Fecundidade fica abaixo do nível de reposição em 20 das 22 maiores economias do mundo

Arte/Claudio Duarte

Para termos um mundo mais sustentável, tendência de redução do crescimento populacional precisa vir acompanhada de queda no consumismo e na exploração dos recursos naturais

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10ODS 12 • Publicada em 17 de outubro de 2022 - 10:51 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:21

Arte/Claudio Duarte

A transição demográfica é um fenômeno relativamente novo na história da humanidade e se desenrola de forma sincrônica com o desenvolvimento econômico, que teve início com a Revolução Industrial no fim do século XVIII. As taxas de mortalidade começaram a cair no início do século XIX nos países mais ricos, sendo que a transição da mortalidade se generalizou, internacionalmente, depois da Segunda Guerra Mundial. As taxas de fecundidade começaram a cair no final do século XIX em poucos países (a França foi pioneira), mas a sua generalização é um fenômeno mais recente e se tornou universal a partir da década de 1970 (Alves, 1994).

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Agora em 2022, pela primeira vez, 20 das 22 maiores economias do mundo apresentam taxas de fecundidade total (TFT) abaixo do nível de reposição (2,1 filhos por mulher), ou seja, abaixo do nível necessário para manter o crescimento populacional de longo prazo. As únicas duas exceções são a Indonésia que deve atingir a taxa de 2,09 filhos por mulher em 2026 e a Arábia Saudita que deve apresentar TFT de 2,09 filhos por mulher em 2033, conforme mostra a tabela abaixo.

Praticamente todos os países da tabela possuem idade mediana acima de 30 anos, sendo que o Japão é o país mais envelhecido com metade da população acima de 48,7 ano e o México o mais rejuvenescido com idade mediana de 29,4 anos. A expectativa de vida ao nascer (Eo) do mundo está em 71,7 anos e apenas a Índia e a Indonésia estão abaixo de 70 anos. O Brasil, com expectativa de vida de 73,4 anos fica à frente apenas da Índia, Indonésia e Rússia. Em geral, existe uma forte relação entre maior renda per capita das nações, menor taxa de fecundidade e maior expectativa de vida ao nascer.

A taxa de fecundidade total (TFT) do mundo em 2022 – de 2,31 filhos por mulher – ainda está acima do nível de reposição (que é de 2,1 filhos por mulher) e só deve atingir o patamar de 2 filhos em 2065, segundo a projeção média da Divisão de População da ONU, mostrada no gráfico abaixo. Nota-se que a TFT estava em torno de 5 filhos por mulher entre 1950 e 1970, caiu pela metade (2,5 filhos) em 2017 e deve ficar em 1,84 filhos por mulher em 2100. As projeções mostradas no gráfico abaixo possuem um leque de probabilidades, que depende da dinâmica concreta das tendências do tamanho médio da prole das famílias.

Os gráficos abaixo mostram a evolução das taxas de fecundidade entre 1950 e 2022 e o leque de probabilidades das projeções até 2100 das seis maiores economias do mundo. A China e a Índia tinham TFT de cerca de 6 filhos por mulher em meados do século passado, mas a China apresentou queda muito rápida a partir de 1970 e ficou abaixo do nível de reposição a partir da década de 1990, enquanto a Índia teve uma queda mais lenta e só chegou ao nível de reposição em 2020. Os EUA tinham TFT abaixo de 3 filhos por mulher na década de 1940, subiu para quase 4 filhos na década de 1960 e caiu abaixo do nível de reposição na década de 1970. Teve ligeira alta entre 1990 e 2010 e voltou a ficar em torno de 1,7 filhos.

O Japão tinha TFT em torno de 5 filhos por mulher em meados do século passado, atingiu o nível de reposição na década de 1960 e caiu para menos de 1,5 filhos por mulher nos anos 2000. A Alemanha tinha TFT em torno de 2,5 filhos por mulher depois da Guerra e caiu para 1,5 filho por mulher no final da década de 1960 e tem se mantido neste patamar. A Rússia tinha TFT em torno de 3 filhos, caiu para o nível de reposição e teve uma enorme queda depois do fim da União Soviética (URSS). Estes seis países vão seguir com TFT abaixo do nível de reposição no restante do século XXI. Somente a população norte americana deve manter  crescimento demográfico até 2100, em decorrência do fluxo imigratório.

Os gráficos abaixo também mostram a evolução das taxas de fecundidade para outros 6 países, sendo que a Indonésia, o Brasil e a Turquia possuem o mesmo padrão da transição da fecundidade, pois tinham TFT de cerca de 6 filhos em meados do século passado e tiveram significativos declínios nas décadas seguintes. Já os países europeus, em um outro espectro, também apresentam um mesmo padrão entre si, pois tinham TFT em torno de 2,5 filhos por mulher e chegaram abaixo do nível de reposição na década de 1970 e continuam com TFT abaixo de 2,1 filhos por mulher.

Os gráficos abaixo mostram que Canada, Espanha e Australia tinham fecundidade baixa em meados do século passado (em torno de 3 filhos) e rapidamente ficaram abaixo do nível de reposição. O México teve mais ou menos o padrão do Brasil. A Arábia Saudita manteve uma TFT elevada no século passado e apresenta uma queda grande no atual século e ainda está acima do nível de reposição. A Coreia do Sul teve uma queda precoce e muito rápida da fecundidade e chegou a uma TFT abaixo de 1 filho por mulher (a mais baixa do mundo).

Os 4 países dos gráficos abaixo mostram que Taiwan teve uma transição da fecundidade parecida com a transição da Coreia do Sul. A Polônia seguiu o padrão europeu. O Irã foi o país que teve a transição mais rápida e que ocorreu depois da Revolução Islâmica. E a Argentina tinha taxas de fecundidade abaixo da média da América Latina e teve uma transição mais lenta, mas também já chegou abaixo do nível de reposição.

A transição demográfica é um fenômeno de transformação social incrível, pois, em geral, abre uma janela de oportunidade para o avanço das condições socioeconômicas dos países. Como mostrei no artigo “Transição demográfica contribui para a redução da pobreza e da fome” (Alves, 03/10/2022), aqui no #Colabora, a redução das taxas de mortalidade e de fecundidade são essenciais para uma efetiva redução da pobreza e da fome.

Os demógrafos de antigamente tinham dúvidas até onde iria a transição da fecundidade. Mas hoje em dia as evidências são extremamente fortes para ressaltar as vantagens da redução do número médio de filhos. Os 22 países em questão possuem 60% da população mundial e menos de 50% dos nascimentos anuais.

Como sabemos, é inviável o crescimento populacional infinito em um Planeta finito. Desta forma, uma fecundidade abaixo do nível de reposição e o decrescimento demográfico são necessidades evidentes, pois são fatores que podem impulsionar a prosperidade humana e ambiental, como mostrou Vegard Skirbekk, no livro “Decline and prosper. Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children” (2022), que chama a atenção para a necessidade de um mundo com menor quantidade de crianças e maior qualidade de vida para todos os seres vivos do Planeta.

Em síntese: as maiores economias do mundo já convivem com baixas taxas de fecundidade. Se os demais países de renda baixa e média seguirem o mesmo exemplo, o mundo poderá resolver o lado demográfico da equação. Mas para que haja verdadeira sustentabilidade climática e ambiental é preciso modificar o padrão de produção e consumo da humanidade, para que o futuro decrescimento demográfico seja acompanhado de decrescimento do consumo conspícuo, da diminuição da exploração dos recursos naturais e do controle rigoroso da poluição que degrada e avilta os ecossistemas. O planejamento do decrescimento demoeconômico é o caminho para garantir a habitabilidade do Planeta.

Referências:

ALVES, JED. A transição demográfica contribui para a redução da pobreza e da fome, #Colabora,

https://projetocolabora.com.br/ods1/transicao-demografica-contribui-para-a-reducao-da-pobreza-e-da-fome/

ALVES, J. E. D. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. Tese Doutorado, CEDEPLAR, UFMG, BH, 1994 https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/MCCR-7UWH66/1/jos__eustaquio_diniz_alves_tese_demografia_1994.pdf

Vegard Skirbekk. Decline and prosper. Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children, Springer, 2022

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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2 comentários “Fecundidade fica abaixo do nível de reposição em 20 das 22 maiores economias do mundo

  1. Jair Lima disse:

    Em relação a população do Brasil, já começou errando, e feio. Isso prejudica todos os outros dados, a exemplo de filhos por mulheres e renda per capita.

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