Quanto custa um plano de saúde para Lula?

Preços de planos privados excluem maioria dos idosos; quem tem mais de 70 anos sequer consegue receber orçamentos e muito menos contratar serviço

Por Micael Olegário | ODS 3
Publicada em 9 de julho de 2025 - 08:59  -  Atualizada em 9 de julho de 2025 - 10:41
Tempo de leitura: 8 min

O presidente Lula, 79 anos, abraça médico após ter alta de hospital em São Paulo: planos de saúde excluem maioria dos idosos; quem tem mais de 70 anos sequer consegue receber orçamentos e muito menos contratar serviços (Foto: Paulo Pinto / Agência Brasil – 15/10/2024)

Quanto custa um plano de saúde para uma pessoa de 79 anos, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? A pergunta possui relação direta com questões socioeconômicas e também com o etarismo presente na sociedade brasileira. Em geral, as operadoras possuem diferentes faixas de preço para os mesmos serviços, com adicionais de valores conforme a idade da pessoa interessada aumenta. Além disso, quem possui mais de 70 anos dificilmente consegue sequer orçamentos ou contratar um serviço, independente do valor. Essas são algumas dos resultados de uma apuração feita pela reportagem do #Colabora com diversas operadoras de planos de saúde no Brasil.

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Para as buscas, informamos que a pessoa interessada tinha 79 anos, boa renda e um quadro de saúde estável, mas com histórico de algumas doenças, como câncer de laringe e duas infecções de covid-19. Essas características descrevem o perfil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas se assemelham com a situação de 10,9% da população brasileira com 65 anos ou mais, considerando o Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

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Em muitos casos, as operadoras consultadas informaram que não ofereciam planos para pessoas com mais de 69 anos – caso da Amil, por exemplo. Outras operadoras pontuaram que novas contratações estão disponíveis apenas no modelo empresarial ou adesão coletiva para pessoas jurídicas, como na Bradesco Saúde e na SulAmérica Saúde. 

Mesmo a busca por empresas que trabalham com esse público, como Prevent Sênior e MedSenior, não foi mais efetiva, porque as operadoras não possuem planos específicos para o público com mais de 70 anos. No caso da Prevent Sênior, o valor do plano de saúde premium 1003 completo para pessoas com 59 anos ou mais varia de R$1.818,32 mensais, com acomodação em enfermaria, e R$2.272,89, com acomodação em quarto próprio.

Mais do que preços elevados, as tabelas de planos de saúde descumprem diretamente o Estatuto da Pessoa Idosa. No capítulo IV sobre os direitos da saúde, a legislação estabelece ser “vedada a discriminação da pessoa idosa nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Na prática, os preços praticados pelas empresas aumentam conforme a idade, quanto maior, mais caro é ter acesso aos mesmos serviços.

Os resultados da consulta aos planos de saúde também revelam valores distantes da realidade da maioria das pessoas idosas no Brasil. Em 2022, a renda média dessa parcela da população era de R$2.142, de acordo com estudo da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

O presidente Lula, 79 anos, com pontos na cabeça após acidente doméstico, comuns com pessoas idosas: brasileiros com mais de 70 anos dificilmente conseguem contratar plano de saúde (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil – 25/20/2024)

Poucas opções para idosos

A principal base de consulta utilizada foi o guia de planos do governo federal que permite encontrar planos com diferentes coberturas, com base na faixa etária e no município. Na plataforma, a opção de plano mais completa (com suporte ambulatorial, hospitalar, obstétrico e odontológico) foi encontrada apenas em cinco capitais brasileiras: Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Maceió (AL), Fortaleza (CE) e Aracaju (SE).

Na busca em todas as 27 capitais, realizada com a faixa etária de 59 anos ou mais (limite que a plataforma reconhece), o plano de saúde mais comum oferece cobertura ambulatorial, hospitalar e obstetrícia. Em Porto Velho (RO), a opção mais barata para essa cobertura é de R$ 1.835,24, com acomodação em enfermaria. Os maiores valores foram encontrados em João Pessoa e Natal, ambos de R$ 20.628,87 mensais.

O atendimento público é básico e quando há necessidade de uma de um especialista ou a pessoa tem que pagar a consulta ou recorrer a apoio de terceiros para dar conta

Elisângela Maia Pessoa
Professora de Serviço Social na Unipampa

Em busca aprofundada considerando o município de Porto Alegre (RS), o menor valor encontrado do suporte mais completo foi de R$ 1.054,56 por mês, com acomodação em uma enfermaria. No caso de internação em quarto particular em Porto Alegre, apenas uma opção aparece no valor de R$ 1.249,82. 

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Somente ao reduzir a cobertura é possível encontrar planos com valores mais acessíveis. No caso exclusivamente de atendimento ambulatorial, o plano de saúde mais acessível é de R$ 293,56 mensais, em Porto Alegre. Já se incluir o atendimento hospitalar, o menor valor passa a ser de R$1.013,79. Um plano de saúde ambulatorial e odontológico fica entre R$370,47 e R$448,70 mensais.

Na tentativa de pesquisa diretamente em sites de operadoras, uma das respostas recebidas foi de que a empresa não possuía planos para pessoas com 79 anos. “Infelizmente, devido às regras de comercialização das operadoras, não disponho de planos disponíveis para esse perfil. Recomendo que você consulte um corretor local que poderá ajudá-lo melhor”, dizia o texto da Qualicorp Assessoria PME e Empresarial.

Em consulta à operadora Hapvida com os mesmos critérios de idade e localização no Rio Grande do Sul, o menor valor para uma cobertura com consultas, exames e acomodação em enfermaria foi de R$883,43 por mês. A oferta em questão era promocional e o preço normal do plano era de R$1.039,33. Na Unimed, rede de saúde cooperativa, os valores de planos completos para pessoas com 59 anos ou mais variam entre R$2.553,82 a R$3.554,17.

Direitos descumpridos

Os dados demográficos mostram que o número de pessoas idosas cresceu 57,4% em 12 no país, chegando a um total de pouco mais de 22 milhões. Estimativas indicam que esse número deverá ser de 70 milhões em 2050. O envelhecimento dos brasileiros é uma realidade inegável e cada vez mais evidente nos dados e nas cidades. Longe de ser algo negativo, o aumento da expectativa de vida demonstra um avanço da sociedade, porém, viver mais com saúde é um desafio para grande parte da população.

Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Elisângela Maia Pessoa pesquisa sobre a relação entre políticas públicas e envelhecimento desde a graduação. Segundo ela, diante das lacunas no atendimento público via Sistema Único de Saúde (SUS) e do preço dos planos privados, a única alternativa da maioria da população idosa passa a ser buscar seus direitos na justiça.

“A pessoa idosa quanto tem necessidade de um atendimento especializado ou de uma medicação diferenciada, tem de entrar via Ministério Público. Em algumas situações até há ganho de causa, porém, isso às vezes se arrasta por meses, dependendo da gravidade da situação, a pessoa pode morrer e não ter conseguido a cirurgia ou o medicamento”, exemplifica Elisângela.

Desigualdades socioeconômicas

Pesquisa feita pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) confirma que a população idosa com menor renda têm piores indicadores de saúde. Conforme o estudo, 52% das pessoas com 80 anos ou mais pertencentes a 20% da população com maior renda possuem um estado de saúde bom ou muito bom. Já entre as pessoas idosas com menor renda e idade entre 65 e 69, essa proporção é de apenas 35%.

Outro elemento revelado pela pesquisa do IEPS é a sobrecarga sobre os familiares. 99,2% dos idosos de menor renda que precisam de ajuda para realizar atividades do cotidiano contam somente com seus parentes. Geralmente, essa tarefa de cuidado recaí sobre mulheres, o que reforça desigualdades de gênero e dificulta a inserção delas no mercado de trabalho.

Elisângela Pessoa, da Unipampa, aponta a existência de um etarismo (preconceito relacionado à idade) nos investimentos em saúde pública para o público com mais idade. “Uma grande queixa muito presente nas pesquisas que eu já realizei é justamente essa, de que o atendimento público é básico e quando há necessidade de uma de um especialista ou a pessoa tem que pagar a consulta ou recorrer a apoio de terceiros para dar conta”, complementa.

A pesquisadora menciona o exemplo da doença de Alzheimer e dos medicamentos novos que surgem com relativa frequência, mas com custos muito elevados. “Uma pessoa idosa que não tem condições de pagar, vai receber a medicação que é padrão para qualquer pessoa que tem Alzheimer. Então, o perfil dela não é levado em conta”. Muitas vezes, esse desafio financeiro também gera sentimentos de culpa e o adoecimento psicológico dos familiares.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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