“O modelo assistencial de saúde praticado no Brasil é caótico e muito caro”. O diagnóstico é de Renato Veras, médico geriatra e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Há cerca de 30 anos, ele começou a estudar envelhecimento e saúde na Universidade da Terceira Idade (Unati), centro de estudos e pesquisas hoje chamado de Núcleo do Envelhecimento Humano (Nuceh). “As famílias ficam desesperadas, porque veem a pessoa piorando e gastando cada vez mais dinheiro”, complementa.
Um dos fatores que contribui para isso é a fragmentação no tratamento de doenças e a falta de um acompanhamento contínuo, principalmente, de pessoas idosas que possuem patologias muitas vezes crônicas. Segundo o pesquisador da Uerj, essa é uma herança do modelo de saúde estadunidense adotado no Brasil. “Tem um problema no coração, vai para o cardiologista. Tem um problema no pulmão, vai para o pneumologista. Não tem alguém que siga a história desse paciente”, pontua Renato Veras, editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia,.
Essa realidade não afeta apenas a população com mais idade, mas é nessa fase que doenças começam a se tornar mais frequentes. Além disso, levantamento feito pelo #Colabora evidencia como a idade é usada como um critério de discriminação por operadoras de planos de saúde privados. Assim, pessoas de 60 anos ou mais pagam mais pelos mesmos serviços oferecidos a pessoas de outras idades.
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Elisângela Maia Pessoa é professora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e pesquisa questões que envolvem políticas públicas e envelhecimento. Segundo ela, o trabalho das unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESFs) representa um avanço no acompanhamento de pessoas idosas, porém, faltam profissionais capacitados para lidar com questões particulares desse grupo da população.
“Percebemos que há pouco investimento em vários tipos de política pública para a pessoa idosa, inclusive de saúde, muito por conta do preconceito etário que se tem com a expectativa de vida da pessoa idosa”, aponta a docente do curso de Serviço Social. De acordo com ela, políticas de assistência social, saúde e previdência formam um tripé das maiores necessidades da população com 60 anos ou mais.
Acompanhamento multidisciplinar
Criado pelo médico Américo Piquet Carneiro, o Nuceh é referência de um projeto alternativo com foco no envelhecimento e na saúde integral da pessoa idosa. Renato Veras explica que o núcleo trabalha com um modelo inspirado na Inglaterra e voltado à estabilização das doenças e qualidade de vida, sem um foco exclusivo na cura. “Você precisa acompanhar a pessoa e não acompanhar o órgão que você domina”, acrescenta o gariatra.
Outro aspecto essencial indicado pelo professor da Uerj está ligado a uma descentralização dos atendimentos na figura dos médicos. “Precisa de investimentos em formação dos profissionais, de valorização da enfermeira, do fisioterapeuta, do nutricionista e da assistente social”. Ou seja, a ampliação das equipes multidisciplinares que atuam nas unidades de Atenção Primária à Saúde (APS).
Esse esforço precisa, aponta o médico, ser concomitante com uma mudança de postura da própria classe médica, por vezes, resistente à receber apoio. “São profissionais que dominam a enfermagem, a questão nutricional, a fisioterapia, a questão do serviço social. Todos esses têm um papel, mas parece que alguns médicos, poderia dizer a maioria, não se sentem confortáveis com ter apoio”.
O professor e pesquisador da Uerj rebate as críticas feitas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e recorda que a maioria dos profissionais que atuam em planos de saúde privados também atendem via sistema público. “O SUS tem grandes falhas, mas é fundamental para a sociedade e talvez o ideal seja que o SUS mude algumas estruturas internas do modelo e tenha mais dinheiro”, complementa.
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Elisângela Pessoa enfatiza que o envelhecimento e o aumento da expectativa de vida da população são aspectos positivos. “A tendência é continuarmos, felizmente, conseguindo ter uma maior expectativa de vida, contudo, as políticas públicas brasileiras não estão preparadas para dar conta disso”, reflete a professora da Unipampa.
Uma das estratégias da pesquisadora para aumentar a consciência sobre a relevância de pensar no envelhecimento tem sido trabalhar o tema com jovens por meio do programa de extensão Longe Viver. “Temos que retomar a discussão entre os jovens de qual o lugar da pessoa idosa na nossa sociedade. Inclusive, por conta de um cenário onde muitas pessoas idosas estão assumindo a responsabilidade de criação de netos”, destaca.
Para Renato Veras, não existe como voltar no tempo ou ficar estagnado no passado. “Não adianta fazer a medicina do tempo em que o Brasil era um país jovem, onde 50 e poucos anos era o final de linha. Não é mais assim e as doenças são diferentes, as demandas são diferentes”. Além da sala de aula, o professor utiliza a divulgação científica, principalmente com a Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, para chamar atenção para o tema.