Educação e oportunidade: o papel do ensino na vida de quem comete ato infracional

Maioria dos adolescentes nos centros de aplicação de medida socioeducativa têm déficit educacional

Por Fernanda La Cruz | ODS 4 • Publicada em 31 de agosto de 2022 - 08:56 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:16

Brasil tem 46 mil adolescentes e crianças que cumprem de medidas de internação, internação provisória e semiliberdade (Ilustração: Camila Matos)

Brasil tem 46 mil adolescentes e crianças que cumprem de medidas de internação, internação provisória e semiliberdade (Ilustração: Camila Matos)

Maioria dos adolescentes nos centros de aplicação de medida socioeducativa têm déficit educacional

Por Fernanda La Cruz | ODS 4 • Publicada em 31 de agosto de 2022 - 08:56 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:16

(Com reportagem de Ricardo Hiar) – Quando Marcelo* chegou na unidade de internação da Fundação Casa, no início de 2022, seu histórico escolar indicava que estava apto a ingressar no primeiro ano do ensino médio. Mas logo a equipe escolar encontrou um cenário diferente. O adolescente de 16 anos não era alfabetizado – ao ser solicitado, sequer conseguiu escrever seu primeiro nome.

Muito antes de cometer o ato infracional que o levou à internação na Casa Itaquera, na zona leste de São Paulo, Marcelo perdeu o interesse pela escola. Isso porque cada ano parecia mais difícil, com conteúdos mais complexos somando-se às dificuldades das séries anteriores.

Leu essa? Mais longe da escola, mais perto do conflito com a lei

À medida que crescia, começou a faltar aulas, a chegar tarde e sair mais cedo – e a empregar rebeldia como forma de expressão. “Eu não queria passar vergonha na frente dos outros, então, quando o professor pedia para eu ler algo, eu fazia bagunça, saía da sala ou dava uma resposta atravessada”, conta.

O caso de Marcelo não é exceção. De acordo com informações da instituição, a maioria dos 5 mil adolescentes e jovens que vivem nos 116 centros de aplicação de medida socioeducativa no estado de São Paulo têm déficit educacional, principalmente em relação à escrita, à leitura e à realização das quatro operações matemáticas básicas (soma, subtração, multiplicação e divisão).

Parece um sonho, porque agora quando estudo consigo entender as coisas… tudo faz sentido

Marcelo
Interno da Fundação Casa

O principal desafio é, segundo a gerente de governança escolar da Fundação, Neuza Flores, identificar as lacunas de aprendizagem e desenvolver as competências adequadas à idade e ao ano de cada aluno em tão pouco tempo – uma medida socioeducativa pode durar até dois anos, mas em geral é aplicada em períodos de três, seis ou nove meses. Soma-se a isso o desinteresse que, assim como Marcelo, boa parte dos alunos demonstra. “Eles não entram com disposição para estudar. Muitas vezes, passaram dez anos na escola sem conseguir aprender… o espaço escolar não tem significado”, explica Neuza.

O papel dos professores, nesses casos, é instigar cada aluno dentro de seu universo. “Eles dizem que não querem estudar. Mas você olha o histórico escolar e vê quatro, cinco anos de repetência na mesma série. Isso mostra que ele quis aprender, que ele insistiu todo esse tempo… até que algo mudou”, continua. “Então nós falamos ‘você não quer aprender a escrever uma carta pra sua namorada?’ ou ‘não quer saber pegar um ônibus?’, aí eles dizem que sim, porque isso faz sentido pra eles”.

Recalculando a rota

Ao ingressar na Fundação Casa, todo(a) interno(a) realiza uma avaliação diagnóstica que identifica as dificuldades em relação ao ensino escolar. “Se há muita dificuldade, ele pode ir para os anos iniciais por um curto período. Escolhemos isso porque o professor de ensino médio, em geral, não tem habilidade para alfabetizar e temos apenas alguns meses para ensinar o que ele precisava ter aprendido em quatro anos”, explica Neuza.

As salas recebem de dois até dez alunos por aula, o que possibilita um acompanhamento individualizado. Ali eles permanecem cinco horas por dia, sempre pela manhã. Também se mantêm ocupados também durante a tarde com atividades como pintura, teatro, dança e música. E o retorno vem.

Nossa missão aqui é encantá-los para o estudo, pra isso nos dedicamos a construir vínculos. Nossos professores se entregam mesmo; aqui o professor chora quando vê um aluno voltando pra unidade. Também fazemos oficinas, palestras sobre temas da sociedade, como violência doméstica e masculinidade tóxica. Em resumo, é um estudo que contempla a integralidade deles

Silvana Oliveira Carvalho
Diretora de escola socioeducadora no Rio Grande do Sul

Em geral, os alunos com mais dificuldades conseguem ler o básico em três ou quatro meses. Foi assim com Marcelo que, após cinco meses de unidade, virou frequentador assíduo da biblioteca da unidade, com especial gosto pelos gibis do Cebolinha. “Parece um sonho, porque agora quando estudo consigo entender as coisas… tudo faz sentido”, conta ele, cujas aulas preferidas agora são justamente as de português. Em matemática eles também têm ganhos: centenas de adolescentes e jovens que participam Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) – uma iniciativa do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) promovida pelo Ministério da Educação para escolas públicas e privadas – passam para a segunda fase do concurso. Em 2018, dez estudantes da Fundação receberam prêmio e, em 2019, cinco receberam menção honrosa.

No Rio Grande do Sul, cerca de mil adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa vivem e estudam nas 23 unidades de internação e semiliberdade espalhadas pelo Estado. Por lá, a aplicação das medidas é de responsabilidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase/RS), que vem atuando há décadas para transformar a instituição em um espaço que garante direitos e promove educação. “Eu mesma fico impressionada com o esforço empregado aqui, todo o trabalho de educar é muito diferente e mais complexo do que educar um jovem que mora na sua casa, que tem sua família estruturada“, diz Sônia D’Ávila, presidente da Fase/RS.

Em uma dessas unidades funciona a escola Tom Jobim – uma das nove escolas de socioeducação do Rio Grande do Sul – onde a diretora Silvana Oliveira Carvalho atua há cerca de uma década. O trabalho, segundo ela, envolve mais do que as habilidades comuns aos professores de escolas tradicionais, como a boa comunicação e didática. “Nossa missão aqui é encantá-los para o estudo, pra isso nos dedicamos a construir vínculos. Nossos professores se entregam mesmo; aqui o professor chora quando vê um aluno voltando pra unidade”, explica. “Também fazemos oficinas, palestras sobre temas da sociedade, como violência doméstica e masculinidade tóxica. Em resumo, é um estudo que contempla a integralidade deles”.

Dessa forma, conta Silvana, tem sido possível alcançar a ressocialização completa de muitos jovens – e quando isso acontece, segundo ela, não é apenas um adolescente “resgatado”, mas toda uma geração.

Nem tudo são flores, claro. Casos de violência e abusos em unidades de socioeducação aparecem de tempos em tempos na imprensa, assim como no sistema prisional. E, mesmo que as casas tenham uma proposta de valorização da educação e de resgate dos vínculos sociais dos adolescentes, seguem uma lógica incontestavelmente semelhante à das prisões, com seguranças que fazem rondas, cadeados que trancam portas e isolamento com o mundo exterior.

“Ainda assim, muitos vivenciam pela primeira vez boas condições de alimentação, sono, aprendizado, segurança e outras coisas que nunca tiveram”, diz Silvana. Em abril deste ano, o Marcelo, um adolescente de 19 anos que recebeu liberação após seis meses de medida socioeducativa, disse à diretora da escola que queria permanecer na instituição. “Apesar de desejar a liberdade, ele não queria perder tudo que encontrou aqui.” Isso revela um problema que ainda precisa ser resolvido: não há política pública efetiva de larga escala que acompanhe cada jovem após a saída em liberdade.

Uma vez na rua, eles precisam lidar com os mesmos – e, às vezes, novos – problemas que viviam antes da internação. Desde a privação de itens básicos de sobrevivência, como moradia e alimentação, até lidar com a evolução adquirida perante os pares. “Esse jovem cresceu, foi o primeiro a ler em uma família cuja mãe não lê, o pai não lê, os irmãos não leem. Muitos se sentem mal ao voltar pra casa”, conta a diretora. “Ele já não é mais o mesmo, não se encaixa da mesma forma junto dos familiares nem dos amigos, mas também não pertence ao ‘mundo letrado’. Ele precisa encontrar um novo lugar pra ocupar; e o novo dá medo. Diante dessa necessidade, muitos recuam, dizem que não querem mais aprender”.

Obstáculo à frente

Na mesma unidade de Marcelo, em São Paulo, cumpre medida socioeducativa pela segunda vez o João, de 16 anos. Ele, que começou a trabalhar para o tráfico aos 10, só frequentava a escola para aprender matemática e não ser “passado pra trás” ao vender drogas e prestar conta aos traficantes. Durante a primeira internação, o adolescente pegou gosto pela escola – e evoluiu no aprendizado. Ao sair da unidade, porém, não conseguiu manter o ritmo.

Em função da pandemia, João fazia as atividades da escola online. Sem acesso à uma boa internet em casa não conseguia acompanhar as aulas nem entregar os trabalhos no prazo. Quando o ensino presencial foi liberado, achou que seria mal visto pelos professores e colegas. Acabou preferindo não voltar e, longe da escola, cometeu ato infracional outra vez.

Se eles não vão pra escola, vão pra onde? Muitas vezes a resposta é: circulam em espaços com alta exposição a modelos criminais, sem amparo ou atenção da sociedade

Marina Rezende Bazon
Psicóloga e pesquisadora do Departamento de Psicologia da USP

A relação entre distanciamento da escola e cometimento de ato infracional (ou de crime, no caso de adultos) existe, mesmo. De acordo com a psicóloga e pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Marina Rezende Bazon, que se dedica ao estudo do tema há 20 anos, uma experiência escolar negativa – que pode incluir baixo desempenho, dificuldade de interação ou interação ruim com professores e colegas, estresse e bullying – é preditora, ou seja, pode prever se um indivíduo tende ou não a trilhar uma trajetória infracional.

A explicação é relativamente simples: a escola, como todo mundo sabe, pode ser um espaço potente para o desenvolvimento humano quando a experiência vivida é positiva, mas o contrário também acontece.

Com uma experiência escolar negativa, muitos indivíduos tendem a abandonar a escola. E, sem a escola, perdem um importante espaço de desenvolvimento de condutas pró-sociais. O problema, vale lembrar, não é restrito a jovens que cometem ato infracional: a evasão é um gargalo que o Brasil possui de forma geral. A diferença, segundo Marina, “é que adolescentes que cometem ato infracional evadem antes”.

Momento da evasão é decisivo

A rigor, o percurso na educação básica envolve dois grandes períodos de mudança: a passagem do fundamental I (1º ao 5º ano) para fundamental II (6º ao 9º ano) e do fundamental II para o ensino médio. Ambos os períodos são marcados pela mudança na estrutura de ensino (professores especializados, novas disciplinas etc.) e coincidem com períodos decisivos do desenvolvimento humano (passagem da infância para pré-adolescência, no caso do primeiro; e a aproximação da adolescência com a vida adulta, no caso da segunda).

“Adolescentes que praticam ato infracional evadem entre o quarto e sexto ano, então com 10, 11, 12 anos, geralmente; enquanto temos adolescentes que também evadiram, mas na mudança do fundamental II para o médio, ou nos primeiros anos do médio. Estes, em geral, não se vinculam ao ato infracional”, explica Marina.

A evasão tão precoce revela um problema de frágil vinculação ou de não vinculação escolar. Mas não é, por si só, um fator preditor para o ato infracional ou o crime. Conta também o que a criança ou o adolescente faz durante esse “tempo livre”.

Em comunidades economicamente vulneráveis, as crianças não costumam ter outras atividades socioculturais além da escola. “Se eles não vão pra escola, vão pra onde? Muitas vezes a resposta é: circulam em espaços com alta exposição a modelos criminais, sem amparo ou atenção da sociedade”, diz Marina.

Sei agora que o estudo pode me dar um bom futuro, basta eu querer. Estudar nos dá uma base para a vida e eu não via isso antes…

João
Interno da Fundação Casa

A experiência escolar negativa que leva à evasão, portanto, tem relação com o ato infracional por conta dessa perigosa combinação: desvinculação da escola (que interrompe o processo de amadurecimento das condutas pró-sociais) e aumento da exposição a variáveis de risco (tráfico e uso de drogas, desejo de consumo em um contexto de pobreza etc.). “A desvinculação escolar é muito séria. Os adolescentes passam anos sem monitoramento, sem acompanhamento. O que fizeram durante quatro, cinco anos longe da escola? Nossas instituições não cuidaram deles, até que aos 15, 16 anos aí, sim, passam a ser monitorados pelas instituições, primeiro a polícia, depois a justiça”.

É exatamente esse perfil que Silvana, diretora de escola da Fase, observa. “Eles sempre têm alguma questão com a escola: chegam com pouco conhecimento, têm vínculo equivocado com a escola, não é um vínculo bom, têm distorção idade-série acentuada, foi negligenciado pelas escolas e, principalmente, não têm exercício da fala e da escuta, que são duas características bem características da presença ou falta de presença do professor com esse aluno”. Em função disso, a escola realiza círculos de restauração da paz, em que buscam ressignificar a forma como os alunos veem a escola e os professores e dar qualidade à relação aluno-professor-escola.

Desafio nas escolas de centros de aplicação de medida socioeducativa é fazer internos voltarem a ter interesse pelo ensino (Ilustração: Camila Matos)
Desafio nas escolas de centros de aplicação de medida socioeducativa é fazer internos voltarem a ter interesse pelo ensino (Ilustração: Camila Matos)

Estabelecendo um novo curso

Agora no sétimo mês da segunda internação, João diz perceber maior sentido nos estudos e está cursando o nono ano do ensino fundamental. Ele considera a experiência escolar muito mais efetiva do que na escola anterior, na rua. “Aqui os professores explicam até a gente entender. Melhorei bastante a questão da leitura e acho que consigo interpretar mais as coisas agora. Estou gostando bastante de ler livros de filosofia e de ficção”.

O campo da escola nas unidades socioeducativas costuma mesmo ser bem distinto da vivência nas unidades, funcionando como espaço mais livre para aprender, errar e questionar, segundo Cynthia de Oliveira, coordenadora do grupo de estudos em socioeducação da Universidade de Brasília (UnB). “É o que a gente deseja, pois o processo educativo se faz no vínculo, assim consegue-se, e muitas vezes de forma inédita, possibilitar que eles reflitam, façam ligações entre fatos e situações de suas vidas, desvelem questões sociais para que tenham compreensão do mundo – e a partir daí encontrem formas alternativas de se se colocar no mundo”.

João faz planos para a saída em liberdade, que deve acontecer nos próximos meses: quer fazer um curso de cabeleireiro e outro sobre investimentos na bolsa de valores. “Sei agora que o estudo pode me dar um bom futuro, basta eu querer. Estudar nos dá uma base para a vida e eu não via isso antes…”, conta.

Como funcionam as escolas socioeducadoras

Para assegurar direito à escolarização e oferecer o atendimento aos internos, as entidades socioeducativas, geralmente ligadas às secretarias de justiça e/ou segurança pública, atuam em parcerias com as secretarias de educação.

Ao todo, 237 escolas realizam atividades para adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa, de acordo com o Censo Escolar de 2021. Essas escolas podem ser próprias, ou seja, uma escola completa com recursos, professores e equipamentos próprios dentro das unidades ou podem ser vinculantes – também chamadas de vinculadoras –, que criam um núcleo da escola, cedendo professores para atuarem dentro da unidade.

Ambos os modelos têm vantagens: a escola própria possibilita uma equipe inteira dedicada ao atendimento dos internos. É assim no Rio Grande do Sul. “Esse modelo funciona muito bem pra gente porque estamos 100% focados no desenvolvimento de cada aluno. Os professores que trabalham aqui permanecem porque gostam, porque enxergam a relevância do trabalho feito – tanto que todos são antigos, com 10, 15 anos de casa”, conta Silvana, diretora da Tom Jobim, que opera dentro de uma unidade de Porto Alegre. A desvantagem, discute-se entre pesquisadores, é a fácil identificação de passagem pelo sistema socioeducativo.

O segundo modelo mantém o aluno vinculado à uma escola do território. É assim no estado de São Paulo: “a Fundação Casa não é uma escola, é uma entidade que pratica atendimento socioeducativo. Com esse modelo, o jovem tem o aporte da escola aqui dentro, mas é aluno, por exemplo, da Padre Anchieta – algumas escolas têm até marcação nas salas, pra lembrar que ele é aluno daquela escola. Eles seguem o cronograma da escola e quando saem podem ser integrados mais facilmente”, explica Neuza, a gerente de governança escolar da instituição. A desvantagem nesse modelo é a rotatividade de professores, que dificulta o vínculo com os alunos.

“Independente da discussão sobre o melhor modelo, me parece mais importante que tenhamos equipes dedicadas a compreender a realidade dos socioeducandos”, explica Cyinthia, da UnB. O despreparo dos educadores para conectar os conhecimentos que precisam ser transmitidos de forma personalizada à realidade de adolescentes que vivem em contexto socioeducativo é o ponto-chave que carece de aperfeiçoamento, segundo ela. “Não existem muitas disciplinas com foco nesses estudantes. Eu, pelo menos, desconheço universidades onde a realidade socioeducativa é tão contemplada. A gente vem tentando fazer isso aqui [na UnB], mas é reduzido na realidade nacional, muitos professores se formam sem ter qualquer contato até com questões de direito da criança e do adolescente.”

Com o crescimento da população adolescente e jovem em cumprimento de medida socioeducativa a cada ano, cresce também a demanda por professores habilitados – o Brasil passou de 8,5 mil adolescentes e jovens em 1999 para 17,7 mil em 2010 – e quase triplicou uma década depois, tendo cerca 46 mil adolescentes e jovens atualmente,, de acordo com o mais recente Levantamento Anual do Sistema de Atendimento Socioeducativo – Sinase, de 2020 – podemos criar um gráfico do crescimento nas últimas décadas. Afinal, a garantia de educação de qualidade é, além de um direito, um fator de proteção para a saída em liberdade que pode manter meninos e meninas longe do ato infracional.

Vinculados à escola – e ao ensino técnico e superior depois, se assim desejarem –, adolescentes e jovens têm mais chances de estabelecer um novo curso para a vida. Na Fundação Casa, o Álvaro, de 18 anos, deu um salto no aproveitamento escolar. Há um ano e três meses na internação, ele chegou ainda no sétimo ano. Nesse período teve a oportunidade de fazer a prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e agora está cursando o ensino médio. Com o mesmo incentivo, Jonathan, de 19 anos, também concluiu o ensino médio pelo Encceja na Fundação. Na semana seguinte, após sair em liberdade em março deste ano, começou o curso superior de Tecnologia da Segurança de Informação, pelo SENAC. No tempo livre, tem feito aulas e cursos abertos em instituições como a Universidade de São Paulo e a de Harvard.

Educação transforma

A educação que adolescentes e jovens acessam nas unidades é transformadora porque dá possibilidades: mostra outras formas de se viver. “Em geral eles têm um universo muito limitado e com a educação passam a ter escolha. Isso é ensinar no sentido amplo da palavra, por isso oferecemos esporte, educação profissional, por isso todo o trabalho que fazemos aqui”, conta Neuza.

No entanto, é preciso mais do que acesso à educação para manter o desenvolvimento conquistado. “Eu não diria que me sinto realizada com esse trabalho, porque a gente pensa ‘que ótimo, chegou lá. Mas como vai se manter lá?’ Como garantir que ele vá até o fim do curso?’”, questiona. “E se ele sair não é porque estava aqui dentro, por causa do seu passado. Não é um caminho fácil para qualquer pessoa.”

Erros e acertos

Eu sempre quis ser alguém legal e feliz
Mas com o tempo
Fui me tornando mal e infeliz

Por um lado sei que errei
E quero mudar
Até que a Fase
Está se tornando um bom lugar

Daqui de dentro
Tenho uma visão bem diferente
De que nem todas as pessoas do mundo
Querem ver o mal da gente

Eu sempre gostei de fazer o certo
Mas o errado foi dominando minha vida
Será que eu estava sendo burro ou esperto?

De uns anos pra cá
Andei fazendo coisas fora do normal
Nem eu mesmo me reconhecia mais
Mas muitas pessoas me achavam legal

Na verdade estou aprendendo
Afinal a vida é para isso
Errar e acertar
Mas continuar vivendo

Renato.
Poema do livro “Vozes, pincéis e dobras: manifestações de jovens privados de liberdade”, construído a partir de manifestações artísticas de adolescentes que passaram pela Fase/RS e que foi lançado em 2018.

*Todos os nomes de adolescentes e jovens internos e egressos citados nesta reportagem foram alterados, visando a proteção da identidade assegurada pelo ECA

**Esta reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social

Fernanda La Cruz

Jornalista e mestra em Direitos Humanos. Atua na coordenação de conteúdo de uma agência de comunicação e engajamento social desenvolvendo projetos de comunicação e educomunicação para promoção de causas e sujeitos de clientes como Unesco, Unfpa e Fiocruz. Como repórter freelancer, atua na cobertura de temas como saúde, violências e desenvolvimento social. Desenvolveu reportagens para publicações de UOL, Gazeta do Povo, Jornal do Comércio e Revista Superinteressante, entre outros. Recebeu cinco prêmios jornalísticos universitários e profissionais.

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