Itaipu: energia limpa e floresta em pé

Corredor verde da Itaipu rendeu à empresa o título de Reserva da Biosfera (Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional / Divulgação)

Com a plantação de quase 24 milhões de mudas em três décadas, a hidrelétrica ganhou o status de Reserva da Biosfera, chancela da Unesco

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 25 de janeiro de 2020 - 08:17 • Atualizada em 17 de fevereiro de 2022 - 22:15

Corredor verde da Itaipu rendeu à empresa o título de Reserva da Biosfera (Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional / Divulgação)

Foz do Iguaçu, Paraná*. São 1,2 mil km de área de proteção, um corredor de biodiversidade, com 60 metros de largura por quatro quilômetros de extensão, que rendeu à Itaipu Binacional o status de Reserva da Biosfera. A chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco) veio em julho de 2019 — dois anos depois de o título ser concedido ao lado paraguaio da hidrelétrica. A usina fica obrigada a evitar o desmonte dos programas de preservação ambiental na empresa e manter a floresta em pé — enquanto a Mata Atlântica encolhe, tendo restado apenas 12,4% da floresta que existia originalmente; Itaipu, no Paraná, tem sido responsável, segundo dados da SOS Mata Atlântica, pela regeneração de quase 30% da restauração do bioma no estado nos últimos 30 anos. O objetivo é alcançar a meta de 24 milhões de mudas de árvores nativas numa faixa de proteção ao reservatório da empresa que liga dois parques nacionais: Iguaçu e Ilha Grande.

Dona de um dos maiores programas de reflorestamento já feitos por uma hidrelétrica no mundo, fauna e flora são aliados tão fundamentais ao negócio que tem levado o presidente da Itaipu, coronel Luiz Felipe Carbonell, a afirmar que “cuidar desse ecossistema” é tão importante quanto gerar energia: “A produção de energia depende do meio ambiente, por isso aqui não se trata de um processo acessório”.

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Estrada polêmica no Parque Nacional do Iguaçu

Logo que assumiu o cargo — ele é um dos 16 militares que ocupam cargos na hidrelétrica contra um número bem menor que marcou gestões anteriores –, pairou no ar certa dúvida se, realmente, os projetos socioambientais da empresa teriam continuidade, dado o desmonte patrocinado pelo governo Bolsonaro nos programas ambientais no país. Em 2018, o orçamento para bancar os programas socioambientais de Itaipu somou R$ 30 milhões. Por enquanto, a empresa não anunciou nenhum corte expressivo, ainda que esteja engajada no consórcio responsável pela construção da Ponte da Integração Brasil-Paraguai, entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, no país vizinho. O investimento previsto é de R$ 463 milhões.

Ao alagar 4,3 milhões de metros cúbicos de floresta do Parque Nacional das Sete Quedas e 1.460 quilômetros quadrados entre Brasil e Paraguai nos anos 1970, quando Itaipu começou a ser construída durante o regime militar, 16 municípios foram diretamente afetados – um deles, no Paraguai. Hoje, 54 municípios estão geograficamente localizados na área de influência da usina. “Não queremos litígio com os vizinhos”, admite Carbonell, referindo-se ao fato de a empresa estar permanentemente atenta para coibir invasões na área de proteção ambiental, que costuma ocorrer via exploração ilegal de areia ou ocupação irregular.

Evitar litígios não vai ser exatamente fácil, dado que uma crise diplomática detonada pelo presidente Bolsonaro, numa tentativa de baixar os custos da energia, por pouco não levou ao impeachment do presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez. O ano de 2023 é decisivo para a hidrelétrica. É a data definida para a renegociação do contrato da usina de Itaipu, a segunda maior do mundo. Dada a inabilidade do presidente Bolsonaro no litígio com o país vizinho, essa negociação corre sérios riscos. O resultado pode afetar a conta de luz dos brasileiros.

Outros problemas são os rios que cortam essas cidades, e deságuam no reservatório da usina, e a plantação de soja que faz parte do cenário — a sojicultura no Paraná é tão expressiva, que o estado é o segundo maior produtor do país. “Cuidamos da qualidade da água de cima para baixo, protegendo a nascente, recuperando áreas degradadas, protegendo a mata ciliar dos cursos d’água, numa extensão de 720 hectares, desde 2003”, explicou Seno Anton, gestor de Bacias da Itaipu. A hidrelétrica responde por 15% da energia consumida no país. O recorde de produção ocorreu em 2016, quando a usina gerou 103 milhões de MW/hora — a estiagem que vem atingindo o Paraná, reduziu a geração, este ano, para 96,4 milhões de MW/hora.

Ava rara da Mata Atlântica. Corredor verde de Itaipu. Foto de Rubens Fraulini/Itaipu Binacional
Uma harpia, ave rara da Mata Atlântica, no colo do veterinário Zalmir Cubas (Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional)

Reprodução de animais em cativeiro

Às margens do Rio Paraná, tudo que envolve a maior geradora de energia limpa e renovável do mundo é superlativo. A preservação da mata nativa fez ressurgir na região a harpia, uma das maiores aves das Américas e também conhecida como gavião-real. Sensível às alterações causadas pelos humanos — devido à urbanização, ao desmatamento e à caça –, a ave está classificada como vulnerável à extinção no país e está praticamente desaparecida das copas das árvores da Mata Atlântica. Dez anos depois do nascimento da primeira harpia em cativeiro no Refúgio Biológico Bela Vista, cerca de 30% de todas as harpias mantidas em cativeiro no país estão no plantel de Itaipu. E das 36 instituições, espalhadas pelas cinco regiões brasileiras, que mantêm harpias em cativeiro, apenas 10 já tiveram resultados de reprodução. “Já estamos na segunda geração de harpias”, comemora o veterinário Zalmir Cubas, explicando que o objetivo do projeto da Itaipu é repovoar a região e não manter um jardim zoológico na empresa.

Onças no Refúgio Bela Vista. ta Atlântica. Foto de Rubens Fraulini/Itaipu Binacional
Filhotes de onça nascidos em cativeiro, no Refúgio Bela Vista, têm microchip implantado (Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional)

No Refúgio Biológico Bela Vista, a natureza é mimetizada. Há quatro meses, nasceu os filhotes do casal de onças Nena e Valente. O projeto de Itaipu consiste em formar um banco genético que permita a reinserção dos animais na natureza. Com microchips implantados, a vida dos filhotes será monitorada, assim como ocorreu com a irmã mais velha, Cacau. A primogênita foi transferida para uma reserva da Itaipu, no lado paraguaio, para evitar que a reprodução aconteça entre indivíduos consanguíneos. Assim que a transferência foi feita, seus irmãos caçulas foram levados para as áreas abertas, mas ainda longe do pai. Monitorar os animais da fauna e da flora é regra número um entre os especialistas da Itaipu, o que permite, por exemplo, registrar que indivíduos de curimba, piapara e pacu tenham percorrido 400 km rio acima — fora do período de migração reprodutiva dos peixes, conhecido como piracema, o Canal de Piracema é usado para atividades desportivas, como canoagem e rafting.

*A repórter viajou a convite da Itaipu Binacional

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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