Documentário mostra as vítimas vivas das barragens de Minas

Nos 10 anos da tragédia de Mariana, 'Rejeito' estreia com seu foco concentrado nas comunidades vizinhas às dezenas de áreas de extração de minério no estado

Por Oscar Valporto | ODS 12ODS 15
Publicada em 9 de outubro de 2025 - 09:29  -  Atualizada em 9 de outubro de 2025 - 09:47
Tempo de leitura: 8 min

Casa destruída pela lama da barragem rompida em Brumadinho: documentário mostra as vítimas vivas das barragens de Minas (Foto: Divulgação)

No dia 5 de novembro, completam-se 10 anos do colapso da barragem de Fundão, da mineradora Samarco (controlada pelas empresas Vale e BHP), em Mariana (MG), o maior desastre ambiental da história do Brasil e também um símbolo de impunidade e descaso. Uma semana antes, em 30 de outubro, estreia nos cinemas o documentário Rejeito, que, para além de relembrar as tragédias ambientais provocadas pelo rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho (o mais letal acidente de trabalho da história do Brasil), leva seu foco para a rotina de quem ainda vive ameaçado pelo que o diretor Pedro de Filippis chama de “terrorismo de barragem”.

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Filmado a partir de 2019 e concluído em 2023, Rejeito só agora chega aos cinemas. “O filme vai além da denúncia sobre Mariana e Brumadinho. Ele mostra que esse modelo de exploração continua ativo nos dias atuais, removendo pessoas, apagando histórias e destruindo modos de vida”, afirma o documentarista mineiro que participa do Festival do Rio – Rejeito tem pré-estreia nesta sexta-feira, 10/10 (Estação Net/Botafogo 3, 20h30). “A maior parte do filme passa-se no agora, no que está a acontecer com as barragens que não romperam, mas que ameaçam milhões de pessoas ainda”, acrescenta Pedro de Filippis. Seu documentário faz parte do Especial COP 30 do Festival do Rio, com produções com temáticas socioambientais.

De acordo com estudo do Projeto EduMiTE, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atualmente cerca de 100 barragens em todo o Brasil seguem em risco de rompimento. O estado de Minas, onde estão Brumadinho, Mariana e os protagonistas de Rejeito, concentra 350 das mais de 900 cadastradas pela Agência Nacional de Mineração – pelo menos 43 barragens mineiras têm algum nível de alerta ou emergência. Desde 2023, o documentário vem sendo exibido em festivais e recebeu os prêmios de Melhor Filme no Festival Internacional de Cine Medioambiental das Canarias (FICMEC/Espanha) e no Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela (CineEco Portugal), além de premiações no Festival Sarancine e na Mostra Ecofalante; além da Menção Especial do Júri no Indie Memphis (EUA).

Em Rejeito, a câmera acompanha, principalmente, a ambientalista Maria Teresa Corujo, conhecida como Teca, que atua, há mais de 20 anos, na defesa de lugares de Minas Gerais ameaçados ou já impactados pela mineração. “É o único lugar no mundo onde existem centenas de barragens de rejeitos de mineração com milhões de pessoas abaixo delas. Estamos vivendo, na realidade, ameaçados por bombas-relógio. Não podemos aceitar simulado de salvação numa área em que não há chance de se salvar. Se o mundo souber o que está acontecendo aqui, o mundo vai ficar estarrecido”, alerta Teca no documentário.

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Ao longo do processo, entendi que o tema central do filme é sobre território, sobre relação com o rio, com a terra, e não uma simples espetacularização dos desastres ambientais

Pedro de Filippis
Documentarista

O documentário concentra seu foco em comunidades vítimas do terrorismo de barragem. “Estamos na rota da morte e não temos como fugir se a barragem romper. Minha casa está a 50 metros da barragem. Com um rompimento, só vai restar o suspiro da morte”, denuncia, em Rejeito, o aposentado João Batista Carlos, morador da comunidade de Bela Vista, no município de Itabira (MG), vizinha das barragens Dique Cordão Nova Vista e Dique Minervino, ambas também da Vale. A câmera o acompanha no caminho de casa, passando por placas de “Zona de Risco”, “Zona de Escape” e “Rota de Fuga” e na residência com vista uma das barragens. “Somos reféns do medo e figurantes de um filme de terror”, desabafa João Batista no documentário.

Rejeito também acompanha uma simulação de alarme de rompimento de barragem nos bairros de Honório Bicalho e Santa Rita, no município de Nova Lima (MG). Mais de três mil pessoas vivem nas comunidades vizinhas às barragens B3/B4, no distrito de Macacos, ambas também da Vale, que tiveram a elevação do seu nível de risco, após a tragédia de Brumadinho. A câmera também segue uma equipe de filmagem contratada pela empresa, recolhendo depoimentos dos moradores após a simulação.

O documentário de Pedro de Filippis também vai à comunidade de Socorro, em Barão de Cocais (MG), evacuada depois de a Vale constatar riscos na Mina de Gongo Soco – a elevação do nível de risco também só ocorreu depois da tragédia de Brumadinho. Em Socorro, a câmera segue uma tentativa de reocupação das casas, a ação da Polícia Militar para retirar pacificamente os moradores e o protesto dos desalojados pelo possível rompimento de mais uma barragem da Vale. O cineasta mineiro aponta que este é outro tipo do “terrorismo de barragem”, em que as empresas aproveitam-se dos rompimentos passados para ameaçar como novos rompimentos e esvaziar áreas de interesse da mineração.

No longa de 75 minutos, o documentarista usa ainda imagens das tragédias de Mariana e de Brumadinho. Já são 10 anos desde que a barragem da Samarco, localizada em Mariana, rompeu e liberou uma avalanche de rejeitos que escoou pela Bacia do Rio Doce, matou 19 pessoas, destruiu três povoados por completo, eliminou bichos e vegetação e envenenou o Rio Doce até sua foz, no Oceano Atlântico, na costa do Espírito Santo. Foi logo depois do desastre de Brumadinho – 270 mortos e ainda três desaparecidos, seis anos depois do rompimento da barragem da Vale que Pedro de Filippis começou a filmar.

Mas o foco central de Rejeito acabou desviado das tragédias passadas para as ameaças do presente. “Ao longo do processo, entendi que o tema central do filme é sobre território, sobre relação com o rio, com a terra, e não uma simples espetacularização dos desastres ambientais”, afirma o diretor, que há mais de uma década documenta os conflitos provocados pela mineração na América Latina, acrescentando que Rejeito quer ocupar mais do que as salas de cinema. A proposta é que o filme tenha um lançamento de impacto social, com exibições em universidades, escolas, equipamentos culturais e eventos e conferências sobre questões sociais e do meio ambiente, com foco especial em comunidades que continuam sob risco de barragens em Minas Gerais.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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