Os ambientalistas já estavam em pé de guerra desde o começo do mês com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de conversão à Medida Provisória 1150/2022, que devasta a Lei da Mata Atlântica, Nesta terça (11/04), o Observatório do Código Florestal divulgou nota técnica listando todos as ameaças embutidas na proposta que está começando a tramitar no Senado. “A alteração proposta prorroga indefinidamente o início da adequação à Lei nº 12.651, de 2012 (o Código Florestal), levando à anistia de 19 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal desmatados ilegalmente e que deveriam ser recuperados”, destaca o documento.
Leu essa? Código Florestal completa 10 anos sob ataques e ameaças
Para a secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, Renata Dal Giudice, a aprovação do o PLV (projeto de lei de conversão) é mais uma grave ameaça à implementação do código. “O texto aprovado na Câmara para a MP adia pela sexta vez o prazo para implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, dificulta sua implantação e ainda possui vários jabutis (matérias alheias ao tema inicial da Medida Provisória e que por isso são inconstitucionais)”, critica. “Sua aprovação adia indefinidamente a restauração de 19 milhões de hectares de floresta, reduz a proteção da Mata Atlântica, permitindo o desmatamento de áreas primárias sem compensação ou análise de alternativa locacional, facilitam a autorização de ocupação de áreas de risco nas cidades, reduzem a proteção do entorno de unidades de conservação próximas às cidades”, acrescenta a advogada ambientalista.
Os prazos para registro de propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) vêm sendo adiados sucessivamente desde a entrada em vigor do Código Florestal, aprovado em 2012. As pressões da bancada ruralista no Congresso e a resistência dos órgãos ambientais estaduais, que não têm conseguido promover a validação dos registros do CAR, vêm retardando por mais de uma década a efetiva aplicação da lei.
A nota técnica do Observatório lista os malefícios do PLV (projeto de lei de conversão) aprovado na Câmara que prorroga pela sexta vez o prazo para inscrição no CAR a fim de que o proprietário ou possuidor possa gozar de benefícios quando de sua adesão ao PRA; vincula a adesão ao PRA à prévia análise, pelo órgão ambiental competente, das informações constantes no registro do imóvel no CAR (atrasando ainda mais essa adesão); altera dispositivos da Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06), fragilizando a proteção do bioma e reduzindo as salvaguardas para a ocupação de Áreas de Preservação Permanente urbanas; e diminui, arbitrariamente, as Zonas de Amortecimento de Unidades de Conservação que estejam próximas a áreas urbanas, enfraquecendo esse instrumento legal de preservação.
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Veja o que já enviamosO documento lembra o Código Florestal buscou incentivar a regularização do imóvel rural, concedendo benefícios aos proprietários que espontaneamente inscrevessem seus imóveis no CAR e aderissem ao PRA. O benefício foi o reconhecimento de “áreas rurais consolidadas”, desmatadas anteriormente a 22 de julho de 2008, nas quais não seria mais necessário realizar a restauração florestal completa. Após cinco adiamentos, a data-limite para se inscrever no CAR (e ter os benefícios do PRA) era 31/12/2020 e prazo final de adesão ao PRA estava determinado para 31 de dezembro de 2022.
O foco da MP de Bolsonaro era adiar este último prazo. “A data-limite de 31 de dezembro de 2020 para inscrição no CAR, para fins de habilitação aos benefícios do PRA, ficava mantida, o que fazia justiça com os mais de 6 milhões de proprietários ou possuidores rurais que se apresentaram perante os órgãos ambientais, voluntariamente, para tentar resolver seus passivos ambientais ou demonstrar sua situação de regularidade perante a lei”, destaca a nota do Observatório do Código Florestal.
O texto aprovado na Câmara dos Deputados, no entanto, prorroga mais uma vez a data limite de 31/12/2022 para que a inscrição no CAR gere direito à adesão ao PRA e a regularização dos passivos com benefícios concedidos pelo código. “Em plena crise climática, com quebras de safra por falta de chuvas e polinizadores, e inúmeros desastres causados pelas fortes chuvas, a Câmara dos Deputados demonstra que está a serviço do lucro de poucos em detrimentos da maioria da população presente e futura”, afirma Renata Dal Giudice.
A nota técnica também destaca os favorecidos pelas alterações promovidas pelos deputados na MP. “A mudança na lei para beneficiar menos de 1% dos proprietários rurais, justamente os que, 10 anos após a promulgação da lei, ainda resistem a se apresentar aos órgãos ambientais para regularizar seus passivos, desmoraliza a política de adequação ambiental e envia uma mensagem perversa à sociedade, pois privilegia a minoria que tenta a todo custo escapar da lei, ao invés de privilegiar a maioria que tenta a ela se adequar. Isso é especialmente grave num momento em que o país enfrenta um aumento desenfreado do desmatamento”, aponta a nota técnica.
O Observatório do Código Florestal analisa ainda dispositivos introduzidos na lei que dificultam a adesão ao Programa de Regularização Ambiental. De acordo com a nota técnica, o novo processo estabelecido pelo texto aprovado pela Câmara elimina z busca voluntária do titular do imóvel rural pela regularização de seu passivo, obrigando o Estado a analisar, identificar o passivo e convocar o proprietário ou possuidor do imóvel rural irregular para aderir ao PRA. “As alterações têm o potencial de gerar novas judicializações, perpetuando-se o cenário de insegurança jurídica”, afirma o documento, lembrando que o Código Florestal está em vigor desde 2012 e já teve sua constitucionalidade atestada pelo STF.
A nota técnica do Observatório do Código Florestal conclui que, como ainda são muitos os imóveis já inscritos no CAR mas sem adesão ao PRA e o processo estabelecido pelo Poder Público foi “pouco claro e moroso”, a prorrogação do prazo de adesão é conveniente. “Contudo, tal prorrogação deve manter o equilíbrio entre penalidades e benefícios, em respeito à Constituição de República”, frisa o documento, acrescentando que cabe ao Senado Federal alterar o texto aprovado na Câmara “para que alcance efetivamente seus objetivos”.
Jabutis ameaçadores
O Observatório do Código Florestal afirma ainda que o texto do PLV introduz dispositivos que tratam de matérias inteiramente alheias àquela tratada na MP original – os chamados jabutis no jargão legislativo. A nota lista os jabutis do texto aprovado na Câmara: extensão do conceito de área urbana para compreender perímetros urbanos definidos por lei municipal, regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e transferência de toda a competência para regulamentar o uso e a ocupação das APPs urbanas exclusivamente para os planos diretores e leis de uso do solo dos Municípios; retirada da previsão de uma zona de amortecimento nas unidades de conservação que tenham áreas urbanas ao seu redor; fragilização da proteção da Mata Atlântica com alterações em oito pontos da Lei da Mata Atlântica, legislação instituída em 2006 para proteger o bioma, que segue do sul ao nordeste do Brasil e conta com apenas 12% da floresta original.
O texto aprovado permite derrubar a vegetação primária e secundária de Mata Atlântica – aquela que nasce no lugar da original – em estágio avançado de regeneração mesmo quando houver outra alternativa técnica e locacional para o empreendimento. Passou exclusivamente para os governos municipais a competência de autorizar o corte e a exploração de vegetação secundária em estágio médio de regeneração em áreas urbanas, se o município tiver conselho de meio ambiente e plano diretor. No caso de vegetação em estágio inicial de regeneração, em áreas urbanas e rurais, abre para que a autorização seja municipal.
Para Roberta del Giudice, transferir a responsabilidade da autorização de retirada da vegetação aos órgãos municipais dificulta o controle e fiscalização das ações. Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, também critica o texto aprovado: “O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade neste momento de emergência climática”, destacou a ambientalista que participou de um protesto em frente ao Congresso Nacional contra as mudanças nas regras do Código Florestal e da Lei da Mata Atlântica.