O império do petróleo contra-ataca

Implosão das negociações do tratado contra poluição por plásticos indica disposição da indústria petroleira e dos países produtores em barrar ações contra combustíveis fósseis na COP30

Por Instituto ClimaInfo | ArtigoODS 13
Publicada em 18 de agosto de 2025 - 10:33  -  Atualizada em 18 de agosto de 2025 - 11:28
Tempo de leitura: 7 min

Manifestação da delegação brasileira durante a fracassada discussão sobre tratado contra poluição plástica: império do petróleo contra-ataca (Foto: Kiara Worth / IISD/ENB – 13/08/2025)

(Bruno H. Toledo Hisamoto*) – Em dezembro de 2023, depois de quase três décadas de negociações, os países-membros da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) reunidos na COP28 em Dubai concordaram com um compromisso que, ao mesmo tempo, era histórico e patético: os combustíveis fósseis, cuja queima massiva nos últimos 150 anos provocou a crise climática que vivemos hoje, devem ser abandonados – mas num transição sem data para começar nem acabar

Histórico porque foi a primeira vez que os governos se comprometeram com alguma coisa parecida com o fim do consumo de energia fóssil, ressaltando a necessidade do mundo avançar para fontes renováveis de energia. Patético porque os países reconheceram a obviedade que a ciência do clima estava cansada de repetir desde os anos 1980 e, mesmo assim, foram incapazes de se comprometer com termos mais contundentes, como o abandono dos combustíveis fósseis, refugiando-se no inofensivo “transitioning away”.

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De toda forma, a declaração final do primeiro Global Stocktake na COP28 trazia motivo para algum otimismo. Pela primeira vez, os governos colocaram os combustíveis fósseis em um texto de negociação. No melhor cenário, isso abriria caminho para discussões importantes e urgentes , como um cronograma de ação e de um prazo final para o consumo de petróleo e gás. No pior cenário, ao menos ele criaria um precedente para que as rodadas seguintes de negociação não escapassem do tema. Pelo menos, era o que parecia.

No entanto, o mercado fóssil contra-atacou. No ano seguinte, os países se calaram sobre o tema na COP29 de Baku, no Azerbaijão. O texto final ignorou o compromisso firmado 11 meses antes, decepcionando negociadores dos países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas e organizações da sociedade civil.

A omissão não foi acidental, mas resultado direto da presença cada vez mais ostensiva e desavergonhada de lobistas da indústria dos combustíveis fósseis nas negociações climáticas. Para o setor, mesmo o compromisso banguela do “transitioning away” era uma ameaça aos seus interesses. Assim, as empresas de petróleo e gás redobraram seus esforços políticos, econômicos e de comunicação pública para afastar qualquer risco de que novos projetos fósseis sejam inviabilizados pelas metas climáticas dos países.

A pressão da indústria contra qualquer restrição ao seu modelo de negócio vem se intensificando não apenas nas discussões climáticas mas também em outros foros multilaterais. O colapso deprimente das negociações para o tratado global contra a poluição por plástico – bom lembrar, subproduto do petróleo – na semana passada em Genebra (Suíça) evidenciou essa estratégia e mostrou que, até aqui, ela tem obtido sucesso. E, infelizmente, há poucos motivos para acreditar que isso se reverterá na COP30, que acontece em novembro em Belém (PA).

A começar, o anfitrião Brasil não tem sido a liderança climática que se esperava inicialmente. Entre alguns observadores, havia uma expectativa de que o Brasil pudesse recolocar o fim dos combustíveis fósseis na agenda de negociação da COP. O discurso do presidente Lula em defesa da ciência climática e da transição energética dava a impressão de que o país pudesse servir como um champion do tema em Belém.

Essa esperança se dissipou ao longo dos últimos meses. Primeiro, pela defesa da exploração de novas reservas de petróleo, explicitada na deprimente pressão pelo licenciamento do projeto da Petrobras na região da foz do rio Amazonas. Declarações do próprio Lula ajudaram a apagar qualquer otimismo sobre a disposição do Brasil em trazer esse tema para a mesa de negociação na COP30.

Segundo, e atrelado ao primeiro fator, a presidência da COP30 até agora não conseguiu bater o martelo na inclusão dos combustíveis fósseis na agenda de Belém. Talvez por resistência de muitos países nos bastidores, custou para o tema aparecer nas cartas do embaixador André Corrêa do Lago divulgadas nos últimos meses. Mesmo assim, quando apareceu, na 3a carta publicada em maio, a citação foi singela, como parte de um esforço para implementar os compromissos firmados desde a assinatura do Acordo de Paris. Apesar das cobranças de cientistas e ambientalistas pela inclusão do tema na agenda da COP30, a presidência da COP30 segue cautelosa, sem confirmar ou rejeitar a ideia.

Terceiro, pela forma como a indústria fóssil jogou pesado em Genebra, com a anuência do Brasil, uma coalizão de petroestados, capitaneada pela Arábia Saudita e apoiada por Estados Unidos e China bateu o pé contra a inclusão no acordo de compromissos de redução da produção e do consumo de plásticos, o que era defendido pela esmagadora maioria dos países (especialmente as pequenas nações insulares em desenvolvimento), em prol de um tratado restrito apenas à gestão de resíduos. O impasse se mostrou insuperável, resultando no fracasso das negociações.

O papel do Brasil, ainda que secundário, ajudou nesse colapso das discussões sobre poluição plástica. Nas rodadas anteriores de negociação, o país vinha se posicionando junto a outras nações em desenvolvimento em favor de um acordo ambicioso. Em Genebra, no entanto, a postura brasileira foi mais ambígua, com os negociadores brasileiros repetindo argumentos mais alinhados aos interesses da indústria fóssil e dos petroestados.

Para a COP30, espera-se que a indústria do petróleo intensifique a pressão contra o fim dos combustíveis fósseis. O impasse recente em torno dos altos preços de hospedagem em Belém não será um problema para eles: diferentemente da sociedade civil e dos grupos mais pobres e vulneráveis, que fazem as contas para reduzir suas delegações na COP, os lobistas do Big Oil não terão problemas em pagar preços exorbitantes cobrados por hotéis na capital paraense. Aliás, o risco de uma participação limitada dos movimentos sociais e de ambientalistas cai como uma luva nas mãos dos lobistas do petróleo e gás, que poderão fazer seu jogo político sem o barulho daqueles que mais sofrem com os efeitos da crise climática.

O fracasso das negociações sobre o tratado contra poluição plástica mostra como será difícil discutir o fim dos combustíveis fósseis na COP30. Cada vez mais, as chances de um avanço nesse tema em Belém dependem da disposição do governo brasileiro, enquanto anfitrião da COP, em retomar o debate.

Se o Brasil do presidente Lula tiver a coragem política para peitar os interesses fósseis, garantirá não apenas um epíteto histórico para a Conferência de Belém mas também poderá jogar a última boia política para salvar o limite de 1,5oC para o aquecimento global neste século, como definido no Acordo de Paris.

Para a indústria dos combustíveis fósseis, mais uma COP climática sem avanços no “transitioning away”, será motivo de celebração entre seus executivos, inclusive dentro do Brasil (não é, Magda Chambriard?). Infelizmente, para o resto da humanidade, uma nova omissão em Belém jogaria mais uma pá de cal nas chances do mundo evitar mudanças climáticas ainda mais devastadoras.

*Bruno H. Toledo Hisamoto é d outor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo e especialista em política e economia internacional do Instituto ClimaInfo.

Instituto ClimaInfo

O Instituto ClimaInfo, organização sem fins lucrativos, tem o objetivo de oferecer um ambiente livre de especulações e fake news sobre mudanças climáticas para contribuir com um debate produtivo, baseado em fatos e dados reais, sobre ações e políticas para a mitigação e a adaptação às consequentes mudanças climáticas globais

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