Brumadinho: em meio a corte de indenizações, atingidos debatem desafios dos processos contra a Vale

Seminário em Minas reúne vítimas de tragédias como a de Mariana, também com rompimento de barragem, da boate Kiss e da mina da Braskem, em Maceió

Por Guilherme Silva | ODS 15ODS 16 • Publicada em 23 de janeiro de 2024 - 09:26 • Atualizada em 26 de janeiro de 2024 - 08:42

Trabalho de resgate dos mortos pelo rompimento da barragem em Brumadinho: atingidos e parente de vítimas debatem desafios dos processos contra a Vale (Foto: Mauro Pimentel / AFP -28/01/2019)

Trabalho de resgate dos mortos pelo rompimento da barragem em Brumadinho: atingidos e parente de vítimas debatem desafios dos processos contra a Vale (Foto: Mauro Pimentel / AFP -28/01/2019)

Seminário em Minas reúne vítimas de tragédias como a de Mariana, também com rompimento de barragem, da boate Kiss e da mina da Braskem, em Maceió

Por Guilherme Silva | ODS 15ODS 16 • Publicada em 23 de janeiro de 2024 - 09:26 • Atualizada em 26 de janeiro de 2024 - 08:42

Cinco anos após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, famílias e atingidos pela tragédia promoveram um seminário na Câmara Municipal da cidade, nesta segunda-feira (22), para debater os avanços e desafios do processo judicial contra a empresa e seus dirigentes. “Como familiares, nós nunca tivemos dúvidas que foi crime, de que é crime e que seguirá sendo crime”, afirmou Andressa Rocha Rodrigues, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pela Tragédia em Brumadinho (Avabrum). Em discurso, ela ainda questionou: “a pergunta que temos que fazer é: de qual lado a Justiça quer ser lembrada?”.

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O seminário faz parte de uma série de ações para lembrar os cinco anos do rompimento da barragem da Vale, que provocou a morte de 272 pessoas. Os debates também lembraram o corte de até 80% no valor das indenizações concedido pela Justiça, de acordo com estudo recentemente divulgado. Durante o evento, foi lançado o Observatório de Ações Penais sobre a tragédia em Brumadinho, plataforma para disponibilizar informações e documentos sobre os  processos criminais no Brasil e a ação na Alemanha movida por vítimas.

No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a barragem I da mina Córrego do Feijão rompeu e arrastou tudo o que estava no caminho da onda de rejeitos. A maioria das vítimas era de trabalhadores da Vale ou de empresas terceirizadas: foram 272 mortos, três pessoas ainda são consideradas desaparecidas.  A lama tóxica afetou 26 municípios e atingiu 944 mil pessoas, provocando enormes prejuízos e prejudicando atividades como pesca, turismo e agricultura. A lama da Vale destruiu um total de 269,84 hectares, equivalente a 270 campos de futebol, incluindo áreas de vegetação nativa de Mata Atlântica e Áreas de Preservação Permanente, com grande mortandade de fauna e flora.

O seminário também discutiu a importância de observatórios criminais no acompanhamento e na cobrança por justiça em casos como Brumadinho. “Essas 16 pessoas envolvidas (os acusados criminalmente), se forem presas, são descartáveis para a Vale”, afirmou Rosaly Stange Azevedo, juíza do Trabalho e coordenadora do Observatório. “Para mudar a história do Brasil, precisamos pedir a cessão imediata, não só de Brumadinho, mas de todas as Minas e essa técnica específica (que causou a tragédia)”.

Essa foi a primeira vez que representantes das vítimas de tragédias de Brumadinho, Mariana, Maceió, todas provocadas pela ação de mineradoras, e também da Boate Kiss (em Santa Maria) debateram os desafios do processo judicial e os detalhes que tornaram 16 réus na ação penal (11 executivos e funcionários da Vale e 5 da TÜV SÜD (empresa de consultoria alemã que acompanhava a mina) pelo rompimento da barragem. Os debatedores detalharam a complexidade do caso, a morosidade da justiça, a resistência da empresa e a falta de recursos. “Assim como se passaram 5 anos da tragédia-crime da Vale sem justiça, 11 anos se passaram da Boate Kiss, 8 do crime de Mariana e, em Maceió, são 6 anos de impunidade. Nós esperamos, de esperançar mesmo, e lutaremos para que a justiça esteja do lado de fazer com que os responsáveis por todas essas tragédias respondam pelos crimes que cometeram”, afirmou a presidente da Avabrum

A denúncia criminal contra 16 pessoas físicas e 2 jurídicas está em andamento na Justiça Federal, sem qualquer condenação. O processo começou no Judiciário estadual: 18 pessoas chegaram a ser denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Justiça aceitou a denúncia. O STJ, entretanto, anulou o recebimento da denúncia no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e a discussão sobre o foro (estadual ou federal) do processo foi ao STF, que no fim de 2022, devolveu o processo à Justiça Federal.  Só no começo de 2023, a Justiça Federal em Minas aceitou denúncia do MPF contra 16 pessoas – além da Vale da TÜV SÜD – e o processo voltou a andar

Indenizações reduzidas

A ação civil pública que apura as responsabilidades do rompimento da barragem da Vale continua em andamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), além de ações individuais das vítimas na Justiça mineira. Entretanto, estudo do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab), uma das ONGs indicadas pelas próprias comunidades para fazer a assessoria técnica na região do Rio Paraopeba, aponta as dificuldades enfrentadas nas batalhas travadas na Justiça contra a Vale por pessoas impactadas pela tragédia.

O estudo do Nacab analisou 319 processos julgados entre janeiro de 2019 e março de 2023 por 11 câmaras cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Desse total, 75% das decisões foram desfavoráveis aos atingidos. Os valores chegaram a ser reduzidos em até 80% na segunda instância – câmaras cíveis, formadas por desembargadores – do TJMG, após recurso da Vale.

A advogada Sarah Zuanon, da assessoria jurídica do Nacab e uma das responsáveis pelo estudo, explicou ao Repórter Brasil que o Termo de Compromisso pactuado entre a Vale e a Defensoria Pública de Minas Gerais, que define os valores indenizatórios, deveria servir de orientação para acordos extrajudiciais entre a mineradora e as vítimas do rompimento da barragem. “Só que, em muitos casos, a Vale não quis fazer acordo ou oferecia um valor muito abaixo. Então, as pessoas ficam sem alternativa e ajuízam uma ação”, disse.

Guilherme Silva

Jornalista formado pela Universidade Nove de Julho. Atualmente integra o time de repórteres correspondentes da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e foi estagiário no Canal Reload. Nascido e criado nas periferias da Zona Sul de São Paulo, é apaixonado por comunicação, histórias e explorar a cidade de bicicleta.

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