No ‘BBB23′, Fred mostra o que é ser médico, preto e gay num país racista e homofóbico

Fred está no “BBB23”: ele defende a medicina humanizada e o SUS (Reprodução Instagram)

Participante do “Big Brother Brasil”, o dermatologista, integrante do “Queer Eye Brasil”, costuma falar dos preconceitos sofridos por pessoas negras na profissão e defende a medicina humanizada

Por Valquiria Daher | ODS 10ODS 3 • Publicada em 13 de janeiro de 2023 - 09:14 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:46

Fred está no “BBB23”: ele defende a medicina humanizada e o SUS (Reprodução Instagram)

“Eu sou MÉDICO, PRETO E GAY, e muita gente vai ter que me engolir junto com seu racismo, elitismo e lgbtfobia. VIVA A MEDICINA HUMANIZADA E DIVERSA! Medicina digna para todos os corpos”, escreveu o dermatologista Fred Nicácio, numa postagem em seu perfil no Instagram, no Dia do Médico. Famoso nas redes sociais e um dos “fabulosos” do reality “Queer Eye Brasil” (Netflix), ele chega ao camarote do “Big Brother Brasil 2023” com histórias para contar sobre uma realidade que muita gente não vê ou não quer ver: não é nem simples nem fácil ser  um médico negro num país com estrutura racista.

Quando todo esse contexto da medicina ainda é interseccionado pela raça, ou seja, um MÉDICO PRETO, a dinâmica se torna ainda mais densa e hostil, e se formos falar sobre sexualidade, ou seja , um médico PRETO e GAY, aí as coisas podem ser até inviáveis

Fred Nicácio
Médico e participante do BBB23

Em um texto de 2020, na “Carta Capital”, Fred lembrou sua rotina como médico do SUS: “Meu dia a dia não é, na teoria, muito diferente do de qualquer outro médico brasileiro atuante na saúde pública. Exceto pelo fato de eu ser (na esmagadora maioria das vezes) o único preto do rolê. Sou confundido com qualquer outro funcionário do hospital, mas de cara – e pela cor da cara – nunca confundido com um médico. Não que ser confundido com outro profissional seja um problema pra mim, mas isso fala mais sobre o outro do que sobre mim”. 

Doutor Fred conta, no mesmo texto, que muitas vezes é olhado com surpresa dentro do próprio consultório. Algumas vezes o racismo vai além. Ele relembra, no mesmo texto, o episódio de uma paciente que, mesmo após a consulta, foi perguntar às enfermeiras se Fred era mesmo o médico. “Elas confirmaram que sim. Mas mesmo assim, ela se negou a medicação intra-hospitalar e foi embora apenas com a receita para comprar os remédios na farmácia”. 

Em post recente em seu Instagram, Fred relembrou outro episódio. Uma avó negra, com mais de 70 anos de idade, levou o neto ao consultório e, no meio da consulta, ficou com lágrimas nos olhos e pediu para tirar uma foto com ele: “Ela me disse: ‘é a primeira vez que sou atendida por um médico da nossa cor’. Ela levou mais de sete décadas para ver um médico preto, o neto dela, na primeira década de vida, já viu um. Ele pode querer ser médico”, ele contou no podcast @oblackpeople.

 

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Não há dúvida de que, com a política de cotas nas universidades, o número de pretos e pardos nos cursos de Medicina aumentou, mas a profissão – como o próprio Fred diz em várias ocasiões – é elitizada. O curso é longo, impossível de conciliar com outros trabalhos e de alto custo, mesmo para quem estuda em universidade pública. Todos empecilhos para a população mais pobre.

O amplo estudo Demografia Médica, de 2020, usando dados do Enade, aponta que como os concluintes do curso de Medicina se autodeclaram em 2019: 67,1% (brancos),  24,3% (pardos) e 3,4%(pretos). Os demais se autodeclararam de cor amarela (2,5%) e indígenas (0,3%) ou não quiseram declarar (2,4%). Entre os períodos estudados, houve aumento gradual do percentual de alunos autodeclarados pretos e pardos: em 2013 eram 23,6%; em 2016, representavam 26,1% e, em 2019, eram 27,7% do total. Importante lembrar que pretos e pardos já são mais de 50% dos alunos do ensino superior, o que mostra como a Medicina ainda está distante da equidade. 

Fred BBB23
Fred de jaleco e máscara em tempos de Covid-19 (Reprodução Instagram)

Coordenador do estudo Demografia Médica, Mario Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, destacou em entrevista ao Medscape, que falta produção científica e dados sobre os médicos já formados, o que, em si, já é uma indicação do problema: “É uma falha na captação original do dado. Temos insistido, e só recentemente alguns conselhos começaram a coletar essa informação. Sem esses dados, as nossas análises sobre inserção e desigualdade ficam prejudicadas. Seria essencial acompanhar uma coorte por um tempo, ver onde eles estão, em que condições, se diferenciadas ou não das condições dos demais etc., mas não temos’, concluiu. 

No “BBB”, Fred não é o primeiro médico negro. A vencedora do “BBB20”, Thelma Assis, a Thelminha, é anestesista e, dentro da casa, chegou a falar com os brothers e sisters sobre a importância do sistema de cotas. “Eu tinha capacidade, mas, sem oportunidade, meu caminho teria sido bem mais difícil. As coisas são complicadas quando se é mulher, preta e de classe social desfavorecida. Dar o direito à educação significa garantir mudanças para toda uma geração. Vou mudar a geração dos meus filhos, dos meus netos”, ela disse, certa vez.   

Já Fred destaca em seu perfil no Instagram outra barreira no mundo da medicina: ser gay. “Quando todo esse contexto da medicina ainda é interseccionado pela raça, ou seja, um MÉDICO PRETO, a dinâmica se torna ainda mais densa e hostil, e se formos falar sobre sexualidade, ou seja , um médico PRETO e GAY, aí as coisas podem ser até inviáveis”.

A torcida pelo Doutor Fred vai ser grande, mas, mesmo que ele não seja o vencedor do “BBB23”, a representatividade sai ganhando. 

Valquiria Daher

Formada em Jornalismo pela UFF, nasceu em São Paulo, mas cresceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi repórter do jornal “O Dia”, ocupou várias funções no “Jornal do Brasil” e foi secretária de redação da revista de divulgação científica “Ciência Hoje”, da SBPC. Passou os últimos anos no jornal “O Globo”, onde se dedicou ao tema da Educação. Editou a Revista “Megazine”, voltada para o público jovem, e a “Revista da TV”. Hoje é Editora do Projeto #Colabora e responsável pela Agência #Colabora Marcas.

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Um comentário em “No ‘BBB23′, Fred mostra o que é ser médico, preto e gay num país racista e homofóbico

  1. Observador disse:

    Embora sem dados oficiais, mas dois cursos com presença expressiva de gays é a Medicina e o Direito! No curso de Direito por serem bem corporativos passa até despercebido, mas na Medicina são mais atenciosos, gentleman! Me lembro que em exame de Doppler, apenas de cueca, o médico alem de demorar no exame, pouco senti o USG, nas pernas (estava em pé e de costas, foco do exame as panturrilhas) nitidamente meio absorto, tanto que depois convidou a buscar o resultado direto com ele, noutra clinica que ele atende, mas recuou e a secretária que entregou o resultado! Geralmente Laudam em meia hora após o exame, ele em pouco mais de uma hora, como se tivesse ter tido que passar no banheiro antes! Como ele deveria estar próximo dos 40 anos, mais que na hora, de ter um namorado ou “romance”!

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