Número de assassinatos de indígenas aumentou 61% em 2020

Parente junto ao túmulo de Ezequiel Tosube, um dos quatro indígenas do povo Chiquitano foram assassinados por policiais em Mato Grosso: número de homicídios de indígenas subiu 61% em 2020 (Foto: Inácio Werner/CEDH-MT/Cimi)

Relatório do Cimi apresenta o retrato de um ano trágico para povos originários com crescimento dos registros de invasões e conflitos

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 29 de outubro de 2021 - 09:34 • Atualizada em 24 de janeiro de 2023 - 10:59

Parente junto ao túmulo de Ezequiel Tosube, um dos quatro indígenas do povo Chiquitano foram assassinados por policiais em Mato Grosso: número de homicídios de indígenas subiu 61% em 2020 (Foto: Inácio Werner/CEDH-MT/Cimi)

O Brasil registrou, em 2020, 182 assassinatos de indígenas, número 61% maior do que em 2019, quando foram 113 casos de homicídio. O índice de violência contra a vida é apenas um dos que mostram o ano trágico para os povos originários sob o governo Bolsonaro revelado pelo relatório ‘Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020’, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “São informações que trazem tristeza e vergonha para o nosso país”, lamentou o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, no evento virtual de lançamento do relatório.

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Os estados com o maior número de assassinatos de indígenas, segundo os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e das secretarias estaduais de saúde, foram Roraima (66), Amazonas (41) e Mato Grosso do Sul (34). O Cimi destaca dois casos com envolvimento de policiais: o Massacre dos Abacaxis, conflito causado por turistas que ingressaram ilegalmente no território de indígenas e ribeirinhos – na região dos rios Abacaxis e Marimar, no Amazonas – que teve como consequência uma ação da PM com a morte de dois indígenas do povo Munduruku e de pelo menos quatro ribeirinhos; e a morte de quatro indígenas do povo Chiquitano, que estavam caçando perto de sua aldeia, por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) de Mato Grosso.

Estamos vivendo uma situação muito grave. Hoje, estamos ameaçados de morte, a terra está ameaçada, toda a comunidade Yanomami está ameaçada. A violência estão crescendo, fora de controle. Até os garimpeiros estão brigando entre eles e se matando dentro da Terra Yanomami

Além dos 182 homicídios, o relatório aponta outros crimes no capítulo de violência contra a pessoa: 16 casos de homicídio culposo, 14 de abuso de poder, 13 tentativas de assassinato, 17 ameaça de morte, 34 ameaças várias, oito casos de lesão corporal dolosa, 15 de racismo e discriminação étnico cultural e cinco de violência sexual. “Não podemos ser um país que fique indiferente a violência mostrada no relatório. A democracia só vai ser consolidada no país quando houver proteção à vida, respeito e verdade nas informações”, disse dom Joel Portella, secretário-geral da CNBB.

O relatório destaca ainda tipos de violência contra o patrimônio indígena. Os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” subiram em relação ao número – já alarmante – que havia sido registrado no primeiro ano do governo Bolsonaro. Foram 263 casos do tipo registrados em 2020 – um pequeno acréscimo em relação a 2019, quando foram contabilizados 256 casos, mas um aumento de 137% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 111 casos.

Foi o quinto aumento consecutivo registrado nos casos do invasões e explorações ilegais, que, em 2020, atingiram pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados. “A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus não impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas, estimuladas pelo próprio governo”, afirmou o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi.

Dom Roque lembrou a célebre frase do ex-ministro Ricardo Salles – sugerindo “passar a boiada” para desregulamentar a proteção das áreas de conservação, inclusive dos indígenas – para destacar os ataques do governo aos indígenas. “É terrível que lideranças do Executivo disseminem um discurso de ódio e preconceitos contra os povos originários. Tornaram-se rotina as agressões à vida, ao ambiente e aos territórios indígenas”, disse o presidente do Cimi.

Infelizmente temos que dizer que o governo é a principal causa dessa dor, dessas violências contra os povos indígenas

Dirigente da Hutukara Associação Yanomami, Dário Kopenawa Yanomami também participou do lançamento virtual para denunciar a grave situação da terra indígena de Roraima, onde, calcula-se, está ocupada por 20 mil garimpeiros. “Estamos vivendo uma situação muito grave. Fizemos muitas denúncias e encaminhamos para autoridades. Hoje, estamos ameaçados de morte, a terra está ameaçada, toda a comunidade Yanomami está ameaçada. A violência estão crescendo, fora de controle. Até os garimpeiros estão brigando entre eles e se matando dentro da Terra Yanomami”, afirmou.

O relatório destaca ainda outro tipo de violência contra o patrimônio: os “conflitos relativos a direitos territoriais” mais do que dobraram em 202o, em relação ao ano anterior: foram 96 casos, 174% a mais do que os 35 identificados em 2019. O secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, frisou as dificuldades enfrentadas pelos indígenas em 2020, listando o Projeto de Lei (PL) 191 – apresentado pelo governo Bolsonaro ao Congresso em fevereiro prevendo a abertura das terras indígenas para a mineração, a exploração de gás e petróleo e a construção de hidrelétricas – e a Instrução Normativa (IN) 09, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em abril, que permite a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas. “Infelizmente temos que dizer que o governo é a principal causa dessa dor, dessas violências contra os povos indígenas”, apontou Antonio Eduardo.

O trabalho do Cimi relativo a 2020 contém ainda um capítulo sobre “violência por omissão do poder público” que ficou em patamar pouco abaixo de 2019, quando houve uma disparada de casos em relação a 2018. Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade na infância indígena. Em 2020, foram registrados 110 suicídios de indígenas em todo o país – foram 133 em 2019, 101 em 2018. Foram registrados ainda 776 óbitos de crianças de 0 a 5 anos em 2020; no ano anterior, o total foi de 825; em 2018, foram 526 mortes.

A professora Ernestina Macuxi, liderança Indígena, da comunidade Willimon, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol afirmou que todos os povos indígenas vem sofrendo demais com o governo Bolsonaro e o sofrimento foi agravado pela disseminação do coronavírus. “Em meio à pandemia, aumentaram muito as invasões e os casos de violência contra os povos indígenas e o meio ambiente”, disse Ernestina. “Tudo que está no relatório é verdade. Nós estamos pedindo socorro”, acrescentou.

O relatório também reúne três artigos sobre os impactos da pandemia entre os povos indígenas e também os dados sobre mortes de casos de covid-19 nas comunidades. O relatório aponta que faltou apoio para a instalação de barreiras sanitárias e houve interrupção no fornecimento de cestas básicas e de materiais de higiene necessários para garantir condições básicas de prevenção contra a Covid-19 nos territórios indígenas. De acordo com dados da Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), morreram pela covid-19 1.223 indígenas: houve mais de 60 mil casos que afetaram 162 povos no país.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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