meus amigos seria pego? Alguém delataria alguém? E pior: se o pau estivesse cantando pro nosso lado, com alguns privilégios que temos, quem não os tem estaria ainda mais fundo no poço.
E quando assistimos isso numa tela imensa, diante de outros espectadores, bate a pungente certeza de que nada está ganho. Sempre houve, e ainda há, quem compactue com um sistema violento que arranca pais de casa para nunca mais voltarem, deixando viúvas com filhos para criarem sozinhas, sem direito a um velório que as oficializasse como tal.
Essa gente está por aí, mais perto de nós do que gostaríamos e merecíamos. Estiveram presentes nos atos golpistas de 8 de janeiro, e agora imploram por anistia. Quebraram a placa simbólica “Rua Marielle Franco”. Estão ao nosso lado em filas de farmácia dizendo que “Donald Trump é foda”, ignorando o fato de serem escória para o lamentavelmente recém-eleito presidente. Estão escrevendo artigos pedindo respeito à democracia depois de repetidamente atentarem contra ela. Estão em nossos grupos de WhatsApp, em nossas famílias, trabalhando conosco, estão em todo canto! Gozando das mesmas liberdades que nós, e achando alarmismo e radicalismo falar toda vez que falamos sobre .
Infelizmente, já tivemos o dissabor de ver que a história, vez ou outra, se repete, sim, por pior que seja. Até porque o destino de Rubens Paiva é o mesmo de incontáveis homens pretos submetidos diariamente à violência policial, por exemplo.
Mas que os recordes de bilheteria de “Ainda estou aqui” sejam um lembrete de que nenhum direito é dado e garantido: é tudo conquistado, e tudo pode ser destruído. E que cada lágrima, como as que eu derramei no escurinho do cinema, seja um documento, um compromisso coletivo que assumimos em não esquecer e não perdoar os crimes cometidos sob o regime militar ou no desejo insano de que ele retorne. Um contrato que assinamos, como Eunice Paiva fez até o fim da vida, em manter viva uma certeza: “Ditadura nunca mais”.
Por fim, que seja também um recado, um aviso, – uma ameaça até – a quem atenta contra o Estado democrático e assim co-assina atrocidades como as que vemos no filme. Que opere como um mantra, lembrando exatamente o que golpistas merecem: nenhuma anistia.
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