O desafio da comunicação para o desenvolvimento sustentável

Resultado de pesquisa do CEBDS demonstra profundo descasamento entre a pauta diária das redações e a das empresas

Por Kelly Lima | ODS 17 • Publicada em 2 de julho de 2020 - 08:18 • Atualizada em 5 de julho de 2020 - 13:12

(Arte: Claudio Duarte)

De zero a cem, quanto você usa os relatórios integrados para produção de pautas?

A pergunta foi encaminhada a jornalistas de vários tipos de mídia não especializada no tema sustentabilidade, com foco especial nas editorias de economia e de cidades, que, teoricamente, cuidam de coberturas diretamente conectadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS, lançados pela ONU em 2015, com 17 metas para serem atingidas até 2030 na intenção de construir um futuro melhor. 

A média das respostas resultou em 43, e só chegou a esse índice, porque um ou outro deu ali uma compensada nos vários zeros que a pergunta recebeu. Zero. O relatório integrado das maiores empresas do País, sobre os quais analistas de mercado se debruçam, e que tem apuração rígida ao longo de meses, em processos internacionais de validação de dados, e verificação final atestada por consultorias independentes, em geral vai para o cesto de lixo das grandes redações. Ou vira “apoio para o monitor do computador”, como chegou a responder um profissional, sem a menor ideia do que poderia ser encontrado nas páginas bem encadernadas e revisadas dezenas de vezes pelos profissionais de comunicação do outro lado do balcão. Produto de marketing, apontaram outros tantos.

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Parte de questionário elaborado para a construção da segunda edição do Guia de Comunicação e Sustentabilidade do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), lançado dia 8 de junho, a resposta somada às demais obtidas no que pode ser um retrato do que pensa o jornalista brasileiro sobre os temas da sustentabilidade, demonstra profundo descasamento entre a pauta diária das redações e a das empresas. É mais fácil hoje reunir CEOs e CFOs para falar deste tema, do que fazer um jornalista não especializado nestes temas se interessar por sustentabilidade. 

Há aí, é claro, o fato de redações estarem enxutas, todos sobrecarregados, e focados em pautas relacionadas à pandemia provocada pela Covid-19. Mas esse também é o foco das empresas que estão driblando a crise e pensando em oportunidades de retomada, a partir de negócios mais sustentáveis. Onde está o gap que faz com que um mundo esteja tão desalinhado do outro?

Seria a crise política que desvia a atenção? Seriam os protestos antirracistas ou antifascistas que desviam o foco? Não, espera, neste caso, são temas correlacionados e que compõem a pauta da sustentabilidade por meio do ODS de inclusão e equidade. Seria a falta de informação para conectar temas tão relativos ao agravamento da crise atual com o nome “sustentabilidade”, tradicionalmente conectado apenas a temas relativos ao meio ambiente. Mas o que não seria relativo ao meio ambiente em que vive toda a população do planeta? 

Água, saneamento, agricultura, alimentos, submoradias, educação, saúde, segurança, as desigualdades sociais, aglomerações urbanas e até o clima. Tudo está conectado. Incluindo aí as finanças. Boa parte do setor empresarial está colocando seu time financeiro para estudar, por exemplo, como incorporar os riscos climáticos na tomada de decisão de um investimento. Finanças Sustentáveis e Energia Renovável estão na mesa dos principais diretores de bancos do País neste momento.

São indissociáveis os termos do desenvolvimento sustentável com os negócios para qualquer empresa de vanguarda. Elas sabem que num futuro bem próximo as empresas mais sustentáveis serão as mais bem sucedidas. E trabalham nesta linha. Ideal seria que os formadores de opinião também o soubessem.

O relato integrado das empresas responde a uma estrutura única de divulgação que reúne informações financeiras, ambientais, sociais e de governança, de forma transparente, concisa e consistente, que permite comparativos entre as empresas de modo a entender o processo de geração de valor da organização ao longo do tempo. Seria uma excelente referência para cobrar da empresa as posturas e o cumprimento das metas ali estabelecidas. Não é. Não por parte da imprensa que, ao contrário da baixa receptividade e interesse por esses relatos, devora os balanços financeiros. Aquele volume de números que é ansiosamente esperado e vorazmente interpretado. 

Esse paradoxo de interesse entre um e outro produto, acabam fazendo com que voltemos para produção desses relatos e a uma pergunta para a área de comunicação das empresas: estamos fazendo corretamente essa ação? Estamos produzindo informação relevante, como se pretende nestes relatórios, ou apenas as peças de marketing a que se referem os jornalistas? Estamos desperdiçando recursos na produção de peças que vão pro lixo? Estamos desperdiçando tempo com comunicação retórica e ineficaz? 

Esse texto não pretende questionar a inegável importância desses relatos e da forma como eles deixam ali de maneira clara seus compromissos com a sustentabilidade. Pretende-se sim, provocar novas formas de informar formadores de opinião sobre esses dados, sobre o seu conteúdo, sobre sua relevância e – mais ou tão importante quanto – fazer o nexo causal entre o conteúdo, a pauta, o que se vê no dia-a-dia das cidades e das empresas. 

No relatório integrado, há informações que atendem diversos públicos. Destrinchado, ele pode servir para público interno, para analistas de mercado, investidores, para parceiros. Mas não está sendo útil para a mídia. Transparência, linguagem clara, e talvez um tópico a mais: timing adequado na divulgação. Pode contribuir com o interesse desse público se sua divulgação estiver mais alinhada com o balanço financeiro anual, logo no início do ano, e não meses depois. Mas não é só isso. 

Nizan Guanaes, um dos grandes nomes da publicidade no Brasil, em excelente entrevista à CNN Brasil para um timaço de quatro repórteres da primeira linha da emissora, discorreu ao longo de quase duas horas sobre a importância de se comunicar bem as causas, as consequências, as oportunidades, ou seja, de alinhar a narrativa para que o interlocutor entenda a mensagem sem ruídos. “Comunicação não é o que a gente diz, mas o que o outro entende”, falou no meio da entrevista, trazendo à tona uma das máximas da Semiótica, disciplina fundamental na teoria da Comunicação. Talvez, precisemos revisitar essa máxima, dar menos voltas e ir direto ao ponto para comunicar o que queremos em relação á sustentabilidade. 

No dia do lançamento do Guia de Comunicação e Sustentabilidade do CEBDS, outro mestre no tema, Ricardo Voltolini, CEO da Ideia Sustentável, deu uma dica de ouro para começarmos a reconstruir essa narrativa e para que não nos desviemos do caminho nesta trajetória. “É preciso fazer menos storytelling e mais storydoing”. Talvez seja um bom começo. 

Kelly Lima

Kelly Lima é paulista, mas há 14 anos no Rio já se considera um pouco carioca. Formada em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializou-se em economia, atuando na cobertura da área de energia por mais de uma década na Agência Estado. Mais recentemente, trabalhou na área de desenvolvimento econômico e social do BNDES e do Governo do Estado do Rio. É sócia da Alter Comunicação, que produz conteúdo informativo para instituições e empresas, entre elas o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

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