Mercúrio ameaça povo Yanomami

Pesquisa da Fiocruz constata que índices do metal no organismo das crianças chega a 85%

Por Liana Melo | ODS 3 • Publicada em 27 de abril de 2016 - 08:00 • Atualizada em 30 de setembro de 2021 - 16:13

Bebê tem cabelo cortado para verificar dose de mercúrio no seu corpo (Foto: Marcos Wesley/ ISA)

O ouro é uma espécie de maldição para o povo Yanomami. Não bastassem os conflitos sangrentos que cercam a exploração ilegal dentro da reserva indígena, a maior do Brasil, com 9,6 milhões de hectares, no meio da Floresta Amazônica, em Roraima, a extração mineral vem fazendo mal à saúde dos indígenas. Pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), revelou que os índices de contaminação por mercúrio estão bem acima dos permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tolera um percentual de até 6%, e pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), que aceita um índice bem mais baixo, de 1%. Em algumas aldeias,  a contaminação chega a 85%, entre crianças de até 5 anos.

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O levantamento, feito sem recursos oficiais e realizado graças à cooperação de um conjunto de instituições, ocorreu em 19 aldeias. Em uma delas, a comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, constatou-se que 92% do total das amostras recolhidas apresentavam alto índice de contaminação por mercúrio.

Durante a pesquisa, foram coletadas 239 amostras de cabelo.  Após a conclusão do trabalho, no mês passado, as mechas foram devolvidas, para que o ritual de morte fosse cumprido. É tradição entre os Yanomami incinerar os restos mortais do seu povo, o que inclui os cabelos cortados.

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Foram recolhidas também 35 amostras de peixes, que é a base da alimentação. O nível de contaminação entre os peixes não é alarmante como o detectado entre os indígenas. Entre os peixes carnívoros, o índice encontrado foi de 0,14 microgramas por grama de peixe. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o nível preocupante é acima de um micrograma por grama de peixe.

Só que, devido o hábito alimentar, a frequência com que consomem peixe é elevadíssima, já que, muitas vezes, é a única fonte de proteína disponível nas refeições. Dependendo da época do ano, costumam comer peixe no café da manhã, no almoço, no lanche, no jantar. 

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Todos os envolvidos na pesquisa assinaram termos de consentimento autorizando o corte de mechas do cabelo. Os documentos foram traduzidos para as línguas Yanomami e Ye´kwana, assim como o resultado da pesquisa que foi apresentado à comunidade em março.

O levantamento foi fundamental para ajudar o ISA e os indígenas a pressionaram as autoridades a fecharem o cerco ao garimpo de ouro. A exploração e o comércio ilegal são problemas da polícia, mas a contaminação por mercúrio pode levar o país a macular um compromisso internacional, do qual é signatário há três anos. Em 2013, o Brasil assinou a Convenção de Minamata  – tratado global para proteger à saúde humana e o ambiente dos efeitos adversos do mercúrio. O país tem até 2017 para fazer um levantamento completo das principais fontes de emissão. O mercúrio deixado no território indígena é uma destas fontes.

Os pesquisadores da Fiocruz Sandra Hacon e Paulo Basta estão convencidos que o grau de vulnerabilidade dos indígenas é maior do que qualquer outro grupo social exposto ao mercúrio. O motivo é simples: as aldeias estão doentes. Entre os indígenas da região Norte, o índice de desnutrição chega a 46%; entre os Yanomami, o percentual é bem maior, 85%, segundo estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A subnutrição potencializa os efeitos do mercúrio no organismo humano.

Os transtornos à saúde causados por contaminação de mercúrio vão desde alterações neurológicas e renais à perda de memória e retardo. O mercúrio é apenas um dos efeitos da maldição do ouro na Terra Indígena. A população ainda está exposta ao álcool, às drogas e à prostituição – tríade inseparável da operação de garimpo no país.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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