Diário da Covid-19: África consegue evitar os piores cenários da pandemia

Uma aluna da Escola Secundária Winnie Mandela tem sua temperatura medida antes da entrada após o recomeço das aulas no município de Tembisa, Ekurhuleni, na África do Sul. Foto Michele Spatari/AFP

Casos e mortes no continente, por milhão de habitantes, são inferiores ao que vem sendo registrado na Europa, nas Américas e no Brasil

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 17 de junho de 2020 - 09:00 • Atualizada em 28 de julho de 2020 - 11:22

Uma aluna da Escola Secundária Winnie Mandela tem sua temperatura medida antes da entrada após o recomeço das aulas no município de Tembisa, Ekurhuleni, na África do Sul. Foto Michele Spatari/AFP

A África está conseguindo evitar os piores e mais letais cenários da pandemia do novo coronavírus. O primeiro caso de infecção de um morador africano ocorreu no dia 14 de fevereiro e as previsões mais pessimistas, inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS), previam uma catástrofe continental nos meses seguintes. Contudo, os números de casos e de mortes continuam relativamente baixos, mesmo quando se leva em conta as subnotificações dos registros.

A tabela abaixo mostra que, no dia 16/06, o continente africano, que possui 17,2% da população mundial, registrou apenas 3,2% dos casos e 1,6% das mortes pela covid-19. Para efeito de comparação, o Brasil, com 2,7% da população mundial, registrou 11,2% dos casos e 10,2% das mortes globais. O maior país da América do Sul tem uma população 6 vezes menor do que a da África, mas tem 3,5 vezes mais casos e 6,4 vezes mais mortes. Portanto, quando comparado com o Brasil, o continente africano está em uma situação confortável.

A tabela abaixo mostra que os indicadores da África só são piores do que os da Oceania. O continente africano tem um coeficiente de incidência de 195 casos por milhão de habitantes, abaixo da média mundial (1.059 casos por milhão) e bem abaixo dos valores apresentados pela Europa e as Américas. O coeficiente de mortalidade da África é de 5 óbitos por milhão de habitantes, número 10 vezes menor do que os 57 óbitos por milhão da média mundial e bem abaixo dos coeficientes dos demais continentes (com exceção da Oceania) e do Brasil. A taxa de letalidade na África também é bem menor do que na Europa, Américas e Brasil, ficando empatada com a Ásia e superior apenas à Oceania.

Alguns analistas dizem os números baixos da pandemia na África se devem, fundamentalmente, à ausência de testes em quantidade suficiente para medir o verdadeiro impacto do novo coronavírus. Outros consideram que de fato existem muitas subnotificações, mas, no geral, os números africanos são realmente menores do que em outros continentes (menos a Oceania e, claro, a Antártida). Em um continente com 53 países e mais de 1 bilhão de habitantes, a situação de conjunto é complexa, pois há diferentes estratégias adotadas pelas múltiplas nações. Indubitavelmente, mais estudos são necessários e, provavelmente, novas evidências vão surgir nos próximos meses.

Sem embargo, um fator que tem sido indicado para o menor número de casos e de mortes da covid-19 na África é a estrutura etária da população, pois o continente, especialmente a parte da África Subsaariana, possui uma proporção de jovens muito maior do que os demais continentes e, por conseguinte, uma menor proporção de idosos, que fazem parte do grupo etário com as maiores taxas de letalidade.

A África é o continente onde há as maiores taxas de fecundidade e, em consequência, possui as maiores taxas de crescimento demográfico, portanto, com a estrutura etária mais rejuvenescida do mundo. A população da África era de 228 milhões de habitantes em 1950, passou para 1,34 bilhão em 2020 e deve alcançar 4,3 bilhões de habitantes em 2100. A pirâmide etária africana tem uma base larga e um topo muito estreito. Isto quer dizer que a idade mediana é baixa. Em 2020, a proporção de idosos (60 anos e mais) na África é de apenas 5,5% do total populacional, enquanto na Europa é de 26%. É claro que apenas a estrutura etária não é suficiente para explicar os baixos números de casos e de mortes da covid-19 na África, mas é, inegavelmente, um fator que deve ser levado em consideração, somado a um conjunto de outras variáveis socioeconômicas que devem entrar em uma análise mais completa.

População da África de 1950 a 2100 e pirâmide etária de 2020

Fonte: UN 2019 Revision of World Population Prospects https://population.un.org/wpp/

O gráfico abaixo mostra o número de casos acumulados no Brasil e nos 10 países africanos mais atingidos pela pandemia. Nota-se que o Brasil está se aproximando da casa de 1 milhão de pessoas infectadas, enquanto o país africano mais atingido é a África do Sul (população de 60 milhões de habitantes) com 77 mil casos, seguida do Egito (102 milhões de habitantes) com 48 mil casos e a Nigéria (206 milhões de habitantes) com 17 mil casos. O gráfico está em escala logarítmica e isto quer dizer que a inclinação das curvas indica a velocidade de avanço do número de casos. Observa-se que a maioria dos 10 países africanos apresenta um crescimento mais lento do que o crescimento da pandemia no Brasil.

Quanto ao número de mortes, o gráfico abaixo mostra que também neste caso a velocidade do aumento do número de vítimas fatais da covid-19 no Brasil é muito maior do que nos países da África. O maior número de mortes, até o dia 16/06, ocorreu no Egito (1.766 óbitos), na África do Sul (1.625 óbitos) e na Argélia (788 óbitos).

A despeito de todas as controvérsias, a África tem conseguido impedir a propagação do novo coronavírus em seu território e tem apresentado menor número de vidas perdidas, assim como menor taxa de letalidade. Todavia, ainda é cedo para falar em uma possível excepcionalidade africana. Mas, sem dúvida, a África tem surpreendido o mundo positivamente.

Frase do dia 16 de junho de 2020

“Bravo não é quem sente medo, é quem o vence”

Nelson Mandela (1918-2013)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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