A letalidade policial entra na mira do governo

Protesto contra a morte do Thiago Flausino, 13 anos, por policiais na Cidade de Deus: proposta de programa nacional de combate à letalidade policial (Foto: Tércio Teixeira / AFP – 07/08/2023)

Lula diz que polícia tem que saber diferenciar pobre de bandido; conselho ligado ao Ministério dos Direitos Humanos propõe programa nacional para o combate à letalidade policial

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 11 de agosto de 2023 - 11:36 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:42

Protesto contra a morte do Thiago Flausino, 13 anos, por policiais na Cidade de Deus: proposta de programa nacional de combate à letalidade policial (Foto: Tércio Teixeira / AFP – 07/08/2023)

Em discurso de improviso nesta quinta-feira (10/08), no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que as polícias têm “que saber diferenciar o que é um bandido e o que é um pobre que anda na rua”. A fala presidencial faz parte das movimentações do governo nos últimos dias para tratar da constante violência policial no país. Na véspera, após reunião extraordinária pedida pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) propôs a criação de um Programa Nacional para o Combate à Letalidade Policial.

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As manifestações de preocupação do governo federal com a violência da polícias vêm se multiplicando desde as seguidas operações policiais letais ocorridas no Guarujá (São Paulo) na Penha (Zona Norte do Rio de Janeiro) e Bahia na Bahia – que deixaram pelo menos 45 pessoas. A morte do adolescente Thiago Flausino, 13 anos, baleado com cinco tiros por policiais na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, foi o estopim para o pedido de Silvio Almeida para a reunião extraordinária do Conanda. “É preciso que o Governo Federal aja de maneira firme, coesa e criativa, usando as melhores evidências disponíveis e conferindo à situação a gravidade e a urgência necessária”, afirma a nota divulgada pelo conselho após a reunião.

ntervenções policiais que resultam em números expressivos de mortes não são compatíveis com um país que se pretende democrático e em consonância com os Direitos Humanos

Silvio Almeida
Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania

No Rio, o presidente Lula criticou a ação da polícia, ao discursar ao lado do governador Claudio Castro – que acumula em sua administração as maiores chacinas promovidas por forças de segurança. “O povo da periferia precisa ser tratado com respeito, para que nunca aconteça o que aconteceu com o menino que foi assassinado por um policial despreparado ou irresponsável”, afirmou. “O governo federal tem que assumir responsabilidade de ajudar os governadores no combate à violência, porque o crime organizado está tomando conta do país”, acrescentou Lula, que sofreu muitas críticas em seus primeiros mandatos pela falta de políticas para área de segurança pública.

A letalidade policial é parte central desse cenário de violência. De acordo com os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as polícias do Brasil mataram um total de 6.430 pessoas durante o serviço ou em horário de folga em 2022. O número representa 17 vítimas de policiais por dia.

A nota do Conanda cita os dados do anuário ao propor a criação do programa nacional de combate à letalidade policial. O colegiado vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) propõe, entre outras iniciativas, fomento da implementação de câmeras corporais nas polícias; instauração de comissões de mitigação de riscos; instituição de sistema nacional de registro, acompanhamento e avaliação dos órgãos de correição das corporações policiais; criação de padrões nacionais de qualidade e fomento ao desenvolvimento institucional das ouvidorias de polícias; e a elaboração de uma ampla proposta para a reforma do ensino policial no Brasil.

O texto também propõe pactos nacionais pelo controle externo das polícias e pela difusão de um protocolo das Nações Unidas – Protocolo de Minnesota -, já citado em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), e que serve como instrumento de para a investigação de mortes potencialmente ilícitas. O Conanda também defende a transparência de dados, monitoramento e divulgação de sobre letalidade contra crianças e adolescentes e, no caso de autos de resistência, criar mecanismos para que os crimes cometidos contra criança e adolescentes tenham garantia de prioridade nos trâmites de procedimentos investigatório.

O conselho lembra ainda dados do anuário, mostrando que entre as vítimas das ações policiais, 7,5% possuíam de 12 a 17 anos e 45,4% possuíam de 18 a 24 anos. A nota também destaca que, para além da letalidade policial, o Brasil registrou, em 2022, 47.398 mortes violentas intencionais, sendo que 76,5% das vítimas eram negras. “É preciso também reunir os diversos setores do governo federal, os governadores e membros de outros poderes para um grande pacto nacional pela vida, sobretudo de jovens pobres e negros, maiores vítimas da violência policial e da violência de maneira geral”, afirma o comunicado do conselho, aprovado por 17 integrantes e secretário do MDHC e presidente do Conanda, Cláudio Augusto Vieira, e pela vice-presidente do colegiado, Marina de Pol Poniwas.

Na segunda-feira, ao mesmo tempo que acionava o Conanda para a reunião extraordinária, o ministro Silvio Almeida acionou a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos para acompanhar as apurações das mortes cometidas por policiais na Bahia. “Intervenções policiais que resultam em números expressivos de mortes não são compatíveis com um país que se pretende democrático e em consonância com os Direitos Humanos”, disse o ministro. Juntos, Bahia – governada pelo PT desde 2007 – e Rio de Janeiro representam 43% de todas as mortes provocadas pelas polícias no Brasil.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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