Diário da Covid-19: aumenta o fosso entre o Brasil e o mundo

Em Belo Horizonte, Juliene Maria Conceição, que sofre de deficiência auditiva, sorri para o filho Leonardo. Ambos com máscaras protetoras contra a covid-19, projetadas para que os lábios possam ser lidos. Foto Douglas Magno/AFP

Mantido o ritmo atual, Brasil chegará ao segundo lugar no ranking mundial de casos e mortes em meados de junho

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 17 de maio de 2020 - 09:20 • Atualizada em 18 de maio de 2020 - 09:23

Em Belo Horizonte, Juliene Maria Conceição, que sofre de deficiência auditiva, sorri para o filho Leonardo. Ambos com máscaras protetoras contra a covid-19, projetadas para que os lábios possam ser lidos. Foto Douglas Magno/AFP

Existe um padrão global na expansão da pandemia que sempre começa com um enorme aumento exponencial nas primeiras semanas após a generalização da transmissão comunitária do vírus e, depois de um certo tempo, uma redução gradual do ritmo relativo na sequência da propagação do surto pandêmico. Assim, os números absolutos continuam crescendo, mas os números relativos (variação percentual que mede a velocidade da propagação da doença) se reduz gradualmente. Isto ocorre tanto no mundo, quanto nos mais diversos países.

Contudo, a velocidade da aceleração e da desaceleração da pandemia varia muito de nação a nação. O Brasil está no grupo dos países que apresentam alta velocidade na expansão dos casos e das mortes. O país estava em 30º lugar no ranking global dos países mais afetados pelo coronavírus em meados de março e passou para o 15º lugar em meados de abril. No dia 16, ultrapassou a Itália e assumiu o 5º lugar em número de casos e 6º lugar em número de vítimas fatais. Mas como mantém um ritmo mais acelerado, deve ultrapassar o Reino Unido até o dia 18 de maio, ocupando o 4º lugar e deve ultrapassar a Itália em número de mortes até 02 de junho, pulando para o terceiro lugar no ranking. Provavelmente, antes de meados de junho, o Brasil já estará em segundo lugar na lista dos países mais afetados pela covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos.

O panorama nacional

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados pelo Ministério da Saúde no sábado (16/05) indicam 233.142 casos e 15.633 mortes, com uma taxa de letalidade de 6,7%. Foram 14,9 mil novos casos e 816 novas mortes em 24 horas. Em números diários, o Brasil já está à frente de todas as nações do mundo, com exceção dos Estados Unidos.

Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020 e em seguida as demais.

No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/03 chegou a 121 casos, mas os 102 casos da 11ª SE significaram um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia).

Os dados disponíveis da penúltima semana (19ª SE: 03 a 09 de maio), indicavam um aumento de quase 60 mil casos, um incremento de 1,6 vezes em relação à semana anterior (ou 7,1% ao dia). Na 20ª SE o número de casos passou de 155,9 mil no dia 09 de maio para 233,1 mil casos no dia 16 de maio, um aumento de 1,5 vezes (ou 5,9% ao dia).

Entre a 17ª SE e a 19ª SE houve um preocupante aumento da variação relativa, com um repique sem igual na aceleração da pandemia. Mas na 20ª SE, a série história retomou o comportamento esperado de aumento do número absoluto de casos, mas com uma variação relativa menor. A taxa de 5,9% ao dia, recém ocorrida, é a menor deste o início desta emergência sanitária, embora seja uma taxa elevada na comparação internacional.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas crescia em média em 397 pessoas na 13ª SE, passou para 911 pessoas na 14ª SE e mais do que decuplicou na 20ª SE, com impressionantes 11 mil casos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos), em geral, estavam caindo. Para contribuir com as avaliações, apresentamos uma projeção para a semana que vem (última coluna do gráfico), quando devemos ter, em média, 13,6 mil casos diários na 21ª SE, com uma taxa média de 5% ao dia. Sem dúvida, toda projeção está sujeita a erros, mas tentar traçar um cenário pode ser útil para subsidiar a política de saúde. Agindo desta forma podemos indicar as tendências da semana seguinte e fazer os devidos ajustes uma semana depois.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de mortes chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Na 19ª SE o número de mortes passou de 6,7 mil para 10,6 mil, um aumento de 1,58 vezes (ou 6,8% ao dia). Na semana passada (20ª SE) o número de mortes chegou a 15,6 mil no dia 16/05, um crescimento de 1,5 vezes (ou 5,7% ao dia).

A série história do número absoluto e relativo de mortes mantém o comportamento esperado de aumento no número absoluto, mas com uma variação relativa menor. A taxa de 5,7% ao dia na 20ª SE é, também, a menor deste o início desta emergência sanitária, embora continue sendo uma taxa elevada na comparação internacional.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de mortes pela covid-19 no Brasil, nas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de vítimas fatais crescia em média de 13 óbitos ao dia na 13ª SE. Passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 16 vezes até a 20ª SE, com tristes 715 óbitos diários. Observa-se que enquanto crescia os números absolutos, as taxas (números relativos) estavam, continuamente, caindo.

Para contribuir com as avaliações, apresentamos aqui também uma projeção para a semana que vem (última coluna do gráfico), quando devemos ter, em média, 909 óbitos por dia na 21ª SE, com uma taxa média percentual de 5% ao dia. Reafirmando que toda projeção está sujeita a erros, apenas apresentamos um cenário pode ser útil para subsidiar a política de saúde. Desta forma podemos indicar as tendências da semana seguinte do aumento dos óbitos e fazer os devidos ajustes uma semana depois.

O fato é que a pandemia continua avançando no Brasil. No começo, o número de casos e de mortes estava concentrado nas grandes cidades e nas capitais dos estados, agora ela se espalha pelas cidades menores do litoral e do interior gerando ondas sucessivas de novos contágios e novas vítimas fatais.

 

O panorama global

O dia 16 de maio terminou com 4,7 milhões de casos e 313 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6,6%. As variações diárias dos casos, com 95,6 mil, está em elevado patamar (próximo do pico que ocorreu em 24/04) e a variação das mortes (abaixo de 5 mil) está diminuindo e, depois dos picos de abril, está voltando aos níveis de março.

O gráfico abaixo mostra que no dia 01/03 havia de 88,6 mil e passou para 106 mil no dia 07/03, um aumento de 1,22 vezes (ou 2,9% ao dia), na 10ª semana epidemiológica (SE). Na semana seguinte (11ª SE), passou de 110 mil casos para 156,7 mil, um aumento de 1,48 vezes (ou 5,7% ao dia). Na 12ª SE a variação diária ficou em 10% e na 13ª SE atingiu a variação diária mais elevada 11,7% ao dia.

Mas nas semanas seguintes, as variações passaram para 8,9%, 5,8%, 3,9%, 3,3%, 2,6%, 2,4% até chegar a 2,0% na 20ª SE. Nitidamente, a curva está reduzindo o ritmo e caminha para taxas abaixo de 2% ainda no final do mês de maio.

O gráfico abaixo mostra que o ritmo de aumento das mortes pela Covid-19 foi mais acelerado do que o ritmo do aumento dos casos nos meses de março e abril. Na primeira semana de março (10ª SE), o número de mortes passou de 3.050 no dia 01/03 para 3.599 no dia 07/03, um aumento de 1,21 vezes (ou 2,8% ao dia). Nas semanas seguintes o número absoluto de mortes cresceu muito e a velocidade da pandemia também aumentou até a 13ª SE, quando o número de mortes passou de 14,6 mil óbitos no dia 22/03 para 30,9 mil mortes no dia 28/03, um aumento de 2,23 vezes ou 13,1% ao dia.

Nas semanas seguintes, o número absoluto de mortes continuou aumentando, mas com desaceleração do ritmo. Na penúltima semana (19ª SE) o número de mortes chegou a 280 mil, um aumento de 1,15 vezes (ou 2% ao dia). Na 20ª SE, o número de mortes chegou a 313 mil no dia 16/05, um aumento semanal de 1,12 vezes (ou 1,6% ao dia). Assim, o ritmo das mortes diminuiu mais rápido do que o ritmo dos casos e pode ficar abaixo de 1,5% já na próxima semana (21ª SE).

Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo bem mais rápido do que o ritmo da média mundial. O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro estava abaixo de 2 vezes o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para a casa de 3 vezes.

Na comparação dos óbitos, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para quase 3 vezes, evidenciando que existe uma distância cada vez maior entre o ritmo nacional e global.

O Brasil se transformou em preocupação mundial. O governo brasileiro perdeu o controle e o presidente da República age como se não se importasse com o crescimento da doença e das mortes. O governo se perde em querelas sem sentido e demonstra grande incompetência na administração da emergência sanitária e, também, da emergência econômica. A disputa entre acabar com o isolamento ou fazer um lockdown beira a reprodução de um filme surrealista, pois o central é controlar e acabar com a pandemia para que se possa voltar o mais rápido possível às atividades econômicas de produção e reprodução da vida.

Contudo, o Brasil encontra-se em uma tempestade perfeita, pois os problemas sociais se agravam e o desentendimento entre o Poder Público e a sociedade civil deixa o campo livre para a expansão do coronavírus. A cada dia que passa aumenta o fosso entre o Brasil e o mundo. O Brasil está a caminho de ser o país mais fracassado diante das dificuldades colocadas pelo ano de 2020. Os vizinhos da América do Sul estão vendo a nossa situação com tristeza e medo de contágio.

Frase do dia 17 de maio de 2020

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”

João Guimarães Rosa (1908-1967)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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